quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Auto-ajuda

Traduzido e adaptado por mim mesmo.

Terapia - Parte 5


Escolhas


Medicalização da vida - Parte 7

Traduzido e adaptado por mim mesmo.

Fobias


Loucura


Terapia - Parte 4


Medicalização da vida - Parte 6

Traduzido e adaptado por mim mesmo.

Terapia - Parte 3

Traduzido e adaptado por mim mesmo.

"Doenças" modernas

Traduzido e adaptado por mim mesmo.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Psicologia 30 horas. Saúde já!


A luta pela jornada de 30 horas continua! Clique na imagem acima para enviar uma mensagem a todos os deputados apoiando a aprovação do PL 3338/2008. Participe! Saiba mais aqui.

Estamos cada vez mais loucos?


Capa estúpida da revista “Como funciona” de Novembro. O simbolismo da imagem (um sujeito perturbado e raivoso) mais atrapalha que ajuda na discussão do tema proposto, relacionando, mais uma vez (como no filme Psicose), transtornos mentais e comportamentos agressivos. Além disso, a manchete parece ignorar um paradoxo: estamos ficando cada vez mais loucos ou as categorias diagnósticas tem se ampliado de forma a considerar cada vez mais comportamentos anormais? Além disso, seremos simplesmente vítimas dos transtornos mentais, tal como somos vítimas de um assaltante ou de um vírus que invade nosso corpo?

Wild mind

Traduzido e adaptado por mim mesmo.

Manchetes imbecis - O Psicólogo e o Urso


Solidão - Parte 3

Psicanálise

Traduzido e adaptado por mim mesmo.

Solidão - Parte 2

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Resenha: "A arte e a ciência de memorizar tudo"


O título original deste interessante livro, publicado este ano nos Estados Unidos e recém-lançado no Brasil pela editora Nova Fronteira, é "Moonwalking with Einstein: The Art and Science of Remembering Everything". Os editores brasileiros optaram por transformar o subtítulo em título, ignorando o bizarro título original, que poderíamos traduzir por "Dançando Moonwalk com Einstein". O escritor é o jornalista Joshua Foer, colaborador de importantes jornais e revistas americanos, e este é seu primeiro e elogiadíssimo livro. O jornal The New York Times chegou a comparar Foer a ninguém menos que Oliver Sacks!  Pelo título em português, parece livro de auto-ajuda, mas não é. Trata-se de um ensaio autobiográfico muito bem-escrito, instrutivo e divertido. O autor mescla de forma perspicaz literatura, jornalismo e divulgação científica, o que tem gerado comparações - um pouco exageradas - com o jornalismo literário de Gay Talese. E fiquem atentos: o estúdio Columbia Pictures comprou os direitos de adaptação deste livro para o cinema. Em breve veremos, então, a história de Foer na telona.


Bem, sua história começa em 2005 com a cobertura realizada por ele do Campeonato de Memória dos Estados Unidos, competição que consiste na memorização de poemas, palavras, números, nomes e cartas. Impressionado com as habilidades dos "atletas mentais", Foer decide aprimorar sua memória e competir descompromissadamente no próximo campeonato. Aproxima-se, então, de alguns competidores e de seus "mestres" aprende suas técnicas, treina arduamente por um ano e, para sua surpresa, derrota todos os adversários, sagrando-se campeão americano de memória de 2006.


Se consistisse somente no relato desta jornada do tipo "Karate Kid cerebral", segundo feliz expressão da jornalista Milly Lacombe, talvez o livro não fosse nada de mais. De fato os americanos adoram competir e, na minha opinião, campeonatos como esse são ridículos. Mas o mais interessante do livro é que o relato de sua jornada é entrecortado por explicações sobre o funcionamento da memória, entrevistas com pessoas com memórias excepcionais (como o Rain Man) e com amnésias severas, discussões históricas sobre o tema, além de algumas técnicas para melhorar a memória.


