Estreou essa semana na Netflix a minissérie documental "Como mudar sua mente", baseada em um livro homônimo do jornalista norte-americano Michael Pollan. Para quem não o conhece, Pollan é autor de inúmeros (e excelentes) livros sobre alimentação como "O dilema do onívoro", "Regras da comida" e também "Cozinhar", obra que deu origem à belíssima minissérie documental "Cooked", também produzida pela Netflix e apresentada por Pollan. Mais recentemente, contudo, o autor decidiu deixar momentaneamente o tema da alimentação - mas sem se distanciar do tópico mais geral do uso de plantas - para investigar a história das pesquisas com substâncias psicodélicas. E o resultado foi o livro "Como mudar sua mente", publicado em 2018 pela editora Intrínseca e que serviu de base para a minissérie recém-lançada. Composta por 4 episódios com cerca de 50 minutos, cada um dedicado a uma substância (LSD, Psilocibina, MDMA e Mescalina), esta minissérie retrata com brilhantismo o início das pesquisas com psicodélicos nas décadas de 1950 e 1960, a quase completa paralisia de tais pesquisas após a deflagração da "guerra às drogas" pelo governo Nixon (que tornou tais substâncias ilegais, inclusive no contexto científico) e, finalmente, a retomada recente destes estudos por um conjunto de pesquisadores atualmente chamados de "psiconautas" - expressão que não por acaso foi escolhida como título de um livro sobre esse tema lançado em 2021 pelo jornalista brasileiro Marcelo Leite. Mas a minissérie não se limita a recontar tal história e tenta também retratar, através de belíssimas animações, as transformadoras "viagens" de algumas pessoas com o uso de psicodélicos - inclusive aquelas vivenciadas pelo próprio Pollan. Mas eu não posso me furtar de fazer algumas críticas à série. Em primeiro lugar, as substâncias psicodélicas são frequentemente retratadas como "pílulas mágicas" e panaceias para todos os problemas humanos, especialmente para os chamados transtornos mentais. E isto, por sua vez, reforça uma racionalidade medicalizante, hegemônica na psiquiatria contemporânea, que reduz o sujeito a um "eu neuroquímico" que pode ser curado de suas aflições e tormentos através do uso de determinadas substâncias. E eu também não tenho como discordar da crítica feita pelo neurocientista Carl Hart no livro "Drogas para adultos" de que os psiconautas, em geral homens e brancos, comumente ignoram as terríveis consequências da tal "guerra às drogas" para as pessoas negras, suas principais vítimas. É como se eles se colocassem vigorosamente a favor da legalização das substâncias psicodélicas mas não das outras drogas - vistas, assim como seus usuários, como inferiores. Carl Hart aponta, nesse sentido, para a irritação que sente com a ginástica mental feita por alguns usuários de psicodélicos para se distanciarem de usuários de outras drogas - como crack ou heroína, por exemplo. De toda forma, apesar desses problemas, considero o tipo de pesquisa retratado na série muito importante, na medida em que pode ampliar o cuidado em saúde mental, no presente e no futuro. Se as drogas psicodélicas não são uma panaceia para os problemas humanos ainda assim elas podem ser benéficas e transformadoras para muitas pessoas.
quarta-feira, 13 de julho de 2022
segunda-feira, 27 de junho de 2022
3 livros críticos à "cultura da felicidade"
Na esteira da resenha que fiz do romance "Ser feliz", do Will Fergunson, gostaria de indicar hoje três excelentes livros de não-ficção críticos à "cultura" (alguns diria ditadura) da felicidade e do pensamento positivo: 1) Happycracia: fabricando cidadãos felizes (ed. Ubu, 2022): escrito pelo psicólogo espanhol Edgar Cabanas em parceria com a socióloga franco-marroquina Eva Illouz e publicado originalmente em 2018, este livro traz uma análise crítica brilhante da ascensão e dos discursos (supostamente neutros mas, de fato, altamente afinados com a racionalidade neoliberal) da psicologia positiva. É, sem dúvida, o melhor livro que li nos últimos anos e um dos melhores que eu já li em minha vida - eu colocaria ele, fácil, no meu Top10 de livros de não-ficção, tamanha sua amplitude e relevância para esta discussão fundamental dos nossos tempos. 2) Positividade tóxica: como resistir à sociedade do otimismo compulsivo (ed. BestSeller, 2022): escrito pelo professor de psicologia dinamarquês Svend Brinkmann e publicado originalmente em 2014, este livro é uma espécie de anti-livro de auto-ajuda ou, mais precisamente, um livro de auto-ajuda invertido, na medida em que se utiliza de parte da linguagem básica do gênero para disseminar uma mensagem oposta - veja, por exemplo, os títulos de alguns capítulos: Pare de olhar para o próprio umbigo, Concentre-se nos aspectos negativos da vida, Demita seu coach, etc. Trata-se de um livro fascinante, que eu recomendo especialmente para psicólogos clínicos. 3) Sorria: como a promoção incansável do pensamento positivo enfraqueceu a América (ed. Record, 2013): escrito pela brilhante pensadora norte-americana Barbara Ehrenreich (autora de obras clássicas como Miséria à Americana e Desemprego de colarinho-branco) e publicado originalmente em 2009, este livro volta seu foco para a ascensão da cultura do pensamento positivo nos Estados Unidos. Trata-se de uma obra extremamente potente e impactante que influenciou toda a discussão posterior sobre o assunto - os autores de Happycracia, por exemplo, veem na obra de Ehrenreich uma base fundamental para a análise que fizeram. Se você se interessa por essa discussão não deixe de ler cada um destes livros incríveis!
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domingo, 26 de junho de 2022
O clube dos iguais: uma resenha do livro "O pacto da branquitude", de Cida Bento
Se você é psicólogo ou psicóloga (e especialmente se você é branco ou branca) recomendo muito fortemente a leitura deste livro fundamental da colega de profissão Cida Bento. É um livro curto, barato e muito, mas muito importante. No centro da discussão está o conceito, desenvolvido pela própria autora, de "pacto narcísico da branquitude", que diz respeito à uma série de alianças e acordos não verbalizados que acabam por atender aos interesses e manter os privilégios das pessoas brancas, inviabilizando e excluindo pessoas não-brancas, especialmente, no Brasil, pessoas negras (mas também indígenas). Como afirma a autora, "é evidente que os brancos não promovem reuniões secretas às cinco da manhã para definir como vão manter seus privilégios e excluir os negros. Mas é como se assim fosse: as formas de exclusão e de manutenção de privilégios nos mais diferentes tipos de instituições são similares e sistematicamente negadas ou silenciadas. Esse pacto da branquitude possui um componente narcísico, de autopreservação, como se o 'diferente' ameaçasse o 'normal', o 'universal'. Esse sentimento de ameaça e medo está na essência do preconceito, da representação que é feita do outro e da forma como reagimos a ele". Não sei se a comparação é válida mas é como se a branquitude fosse um clube que só permitisse a entrada de pessoas brancas e excluísse o acesso a pessoas "diferentes", isto é, pessoas não-brancas. A grande questão é que este comportamento clubista, que está no cerne do tal pacto da branquitude, está de fato espalhado por organizações públicas e privadas, constituindo um importante aspecto do racismo institucional prevalente em nosso país. Com sua longa experiência na área de psicologia organizacional, Cida Bento mostra como este pacto está fortemente presente nos processos de recrutamento e seleção de pessoal (que tendem a desfavorecer candidatos negros) e em muitos outros processos organizacionais e sociais, perpetuando-se justamente pelas vantagens obtidas pelos "signatários" voluntários ou involuntários deste pacto. Enfim, trata-se de um pequeno grande livro que eu espero que no futuro seja amplamente lido e estudado nas faculdades de psicologia brasileiras.
Trecho do livro: "Em um ambiente em que todas as pessoas são brancas, elas se identificam umas com as outras e se veem como iguais, membros de um mesmo grupo. Essa presença exclusiva de brancos, aliás, faz parte da maioria das organizações públicas, privadas e da sociedade civil. Quando isto é rompido pela presença de uma pessoa negra, o grupo se sente ameaçado pelo 'diferente', que por ser na instituição ou no departamento a única pessoa negra, num país majoritariamente negro, expõe os pés de barro do 'sistema meritocrático'".
O livro de auto-ajuda definitivo: uma resenha do romance "Ser feliz", de Will Fergunson
No incrível romance "Ser feliz", publicado originalmente em 2002 pelo escritor canadense Will Fergunson, acompanhamos o estressado editor Edwin a partir do momento em que este encontra, em meio à pilha de manuscritos que recebe todos os dias, um livro de auto-ajuda intitulado O que aprendi na montanha, redigido por um escritor desconhecido chamado Tupak Soiree (será uma referência ao Deepak Chopra?). Edwin não dá muita fé mas devido à falta de opções, a editora acaba publicando o livro sem alterações, com uma pequena tiragem. Mas acontece que este não era um livro de auto-ajuda qualquer mas "o" livro de auto-ajuda, isto é, o único livro de auto-ajuda que realmente funcionou ao longo da história. Afinal, como afirma Edwin em certo momento, "a razão de termos tantos livros de auto-ajuda é que eles não funcionam! Se alguém escrevesse um que realmente funcionasse eu perderia meu emprego, droga!". Pois Edwin jamais poderia imaginar que o livro de Soiree seria justamente este livro. E o que acontece a partir de sua publicação é uma crescente (e preocupante) epidemia de felicidade. Cada pessoa que lê o livro - e ele se torna rapidamente um sucesso editorial - desenvolve uma plena satisfação com a vida que acaba por transformar radicalmente o mundo. As primeiras indústrias a falir são a de cigarro e de bebidas mas logo vão à bancarrota também as indústrias de fast food, de moda, de exercícios físicos, de cosméticos e assim por diante. Como afirma Edwin, "toda a nossa economia foi construída sobre as fraquezas humanas, sobre maus hábitos e inseguranças". Com cada vez mais pessoas ficando satisfeitas, não apenas a economia mas toda a sociedade se altera drasticamente. E com o objetivo de reverter essa situação, Edwin - que editou o livro mas não foi enfeitiçado por ele - sai à caça do autor da obra maldita, responsável por essa insuportável onda planetária de felicidade. Não revelarei mais nada do livro mas gostaria de recomendá-lo com entusiasmo. "Happiness" (seu título original) é uma hilária sátira do mundo editorial e também uma crítica sagaz às falsas promessas vendidas por livros e autores de auto-ajuda.
Trecho do livro: "A falha central em toda a filosofia de Tupak Soiree é esta: ele não entende a verdadeira natureza da alegria. Alegria não é um estado de ser, May. É uma atividade. Alegria é verbo, não é substantivo. Não existe independentemente de nossas ações. A alegria é para ser fugaz e transitória, porque nunca se destinou a ser permanente. Mono-no-awaré, May. “A tristeza de todas as coisas.” A tristeza que permeia tudo, até a própria alegria. Sem ela, a alegria não pode existir. Alegria é o que nós fazemos. Alegria é dançar sem roupa embaixo da chuva. A alegria é pagã, absurda, matizada de sensualidade e tristeza. Não é serenidade. Serenidade é o lugar para onde vamos quando morremos. Estou de partida. Estou indo para o sul, rumo ao deserto, para um confronto final. Vou salvar a todos nós da felicidade. Vou recolocar no devido lugar a alegria, a dor e os prazeres culposos da vida".
sábado, 25 de junho de 2022
Palestra: "Ansiedade: entender para controlar"
Eu já tratei do tema da ansiedade algumas vezes neste blog, como por exemplo, no post O livro definitivo da ansiedade e, mais amplamente, no post Precisamos falar sobre... ansiedade. Pois no dia 06 de Maio de 2022 eu voltei a tratar deste tema em uma palestra que eu dei para os calouros da Universidade Federal de Viçosa, instituição onde eu trabalho como psicólogo desde 2008 - que, coincidentemente foi o mesmo ano em que eu criei este blog. Caso tenha interesse em assistir essa palestra, segue o video, disponível no canal da UFV no Youtube.
quarta-feira, 20 de abril de 2022
Convite para colaboração em pesquisa de doutorado
Queridos e queridas colegas, meu nome é Felipe Stephan Lisboa, sou psicólogo e atualmente faço o doutorado em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde desenvolvo um trabalho sobre o campo do treinamento cerebral no Brasil. E como forma a dar continuidade à minha pesquisa de doutorado, já aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMS-UERJ, preciso contar com a colaboração de cada um e de cada uma de vocês. Mas de que forma? Bom, eu preciso entrevistar um conjunto de pessoas, maiores de 18 anos, que fazem atividades de treinamento ou ginástica cerebral nas seguintes empresas ou plataformas virtuais brasileiras do ramo: Supera, Super Cérebro, Ginástica do Cérebro, Supera Online, Neuroforma, Afinando o Cérebro e Mente Turbinada. Meu objetivo, nesta etapa da pesquisa, é compreender as experiências, os motivos e os sentidos do treinamento cerebral para as pessoas que recorrem a tais atividades. Assim, caso você seja cliente de alguma destas empresas ou conheça alguém que seja, por favor me envie uma mensagem para o email lisboa.felipe@posgraduacao.uerj.br (assim mesmo com c e não ç). No caso da indicação de pessoas eu próprio entrarei em contato com elas e as convidarei à participar da pesquisa - e cabe apontar que os dados obtidos por meio das entrevistas serão confidenciais e anônimos. Peço também que, se puderem, me ajudem a divulgar este convite dentre os seus conhecidos e familiares. Enfim, conto com a colaboração de todos(as) vocês...
terça-feira, 19 de abril de 2022
Carl Hart em busca da felicidade: uma resenha do livro "Drogas para adultos"
Alguns anos após narrar sua trajetória de vida e tecer excelentes (e críticas) reflexões sobre a política de guerra às drogas no livro "Um preço muito alto", de 2014, Carl Hart volta essa temática no controverso "Drogas para adultos", lançado em 2021 nos Estados Unidos e, ao final deste mesmo ano no Brasil, pela editora Zahar. Para quem não o conhece Carl Hart é um neurocientista norte-americano, professor dos departamentos de psicologia e psiquiatria na conceituada Universidade Columbia, em Nova Iorque, e autor de uma já considerável obra sobre o tema do uso de drogas, que inclui os dois livros mencionados. Mas para além de suas credenciais acadêmicas é preciso ressaltar a honestidade e a coragem do neurocientista em expor sua história e visão sobre este tema espinhoso, algo que fica bastante claro em seu novo livro. Em "Drogas para adultos" o neurocientista retoma algumas das questões já tratadas em "Um preço muito alto", mas vai além, especialmente ao expor e discutir com franqueza seu próprio uso recreativo de drogas assim como o uso por "adultos responsáveis" de uma forma geral. O livro, aliás, tem início com uma sentença bombástica: "Sou um usuário não apologista de drogas. Usar drogas faz parte da minha busca pela felicidade, e elas funcionam. Sou uma pessoa mais feliz e melhor por causa delas". Na visão de Hart o uso de drogas (de todas as drogas) é um direito individual inalienável que os governos deveriam proteger - e não combater. E isto porque as drogas, para o autor, compõem o rol de atividades que os seres humanos recorrem (e tem o direito de recorrer) para se sentirem bem e buscarem a felicidade. Além disso, segundo ele, as drogas não causariam tantos prejuízos quanto como comumente se advoga: para a grande maioria dos casos o uso de drogas causaria pouco ou nenhum dano, sendo o uso responsável até mesmo benéfico para a saúde e o funcionamento humanos. O autor defende, nesse sentido, a importância dos usuários recreativos saírem do armário e admitirem publicamente o uso, de forma que gradualmente vá se quebrando a visão comumente disseminada do usuário de drogas como alguém desleixado e irresponsável. E Hart dá o exemplo e admite ser, ele próprio, usuário recreativo de inúmeras drogas, em especial de heroína, sua droga favorita. Por este breve resumo dá pra se ter uma ideia do caráter controverso deste livro, que se coloca na contramão de grande parte do discurso "comum" sobre drogas.
De minha parte, considero a obra importante e mesmo necessária, especialmente por descortinar os equívocos e hipocrisias envolvidos nas discussões e políticas sobre drogas. No entanto, embora eu não seja um especialista no assunto, entendo que o autor não dá a devida atenção a alguns tópicos - por exemplo, à questão da dependência. Embora os dados indicados por Hart apontem que a maioria dos usuários de drogas não se torna dependente, um percentual significativo destes (entre 10 e 30%) se tornará. Neste sentido, a diferenciação implícita estabelecida por ele entre usuários responsáveis e usuários "irresponsáveis" (que seriam os dependentes), se torna estranha para mim. Como diferenciar um do outro e, especialmente, como evitar que o usuário responsável se torne dependente? Não me parece que Hart tenha conseguido responder ou lidar com tais questões à contento. Mas é claro que concordo fortemente com ele que a saída para lidar seja com o uso recreativo seja com a dependência não é, definitivamente, a criminalização - que além de não diminuir o uso, o abuso e a dependência de drogas ainda contribui para a expansão da violência e da população carcerária, majoritariamente pobre e negra. Da mesma forma concordo 100% com a defesa da legalização de todas as drogas, na medida em que tal política provavelmente resolveria o gravíssimo problema do uso de drogas de má qualidade (isto é, drogas misturadas com outras substâncias), que geram uma série de problemas de saúde e mortes. E eu concordo ainda que as drogas podem gerar tanto efeitos negativos quanto positivos, a depender, é claro, de uma série de fatores como a dosagem, a via de administração e o "set e setting", conceitos que dizem respeito às características individuais e ao ambiente físico e social onde o uso ocorre - fatores esses que são muito mais determinantes para os efeitos subsequentes do que as substâncias em si. As drogas, no meu entendimento, não devem ser vistas nem como anjos e nem como demônios, mas apenas como algo que as pessoas usam e continuarão usando para variados fins. Como Carl Hart não vejo muito sentido em lutar contra esse impulso humano demasiado humano - como a "guerra às drogas" tem feito tragicamente há muitas décadas. Uma abordagem realista e pragmática, como a defendida pelo autor, me parece muito mais sensata e necessária...
Trecho do livro: "Minha jornada me mudou profundamente. Redescobri a Declaração de Independência e os nobres ideais que ela expressa. Ela garante a cada um de nós "certos direitos inalienáveis", entre eles os da "vida, liberdade e busca da felicidade", contanto que não violemos os direitos dos outros. Dito de maneira simples, tenho o direito de usar substâncias em minha busca pela felicidade. Usar ou não uma droga é uma decisão minha, não do governo. Além disso, meu consumo responsável de drogas não deveria ser submetido a punições por parte das autoridades. Essas ideias estão no centro de nossas noções de autonomia e liberdade pessoal. A abordagem punitivista atual para lidar com usuários de drogas recreativas é totalmente antiamericana".
Como complemento a esta resenha recomendo a leitura deste breve ensaio do Carl Hart: Conceber a dependência química como uma doença cerebral promove injustiça social
segunda-feira, 18 de abril de 2022
Separada/mente: uma resenha da série "Ruptura"
E já que tem tanta gente falando da série Ruptura, falarei dela também, pois trata-se de uma das produções mais interessantes e criativas que vi nos últimos anos. Criada por Dan Erickson e com vários episódios dirigidos pelo Ben Stiller, Ruptura (originalmente intitulada Severance, que significa separação em português) imagina um bizarro cenário distopico no qual uma megaempresa chamada Lumon cria e implanta em alguns de seus funcionarios um dispositivo cerebral capaz de separar as memórias do período no trabalho das memórias do periodo fora do trabalho. Sabe aquela velha questão de como conciliar ou equilibrar trabalho e "vida pessoal"? Pois este dispositivo supostamente resolve este problema ao literalmente dividir o indivíduo em dois: o sujeito do trabalho (chamado na série de "interno") e o sujeito da "vida pessoal" (chamado de "externo"). Embora habitem o mesmo corpo tais sujeitos possuem consciências e memórias completamente separadas - daí a ideia de "ruptura". Quando o "externo" desce no elevador para se dirigir ao seu local de trabalho o dispositivo desliga as memórias de sua "vida pessoal" e ele passa a se lembrar apenas de experiências vivenciadas no escritório. E da mesma forma, quando o "interno" sobe no elevador ao final do experiente, as memórias de tudo o que viveu durante o dia simplesmente desaparecem e ele sai da empresa como se nunca tivesse estado lá - e, portanto, sem qualquer mal-estar relacionado ao trabalho. Trata-se, sem dúvida, de uma premissa interessantíssima que é desenvolvida e explorada de forma brilhante ao longo dos nove episódios desta primeira temporada. E ao contrário de grande parte das séries, que na minha visão não precisavam de mais do que uma temporada para desenvolver bem a narrativa sem precisar encher linguiça, Ruptura cria um universo tão repleto de possibilidades e mistérios que apenas uma temporada não teria como ser suficiente. Felizmente a segunda temporada já foi confirmada! A série está disponível oficialmente na plataforma AppleTV+ e também, é claro, em plataformas "alternativas" como a Superflix. Recomendo fortemente esta produção intrigante e assustadora que é muito Black Mirror!
segunda-feira, 4 de abril de 2022
Por que estamos tão cansados? Uma resenha do livro "Não aguento mais não aguentar mais"
Para muito além das afirmações genéricas do filósofo Byung-Chul Han na obra Sociedade do cansaço, a jornalista Anne Helen Peterson explica e analisa em detalhes, neste livro sensacional, os motivos pelos quais estamos tão cansados - especialmente, mas não exclusivamente, os chamados Millenials ou geração Y, que nasceram entre 1981 e 1995 (meu caso) e que a autora toma como foco de sua análise. Na visão de Peterson, os motivos para tal cansaço são múltiplos e incluem desde a demolição do Estado de Bem-estar social e a precarização/terceirização/uberização do trabalho até a onipresença das mídias digitais. Em cada um dos capítulos a autora analisa um amplo processo social iniciado ou intensificado pelas gerações dos nossos pais que construiu as bases do mundo que herdamos e que temos contribuído para piorar. E embora ela enfoque a situação dos Estados Unidos, grande parte de sua análise acaba sendo válida também para a realidade brasileira. A grande sacada da autora, e que a diferencia dos infinitos livros de autoajuda lançados todos os dias, é que tanto as explicações que ela apresenta quanto as possíveis soluções não são individuais, mas coletivas. Não se trata, portanto, de pensar como eu, individualmente, posso lidar com o cansaço que me acomete dia após dia, mas como podemos lidar com isso coletivamente, de forma que os trabalhadores em geral não sejam tão explorados e não se sintam, por conta disso, tão cansados. Como Peterson afirma na conclusão do livro, "podemos reconhecer que não é suficiente tentar melhorar as coisas para nós mesmos. Temos que melhorar as coisas para todos. E é por isso que mudanças significativas e verdadeiras precisam vir do setor público" Interessante perceber, nessa direção, que a autora se utiliza da expressão burnout não como um diagnóstico médico - que como todo diagnóstico se foca no indivíduo - mas como um elemento da cultura. É a forma como estruturamos nossa sociedade, em seus variados aspectos, que gera todo esse cansaço, sentido de forma mais ou menos intensa por cada um de nós. Enfim, recomendo fortemente este livro maravilhoso e necessário!
Trecho do livro: "Não temos que valorizar a nós mesmos e os outros pela quantidade de trabalho que fazemos. Não temos que nos ressentir dos nossos pais ou avós por terem vidas mais fáceis que as nossas. Não temos que nos submeter à ideia de que o racismo e o machismo estarão presentes sempre. Podemos chegar à espetacular e radical conclusão de que temos valor, cada um de nós, simplesmente por existirmos. Podemos nos sentir muito menos solitários, muito menos exaustos, muito mais vivos. Mas é necessário bastante esforço pra compreender que a forma de alcançar isso tudo não é, na verdade, trabalhando mais".
segunda-feira, 28 de março de 2022
Quando a realidade supera a ficção: sobre "O caso do policial canibal" e "Finders keepers"
Eu já indiquei lá no meu perfil no Instagram mas queria deixar registrado também aqui no blog a sugestão de dois documentários norte-americanos bizarríssimos, que provam que a realidade frequentemente supera a mais louca ficção: 1) "O caso do policial canibal" (2015): disponível na HBO Max, este documentário conta a história de um policial que foi preso por compartilhar anonimamente em um site algumas fantasias sobre canibalismo. Você leu corretamente: o sujeito foi preso por fantasiar coisas bizarras na internet. Ele nunca comeu ninguém (neste sentido mais literal, claro), ele apenas imaginou e compartilhou com algumas pessoas suas fantasias canibais - e foi preso e condenado por isso. Agora imagina só se as pessoas começassem a ser presas por conta de suas fantasias e intenções e não somente por suas ações? Muito provavelmente não existiriam vagas suficientes nas prisões para tantos criminosos. 2) "Finders keepers" (2015): disponível na Prime Vídeo, este documentário - cujo título poderia ser traduzido como "Achado não é roubado" - conta a história de um sujeito que comprou uma churrasqueira usada e encontrou dentro dela um pé humano mumificado. Daí o "dono" do pé - isto é, o homem que perdeu o pé em um acidente e que decidiu mumificá-lo (e que depois perdeu seu pé pela segunda vez esquecendo-o no interior da churrasqueira vendida) - entrou em contato com esse sujeito demandando seu pé de volta. Mas o sujeito não quis devolver e o caso virou uma batalha judicial pela posse de um pé decepado. Uma história bizarra com personagens mais bizarros ainda.
Saiba mais sobre "o caso do policial canibal" nesta excelente reportagem da BBC.
quinta-feira, 17 de março de 2022
Palestra: "Uma (breve) história do cérebro plástico"
Ontem à noite eu tive a honra de participar da XI Semana Nacional do Cérebro da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), evento organizado pela equipe do Laboratório de Psicofisiologia da instituição. Nesta palestra, intitulada "Uma (breve) história do cérebro plástico", eu discorri sobre um dos tópicos que venho desenvolvendo no doutorado, que é uma tentativa de (re)construir a história da ideia e do conceito de neuroplasticidade, fundamental para o campo neurocientífico contemporâneo. Caso este assunto te interesse, assista à palestra na íntegra no video abaixo, disponível no canal do Núcleo de Transmissão da UFOP (Nutrans). E aproveito a ocasião para agradecer ao querido Aisllan Diego de Assis, docente do Departamento de Medicina de Família, Saúde Mental e Coletiva da UFOP (e antigo colega de mestrado lá no Instituto de Medicina Social da UERJ), pelo convite. Foi uma honra falar sobre este tema que considero tão interessante - e que está tão fresco em minha mente - para um evento tão importante como esse!
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022
Uma resenha do livro "A fábrica de cretinos digitais"
Confesso que tive um enorme preconceito inicial com o livro "A fábrica dos cretinos digitais", e até comentei isso nas redes sociais, mas como o tema me interessa academicamente, eu decidi lê-lo mesmo com toda essa desconfiança. E eu me surpreendi muito positivamente - aliás, recomendo-o com entusiasmo, especialmente para pais de crianças e adolescentes. E o motivo é que para além do título e do subtítulo um tanto sensacionalistas e catastrofistas, este ótimo livro, escrito pelo neurocientista francês Michel Desmurget e lançado no Brasil em 2021, traz uma série impressionante de dados e de boas reflexões sobre o impacto negativo dos dispositivos digitais no desempenho escolar, no desenvolvimento cognitivo e na saúde física e mental das pessoas, especialmente das crianças e adolescentes. Mas o autor vai além e reflete de forma igualmente bem embasada sobre o fracasso das políticas de digitalização do sistema escolar em todo o mundo, que não apenas não foram efetivas como foram, em grande medida, prejudiciais. O livro foi originalmente publicado em 2019 - antes, portanto, da pandemia - mas todo este longo período de isolamento só comprovou muitas das teses do autor. Por sinal, uma das principais queixas que tenho recebido nos últimos anos, enquanto um psicólogo de uma universidade, diz respeito à dificuldade manifestada pelos estudantes de prestar atenção nas aulas online e de se concentrar no estudo individual mediado pelo computador ou pelo celular - e inúmeras pesquisas tem demonstrado tais dificuldades, relacionadas à terrível capacidade das telas de estimular a dispersão. A pandemia deixou igualmente clara a diferença qualitativa fundamental entre as aulas presenciais e virtuais assim como a falta que fazem os encontros presenciais, olho no olho. Este livro de Desmurget trata, no fim, da necessidade e da importância das interações "reais" entre as pessoas (isto é, das interações não mediadas ou interrompidas por telas), especialmente nas etapas iniciais do desenvolvimento humano, mas também na vida adulta. Como afirma o autor, "o cérebro humano se revela, pouco importa a idade, bem menos sensível a uma representação em vídeo do que a uma presença humana efetiva. É por essa razão, especialmente, que a potência pedagógica de um ser de carne e osso ultrapassa de modo tão irrevogável a da máquina". Enfim, ao contrário do que eu imaginava inicialmente, não se trata de uma obra tecnofóbica que pretende demonizar as novas e onipresentes tecnologias de comunicação, mas sim de uma embasada e detalhada análise dos inegáveis impactos negativos de tais tecnologias na vida e na saúde de cada um de nós e da população em geral.
Trecho do livro: "Todos esses dados sugerem expressivamente que um excesso de estímulos sensoriais durante a infância e adolescência age negativamente sobre o desenvolvimento cerebral. Excesso de imagens, sons e solicitações diversas parecem criar condições favoráveis ao surgimento de déficits de concentração, transtornos de aprendizagem, sintomas de hiperatividade e vícios. É sem dúvida tentador comparar esses achados com observações epidemiológicas que mostram um aumento nos diagnósticos de TDAH (e de prescrição de medicamentos associados) ao longo das duas últimas décadas. É também tentador lembrar que o consumo de telas recreativas está, além de seus efeitos anteriormente documentados sobre a concentração, associado de modo significativo ao risco de TDAH na criança e no adolescente".
domingo, 30 de janeiro de 2022
Controvérsias psiquiátricas: uma breve análise da minissérie "As 24 personalidades de Billy Milligan"
Lançada em 2021 pela Netflix, a minissérie documental "As 24 personalidades de Billy Milligan" (originalmente intitulada Monsters inside: the 24 faces of Billy Milligan) narra, em quatro episódios, a bizarra história de vida de um sujeito que, supostamente, tinha 24 personalidades diferentes. Preso na década de 1970 por uma série de estupros em um campus universitário, Milligan foi avaliado por psicólogos e psiquiatras, sendo diagnosticado com o Transtorno de Personalidade Múltipla - atualmente denominado Transtorno Dissociativo da Identidade - e, por conta disso, foi absolvido de seus crimes. O documentário discute com profundidade as controvérsias relacionadas a este diagnóstico, entrevistando tanto seus defensores quanto seus críticos - caso do famoso psiquiatra Allen Frances, autor do fenomenal livro "Voltando ao normal", para quem Milligan foi um farsante que surfou nesta onda diagnóstica "epidêmica" nos Estados Unidos dos anos 70 e 80, assim como inúmeros terapeutas e psiquiatras. O caso de Milligan ajudou a consolidar e popularizar este diagnóstico, que acabou servindo de inspiração para uma série de filmes hollywoodianos como Clube da Luta, Janela secreta e Fragmentado - o que só alimentou e ampliou o imaginário em torno das tais "personalidades múltiplas", muito mais comuns no cinema do que na realidade. Se você tiver interesse em se aprofundar nesta controvérsia recomendo fortemente esta ótima minissérie.
Como complemento a esta pequena análise, compartilho abaixo a íntegra da seção sobre o Transtorno de Múltiplas Personalidades do capítulo 4 (Modismos do passado) do livro "Voltando ao normal: como o excesso de diagnósticos e a medicalização da vida estão acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retomarmos o controle" (originalmente intitulado Saving normal), escrito pelo psiquiatra norte-americano Allen Frances e publicado no Brasil em 2017 pela Versal Editores:
O transtorno de múltiplas personalidades (TMP) tornou-se comum na Europa na virada do século XX. Charcot mais uma vez foi quem liderou o bando. Havia ajudado a fazer da hipnose um tratamento médico popular (quando não servia também como número de mágica barata). O transe hipnótico trouxe à luz sentimentos, fantasias, lembranças e ânsias inaceitáveis antes mantidas fora da consciência. Uma colaboração entre pacientes e médicos sugestionáveis formulou a ideia de que o indivíduo estava acobertando uma personalidade oculta (ou talvez duas, três ou mais). Mediante um processo de “dissociação”, as múltiplas personalidades haviam estabelecido sua própria existência independente e podiam até, algumas vezes, se impor temporariamente e fazer coisas que estavam fora do controle, ou mesmo da consciência, da personalidade dominante. Essa era uma forma de converter uma metáfora de angústia e desconforto consigo mesmo em uma doença aparentemente coerente, que também reduziria qualquer responsabilidade pessoal pelos sentimentos rejeitados.
Paradoxalmente, a maneira de tratar a dissociação que supostamente causava a multiplicação da personalidade era estimular ainda mais dissociação por meio da hipnose. O objetivo era induzir as “alter” personalidades a adentrar a luz do dia para que pudessem ser fundidas em um todo coeso. Não é de se surpreender que o efeito geral do tratamento hipnótico tenha sido promover, em vez de curar, a suposta doença — as personalidades submergidas continuavam a se dividir e multiplicar. Felizmente, terapeutas e pacientes acabaram entendendo que a hipnose estava causando mais prejuízo do que benefício, e ela se tornou menos popular. O transtorno de múltiplas personalidades desapareceu quando os hipnotizadores deram lugar aos psicanalistas, que concentraram a atenção do paciente em fragmentos de lembranças e impulsos reprimidos, e não em integrar as personalidades latentes.
Em meados da década de 1950, ocorreu um breve renascimento da múltipla personalidade, sugerido pela popularidade do livro e do filme As três faces de Eva. Não durou muito porque a maioria dos terapeutas estava analiticamente treinada e desinteressada no transtorno. Não havia um quadro de terapeutas a postos capaz de criar um conjunto de pacientes de TMP. Uma onda mais duradoura veio após Sybil nos anos 1970. O volume de casos de TMP começou a aumentar drasticamente; o modismo se alimentava de si mesma, chegou ao auge no início da década de 1990 e, então, desapareceu de forma tão repentinamente quanto surgira. O reaparecimento do TMP foi motivado pela renovação do interesse terapêutico na hipnose e em outros tratamentos regressivos e sugestivos destinados a fazer emergir as “alter” personalidades. Uma indústria de terapeutas nasceu em oficinas de fim de semana, onde aprendiam a melhor forma de desvelar novas personalidades. Esse exército mal treinado de entusiasmados e recém-marcados "especialistas" no transtorno criou novas personalidades em um ritmo alarmante, e o TMP se tornou o “diagnóstico du jour” padrão para todo paciente atendido.
O TMP provavelmente não é mais que uma metáfora que assumiu vida própria. A maioria dos casos (se não todos) foi induzida pelos esforços desses terapeutas bem-intencionados, mas equivocados, que tinham tão pouca noção do que estava acontecendo quanto seus pacientes. Não é tão difícil para um terapeuta sugestionável tratar um paciente sugestionável de modo a transformar qualquer problema psiquiátrico comum em TMP. O indivíduo e o médico evocam e batizam a (ou as) “alter” personalidade(s) para dar coerência a impulsos e comportamentos fragmentários e inaceitáveis, em conflito com as expectativas de si próprio. Não custa muito presumir que eles tenham existência independente.
Durante algum tempo pareceu que, a cada três ou quatro pacientes, um alegava ter múltiplas personalidades. O modismo também foi alimentado pela capacidade da internet (então emergente) de dar informação e apoio instantâneos. À medida que crescia o número de casos de TMP, crescia também o número de personalidades por pessoa, e desenvolveu-se uma competição para determinar quem atingia a maior quantidade de “alter” personalidades. O recorde, em minha experiência, foi estabelecido por uma mulher que dizia haver desenterrado 162 personalidades distintas (a maioria femininas, mas também umas duas dúzias de masculinas), das mais variadas idades e temperamentos, e cada uma com um nome. Tudo ficava ainda mais estúpido quando alguns pacientes (e mesmo, acredite ou não, alguns terapeutas) começaram a afirmar que as múltiplas personalidades estavam, de alguma forma, relacionadas à possessão demoníaca e a rituais satânicos.
A demanda pelo tratamento de TMP caiu quando os seguros deixaram de pagar por ele e quando os terapeutas ficaram fatigados e desiludidos. Os entusiastas do transtorno perceberam que estavam abrindo uma caixa de Pandora ao induzir mais e mais personalidades. Os pacientes, em geral, pioravam de maneira progressiva, às vezes ficando muito mal, e era difícil lidar com eles no tratamento e na vida. Atendi ao menos uma centena de pessoas que alegavam acobertar múltiplas personalidades. Quase todas se apresentaram de uma vez durante o auge da epidemia, entre o fim dos anos 1980 e início da década seguinte. Em todos os casos, descobri que as personalidades emergentes haviam assumido vida própria após o paciente começar o tratamento com um psicoterapeuta interessado no tema, entrar em um grupo de bate-papo na internet, conhecer outra pessoa com o problema ou assistir um filme que o retratava. Pergunto-me se o TMP alguma vez ocorre como uma entidade clínica espontânea – se ocorre, não pode ser muito frequente.
O TMP apresentou um dilema para meu trabalho como presidente da força-tarefa do DSM-IV. Eu o considerava um embuste (ou, em termos mais delicados, um contágio coletivo temporário de sugestionabilidade entre médico e paciente) e com certeza não um transtorno mental legítimo. Pelo bem ou pelo mal, decidi não impor minha visão. Continuamos incluindo-o no manual e fizemos um escrupuloso esforço para apresentar ambos os lados da controvérsia da maneira mais justa e eficiente possível - muito embora eu acreditasse que um dos lados era uma completa balela. Caí em minha própria armadilha conservadora: não fazer mudanças baseadas apenas em minha opinião. Felizmente, o mundo deu uma trégua e por ora se afastou do TMP, mas eu esperaria novos surtos no futuro. A múltipla personalidade parece ter um apelo duradouro entre pacientes e terapeutas sugestionáveis; encontra-se latente, pronta para retornar. Estamos sempre a apenas um blockbuster cinematográfico de distância, e algumas oficinas de fim de semana, de um novo modismo. Procure o início de mais uma epidemia em 1 ou 2 décadas, quando uma nova geração de terapeutas tiver esquecido as lições do passado.
terça-feira, 18 de janeiro de 2022
"Dopesick" e os crimes da Big Pharma
Assisti na semana passada à minissérie Dopesick, premiada no último Globo de Ouro - Michael Keaton levou o prêmio de melhor ator em série limitada por ela. E gostei muito! Disponível oficialmente na Star+ (mas também, é claro, em plataformas "alternativas") esta minissérie de 8 episódios trata do escândalo do OxyContin, um potente analgésico à base de opiáceos cujos terríveis efeitos colaterais, que incluem dependência e morte por overdose, foram minimizados e escondidos pela empresa produtora, a gigante farmacêutica Purdue Pharma, através de uma série de estratégias - muito bem retratadas pela série. É possível dizer que esta droga praticamente sozinha foi a grande responsável pela chamada crise dos opiáceos nos Estados Unidos, que resultou na morte de mais de 500 mil pessoas desde seu lançamento, em 1995. A minissérie acompanha, ao estilo Spotlight, a investigação que culminou em um processo contra a empresa e ainda apresenta um mosaico de personagens que representam os diversos atores envolvidos nesta crise (médicos, usuários da droga, representantes farmacêuticos, empresários, procuradores, movimentos sociais organizados, etc). Baseada no livro Dopesick: Dealers, Doctors, and the Drug Company That Addicted America, escrito pela jornalista Beth Macy, a minissérie é uma boa introdução à esta problemática. Caso você queira saber mais sobre a crise dos opióides e o papel da Purdue Pharma recomendo ainda o documentário O crime do século, disponível na HBO Max.
Veja também 9 filmes críticos à indústria farmacêutica
quinta-feira, 11 de novembro de 2021
Uma resenha do livro "Violência e saúde na vida de pessoas LGBTI" (Editora Fiocruz, 2021)
Eu simplesmente amo a coleção Temas em Saúde da Editora Fiocruz e já li alguns ótimos títulos dela como "Saúde Mental e atenção psicossocial", "Medicalização em psiquiatria", "O que é saúde?", "O que é o SUS?", dentre outros. Pois acabou de ser lançado, por esta mesma coleção, mais um livro fundamental: "Violência e saúde na vida de pessoas LGBTI", escrito pelo psicólogo e doutor em Saúde Coletiva Mário Carvalho em parceria com o assistente social e doutor em serviço social Moisés Menezes. Nesta obra introdutória os autores apresentam uma panorama das discussões sobre a relação entre violência e saúde no caso específico da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo). No primeiro capítulo, excelente, são discutidos alguns conceitos básicos como "orientação sexual", "identidade de gênero", "transgeneridade", "cisgeneridade", "intersexualidade", "preconceito", "discriminação", "LGBTIfobia", dentre muitos outros. No segundo capítulo, os autores adentram nas discussões mais específicas do livro, analisando a relação entre violência e saúde na vida de pessoas LGBTI. Para tanto eles conceituam e discutem termos como "violência", "reconhecimento" e "estigma" apontando ainda para tipos específicos de violência (física, psicólogica, sexual, etc) e para os impactos de tais violências na saúde de pessoas LGBTI. No terceiro capítulo, os autores trazem alguns dados sobre a violência LGBTIfóbica no Brasil, enfatizando a quase inexistência de dados oficiais do Estado Brasileiro. Por fim, no quarto e último capítulo, eles reconstituem a história das políticas públicas voltadas para LGBTI no Brasil, desde a promulgação da constituição de 1988 até o desmonte neoliberal e conservador feito pelo governo Bolsonaro. Considero o livro altamente recomendável especimente, mas não exclusivamente, para profissionais de saúde - psicólogos e psicólogas incluídos - haja vista que todos atendem ou atenderão em algum momento pessoas LGBTI. Os autores apontam, nesse sentido, para a importância dos profissionais de saúde compreenderem a estreita relação entre violência e (ausência de) saúde e também para a necessidade de atuarem de forma acolhedora e respeitosa e não como fontes de mais violências. Que sejamos parte da solução e não do problema!
domingo, 7 de novembro de 2021
Um filme e dois livros sobre a história da psiquiatria
Nos últimos meses eu assisti e li três excelentes obras cujas narrativas se passam em momentos importantes da história da psiquiatria: 1) O baile das loucas (Amazon Prime, 2021): baseado em um romance homônimo da escritora francesa Victoria Mas (recém-lançado no Brasil pela editora Verus e que ainda não li) este filme belíssimo conta a história de Eugene, uma jovem que ouve e enxerga mortos e que, por conta disso, é internada por sua família na ala feminina do famoso hospital La Salpêtrière, onde é tratada pelo igualmente famoso médico-psiquiatra Jean-Martin Charcot. A história se passa no final do século XIX, mais especificamente em 1885, e retrata com realismo os terríveis e desumanos tratamentos psiquiátricos disponíveis naquele momento, além da forma absurda como as mulheres eram tratadas - não apenas no hospital, mas por toda a sociedade.
2) Dez dias num hospício (Ed, Fósforo, 2021): neste livro clássico de jornalismo investigativo, publicado originalmente em 1887, a escritora e jornalista norte-americana Elizabeth Cochran Seaman (mais conhecida pelo pseudônimo de Nellie Bly) relata o período de dez dias que passou no interior do assustador Hospício de Alienados de Blackwell's Island, em Nova Iorque. A partir de uma demanda do editor do jornal New York Word, Nellie Bly se fingiu de louca - enganando, assim, diversos psiquiatras novaiorquinos - e acabou por ser enviada ao referido hospício, onde presenciou, e relatou posteriormente, terríveis episódios de negligência e maus tratos promovidos por médicos e enfermeiras da instituição. Muitas décadas antes do famoso experimento de David Rosenhan, realizado nos anos 1970, Bly já havia demonstrado a fragilidade do processo de diagnóstico psiquiátrico e também a insensatez das instituições psiquiátricas, que não apenas recebiam - e supostamente tratavam - pessoas incômodas de todos os tipos, como produziam a própria loucura através de suas violentas técnicas de obediência e despersonalização. Um livro terrível e necessário - ainda hoje, infelizmente.
Trecho do livro: "Louca? Sim, louca; e à medida que observava a loucura dominar pouco a pouco aquela mente que parecia normal, eu amaldiçoava em silêncio os médicos, as enfermeiras, e todas as instituições públicas. Alguns dirão que ela já era louca antes de ser internada. Se de fato era, será que aquele era o local para o qual uma mulher convalescente deveria ser mandada, para tomar banho gelado, ser impedida de se agasalhar e receber comida horrível?"
3) Uma tristeza infinita (Companhia das Letras, 2021): neste romance sensacional do escritor e tradutor gaúcho Antônio Xerxenesky acompanhamos o jovem psiquiatra francês Nicolas no período em que atuou em um hospital psiquiátrico situado em uma pequena e isolada cidade na Suiça, onde ele passa a morar com a esposa Anna, uma jornalista científica muito interessada no campo da física. A história, que se passa no início da década de 1950 (no período pós-guerra, portanto), retrata as angústias e melancolias do protagonista, ferrenho defensor da psicanálise como forma de tratamento dos transtornos mentais, ao se deparar com os limites e impossibilidades de sua atuação - e de sua abordagem. Nicolas deseja sincera e verdadeiramente ajudar seus pacientes, muitos deles profundamente afetados e traumatizados pela guerra, mas a grande maioria não parece se beneficiar muito do tratamento pela fala - e muito menos se curar, como Nicolas almeja. Acontece que justamente neste momento alguns psiquiatras europeus começaram a se utilizar da substância RP-4560, posteriormente batizada de clorpromazina, para tratar os transtornos psicóticos - dando início, assim, à era da psicofarmacologia da psiquiatria. Com isso, Nicolas se vê tentado a utilizar tal substância em seus pacientes, embora não acredite que "um medicamento sintético possa curar as aflições da mente", como bem afirma o narrador. A temática central do romance diz respeito, portanto, à questão da natureza do sofrimento mental e das formas criadas pela humanidade, de aliviá-lo e, quem sabe, curá-lo. Se você se interessa por essa temática indico fortemente esse livro, assim como o filme e o livro indicados anteriormente.
Trecho do livro: "De repente, todos aqueles físicos reunidos em Genebra, tão preocupados com quarks e neutrinos, começaram a falar de cérebros, neurônios e hormônios. Pelo jeito, uma fórmula misteriosa, conhecida por uma sigla de duas letras e quatro números, tinha transformado os loucos mais desvairados em pessoas sãs, os maníacos mais agressivos em cordeiros tranquilos, os incuráveis em pessoas curadas. Sim, a notícia percorria a comunidade científica com uma velocidade não tão menor que a da luz. E os ouvidos de Anna se aguçaram e ela perguntou o nome da fórmula misteriosa (...) RP-4560, uma substância usada para diminuir casos de choque durante uma cirurgia em grande escala, pensada para tranquilizar pacientes antes de um procedimento invasivo, talvez uma parente da adrenalina, talvez um anti-histamínico, ninguém sabia ao certo como chamar aquela poção mágica. Tudo o que sabiam é que sim, funcionava. Os mecanismos é que não eram compreendidos e, como qualquer ciência avançada demais, diziam, a substância era indistinguível da magia. Mas a loucura era tratada, como a pneumonia ao receber uma injeção de penicilina".
OBS: Após publicar este post descobri que existem dois filmes baseados no livro "Dez dias num hospício". O primeiro, lançado em 2019 recebeu no Brasil o título "Fuga do hospício: a história de Nellie Bly" e conta com a talentosa atriz Christina Ricci no papel principal. Já o segundo, lançado em 2015, se chama "10 days in a madhouse: the Nellie Bly story". Pelo que pude pesquisar, estes filmes não estão disponíveis em nenhum serviço de streaming brasileiro. O jeito, pra assisti-los, será recorrer a plataformas "alternativas".
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
#Repost: Não que fosse novidade, mas decifrar o cérebro não é fácil - Ronaldo Gogoni
Compartilho abaixo um artigo escrito pelo colunista Ronaldo Gogoni e publicado no Tecnoblog no dia 11 de outubro de 2021.
A ideia foi bem intencionada: no início dos anos 2010, os Estados Unidos e a União Europeia anunciaram projetos de fomento à pesquisa científica, com o intuito de mapear e decifrar de uma vez por todas o cérebro humano.
Uma década depois, embora ambas inciativas tenham rendido resultados associados, elas não demonstraram soluções disruptivas para entender como o órgão funciona, e nem chegaram perto de replicá-lo digitalmente.
A Iniciativa BRAIN (acrônimo recursivo para Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies, ou Pesquisa Cerebral através de Neurotecnologias Inovadoras Avançadas em português), criada pelo então presidente dos EUA Barack Obama em 2013, se originou dos trabalhos de dois especialistas, o neurobiólogo Rafael Yuste (Universidade de Columbia) e o geneticista George Church (Harvard).
A proposta, apresentada originalmente em 2011, era bem "simples": mapear toda a atividade cerebral, ao nível de neurônios individuais, de um total de 86 bilhões, e entender como elas se formam e funcionam. A pesquisa visava ganhos práticos em áreas como a medicina, ajudando a entender e melhor tratar doenças degenerativas, como o Mal de Alzheimer, desordens como autismo e epilepsia, e males como depressão, esquizofrenia e outros.
A longo prazo, a pesquisa poderia fornecer novos dados para entender o processo de pensamento e formação de consciência, onde ela começa e como se estabelece. O projeto, publicado em um artigo em 2012, chamou a atenção da comunidade e do governo, que viu nele a oportunidade de estabelecer os EUA como os responsáveis pelo equivalente do "Projeto Genoma" para o século 21.
A Iniciativa BRAIN foi oficializada em fevereiro de 2013, meses antes do europeu Human Brain Project, embora as raízes deste serem mais antigas e ambiciosas. Em 2009 Henry Markram, neurocientista da École Polytechnique de Lausanne, Suíça, apresentou no TED uma palestra onde afirmou que seria possível simular um cérebro humano em um computador, neurônio por neurônio, modelado tridimensionalmente e em escala, em apenas uma década.
Em janeiro de 2013, Markram recebeu um aporte de US$ 1,3 bilhão da UE para tocar seu projeto, que foi anunciado ao público em outubro daquele ano. Ambos projetos dispararam pesquisas relacionadas em diversos países, como Japão, Austrália, Canadá, Israel, Coreia do Sul e China, entre outros. Até o Brasil entrou na onda, através do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia - BRAINN.
Ambos projetos eram promissores no início, e sendo justo, apresentaram resultados em diversas frentes. O Human Brain Project, por exemplo, proveu meios para a criação de um atlas virtual, viabilizou pesquisas que mapearam 25 mil sinapses do hipocampo, região que rege a memória e uma das primeiras afetadas pelo Alzheimer, forneceu dados para o desenvolvimento de próteses robóticas com senso de tato, e mais.
Um desses projetos interessantes é o SpiNNaker, um supercomputador baseado em redes neurais e equipado com 30 mil chips, cada um sendo capaz de emular 16 mil neurônios e 8 milhões de sinapses, em tempo real. No total, o hardware é capaz de simular 480 milhões de neurônios.
Parece muita coisa, e é, o SpinNNaker supera em muito vários outros computadores voltados a simulação de sinapses, mas esse montante de neurônios representa apenas 0,56% do total presente no cérebro humano.
O problema é que mesmo rendendo pesquisas paralelas, a pesquisa principal não estava apresentando resultados concretos. Desde o início, a Iniciativa BRAIN e o Human Brain Project foram alvos de diversos críticos dentro da comunidade acadêmica, por conta dos custos altos e outros problemas, como conflitos entre os pesquisadores nos EUA, referentes a metodologia e condução do projeto.
Do lado europeu, o projeto foi capitaneado por Markram, que era o líder de um conselho de 3 diretores. Em 2015, os diretores alteraram a hierarquia para um grupo responsável composto por 22 profissionais, liderado inicialmente por Christoph Ebell, um empreendedor suíço com experiência em diplomacia envolvendo pesquisa científica. Seu trabalho, fazer o Human Brain Project dar resultados. Três anos depois, ele também saiu.
Com o tempo, ambas iniciativas reviram suas prioridades para metas mais realistas. Ainda em 2014, a Iniciativa BRAIN anunciou que focaria em tecnologias de sondagem ao invés de mapeamento, e em 2018, o Human Brain Project passou a fornecer infraestrutura para pesquisas voltadas a criar imagens computacionais do cérebro, e análise de dados relacionados.
Alguns dos empecilhos esbarram em problemas de conceito. A empreitada europeia é sequer considerada viável por boa parte da comunidade científica. Roger Penrose, em seu livro A Mente Nova do Rei, e Miguel Nicolelis e Ronald Cicurel, em O Cérebro Relativístico, defendem que o cérebro não pode ser simulado virtualmente, por não ser um problema computável.
O primeiro defende que como o órgão trabalha tanto no nível atômico (interações entre moléculas) quanto no quântico (partículas), nenhuma máquina por mais avançada, mesmo a de Turing, é capaz de reproduzir seu funcionamento. Na essência, um sistema quântico não pode ser previsto, e se o cérebro depende de todas as interações entre partículas para ser reproduzido (lembrando que a observação altera o comportamento), não há como resolver esse dilema, ao menos, não com o que temos à mão hoje.
Hoje, ambos projetos estão no fim de seus prazos. A Iniciativa BRAIN deve ser financiada até 2026, enquanto que espera-se que os trabalhos finais acerca do Human Brain Project sejam apresentados em 2023. Embora as expectativas para ambos tenha sido alta demais, não dá para dizer que eles foram fracassos, pois foram esforços que avançaram em muito o entendimento do cérebro, e viabilizaram novos tratamentos e sistemas.
Tudo bem que ainda estamos bem longe de criar o primeiro cérebro positrônico, mas há quem acredite que pensar nem seja isso tudo.
sexta-feira, 1 de outubro de 2021
Palestra: "Aproximações entre Neurociências e Educação: desafios, limites, e possibilidades"
No último dia 21 de setembro eu dei uma palestra, intitulada "Aproximações entre Neurociências e Educação: Desafios, limites, e possibilidades", para o o recém-criado Grupo de Pesquisas Neurociências, comportamento e cognição ligado à Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Esta palestra faz parte de um Ciclo de lives intitulado "Neurociências e Educação: aproximações críticas", que está sendo organzado pela Neuroliga Marabá assim como pelo PPGECM. A palestra foi coordenada pelo professor Caio Maximino e transmitida em seu canal no Youtube. Como cheguei a comentar no Instagram (me segue lá: @felipestephan), este é o único tema que eu me considero de fato um especialista - no sentido de já ter lido muita coisa a respeito ao longo da última década. Estudei essa questão mais profundamente para a minha dissertação - que resultou no meu primeiro livro, "O cérebro vai à escola: aproximações entre neurociências e educação no Brasil", mas eu continuei lendo e tentando me manter atualizado sobre o assunto desde o fim do mestrado, em 2014. No meu segundo livro, inclusive, constam dois ensaios sobre a questão da aproximação entre neurociências e educação. Hoje já acho que tenho uma boa bagagem sobre o tema, que eu gosto muito de debater. Caso tenha interesse, assista a palestra, na íntegra, abaixo.
quinta-feira, 8 de julho de 2021
2 excelentes documentários que retratam sérios problemas no mundo científico
1) Elas na ciência (Picture a scientist, 2021): importante documentário, recém-lançado pela Netflix, sobre as desigualdades e violências de gênero no campo científico - especialmente nas chamadas áreas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). O documentário traz inúmeros depoimentos de mulheres cientistas que relatam as dificuldades e abusos que tiveram (e ainda tem) de lidar no meio acadêmico norte-americano. Mas o filme aponta também para alguns avanços em função de inúmeras mobilizações realizadas nos últimos anos e décadas. Se você se interessa por essa temática não deixe de assistir e divulgar; 2) Três estranhos idênticos (Three identical strangers, 2018): documentário absolutamente sensacional sobre uma história inacreditável. Sem muitos spoillers é possível dizer que o documentário, também disponível na Netflix, retrata o encontro de três gêmeos idênticos separados ao nascimento e toda a complexa história por trás disso, que envolve um experimento científico terrivelmente antiético. Mas para além de discutir a necessária questão da ética em pesquisa com seres humanos o documentário ainda se embrenha no complexíssimo e eterno debate "nature versus nurture", isto é, sobre o peso das influências hereditárias e culturais na formação dos individuos. Imperdível!
sexta-feira, 11 de junho de 2021
Mais 2 filmes interessantes sobre perda de memória
Dando continuidade ao post anterior, gostaria de indicar mais dois filmes muito interessantes que assisti nos últimos meses e que também tratam do tema da perda de memória: 1) "Memórias de um amor" (Little fish): sensível romance, com pitadas de ficção científica, sobre os impactos de uma epidemia de perda de memória na vida de um casal. Excelente e pouco conhecido filme estadunidense, lançado em 2021 e disponível para aluguel no Google Play; 2) "Apples": filme grego muito interessante e estranho sobre um sujeito que perde a memória e é encaminhado para um bizarro programa de construção de uma nova identidade pessoal. Se você gostou de O lagosta (também estranho e também dirigido por um cineasta grego), certamente vai gostar deste filme, lançado em 2020 e disponível apenas em plataformas "alternativas". #ficaadica
domingo, 25 de abril de 2021
6 filmes inesquecíveis sobre perda de memória
Ainda impactado com o filme Meu pai, que assisti ontem à noite, trago hoje uma pequena lista de 6 filmes inesquecíveis sobre perda de memória. São eles: 1) Amnésia (2000, disponível no Prime Vídeo): clássico do Christopher Nolan sobre um sujeito amnésico envolvido na investigação do assassinato de sua esposa. O filme se tornou célebre especialmente devido à sua edição, que inverteu a cronologia da história, começando pelo fim e terminando pelo começo. Sensacional! 2) Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004, disponível no Telecine Play): outro clássico contemporâneo, dirigido pelo Michael Gondry, sobre um sujeito entristecido pelo fim de um relacionamento que decide recorrer aos serviços uma empresa especializada em apagar memórias. Uma obra-prima! 3) Embers/Apagados (2015, disponível para aluguel no Google Play): filme pouquíssimo conhecido - mas que eu considero genial - sobre um mundo pós-apocalíptico no qual uma infecção teria acabado com a capacidade de memorização dos seres humanos. Aterrorizante justamente por demonstrar o terrível impacto da falta de memória para a humanidade. Uma pérola! 4) Para sempre Alice (2014, disponível na HBOGo): impactante e sensível filme sobre uma renomada professora de linguística que, com 50 anos, começa a perder sua memória e é diagnosticada com a Doença de Alzheimer. Baseado em um livro homônimo, este filme mostra como poucos o impacto de tal doença na própria pessoa e na sua família. 5) Marjorie Prime (2017, disponível no Telecine Play): belo e filosófico filme de ficção científica, pouco conhecido, sobre uma filha e seu marido que decidem recorrer a uma tecnologia de inteligência artificial para recriar holograficamente o seu falecido pai, de forma que esta versão "prime" possa auxiliar sua mãe, uma senhora com Alzheimer, a relembrar seu passado. Um belo filme, repleto de lindos e profundos diálogos, sobre a fragilidade da memória. 6) Meu pai (2020, disponível para aluguel no Belas Artes à la carte): forte concorrente ao Oscar 2021, este filme retrata com muita sensibilidade o processo de deterioração mental de um homem, vivido de forma sublime pelo Anthony Hopkins. Um filme forte, triste e belo. Uma obra-prima!
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