Segundo Foer, sua memória era, na melhor das hipóteses, média. Frequentemente esquecia onde havia deixado a chave do carro, o aniversário da sua namorada, os números de telefone de seus amigos e parentes, dentre outras coisas. Imaginava que, em um campeonato de memória, competiriam somente sujeitos excepcionais, geniais, incomuns. Mas o que encontrou foram pessoas comuns que aprimoraram suas memórias a partir de muito treinamento. Como afirma Ed Cooker, mentor de Foer, "mesmo memórias médias são extraordinariamente poderosas quando usadas da maneira certa".


E foi com essa filosofia em mente que Foer iniciou uma rotina de intensos treinamentos, utilizando-se de diversas técnicas, descritas no livro. Uma das principais, denomina-se "palácio da memória" (ou "técnica dos lugares"), supostamente criada pelo grego Simônides no século VI antes de Cristo. Esta técnica consiste na conversão de coisas difíceis de guardar (por exemplo, uma lista de compras ou uma série de números), em imagens mentais inusitadas "espalhadas" por um local que lhe seja familiar (sua casa, por exemplo). A idéia geral desta e de outras técnicas é, segundo Ed Cooke, "transformar qualquer coisa aborrecida instalada em nossas memórias em algo vívido, excitante e diferente de tudo que já foi visto [como a imagem de Einstein dançando Moonwalk], de modo que você não conseguirá esquecer". São vários os princípios subjacentes a estas técnicas, mas destaco dois: 1) Não lembramos fatos isolados, mas coisas dentro de contextos (daí a proposta de conectar um item desconhecido a um local conhecido) e 2) Lembramos melhor de imagens do que de outros tipos de informação, como palavras e números. Eu testei a técnica do palácio da memória com uma lista de compras e funcionou comigo. Até hoje, passados mais de dois meses, não a esqueci. É só eu fechar os olhos, passear pelo meu apartamento, que os itens da lista começam a aparecer.


Uma discussão interessante trazida por Foer, no capítulo "O fim do lembrar", refere-se à história da memorização. Aponta ele que a arte da memória já foi muito importante historicamente. Antes da invenção da imprensa, por exemplo, as poucas pessoas que tinham acesso a livros - que eram manuscritos, como mostra o filme O nome da rosa - muitas vezes não tinham como consultá-los mais de uma vez. Era necessário memorizar seu conteúdo. A transmissão oral de conhecimentos era, pela inexistência de outros meios, muito forte. Atualmente possuímos diversos mecanismos externos de armazenamento de informações (cadernos, livros, celulares, computadores e a própria internet), o que tem tornado, cada vez mais, os mecanismos internos de memorização irrelevantes. Não precisamos mais memorizar o telefone de ninguém, temos o celular para isso; nem saber a data de aniversário dos nossos amigos, pois o Facebook sabe; nem guardar qualquer informação específica aprendida em sala de aula, afinal é só pesquisar no Google que eu encontro esta informação em questão de segundos. Afirma Foer que "o campeonato de memória nos parece tão inacreditável porque estamos acostu­mados a não lembrar. Dependemos tanto da tecnologia que não confiamos em nossa memória".


No final do livro, Foer relata um episódio irônico: após ganhar o prêmio, saiu para jantar com uns amigos e voltou de metrô para casa. Chegando lá, lembrou-se de que tinha ido jantar de carro. Ou seja, o cara ganhou o campeonato nacional de memória, mas esqueceu-se de uma informação simples. Sua memória então continuava a mesma memória média de antes? Afirma ele: "apesar de todas as proezas que eu agora podia realizar, ainda me atolava na mesma velha memória duvidosa que trocava carros e chaves de carros. Embora eu tivesse expandido de forma considerável a capacidade de memorização de informações estruturadas que podem ser alojadas em palácios da memória, a maioria das coisas que eu gostaria de lembrar na vida cotidiana não eram fatos, números, poemas, cartas de baralho ou dígitos binários". Mas de que valeu então todo o esforço? Em uma entrevista à revista Época ele afirma ter se dado conta do imenso valor da atenção: "Cada vez mais temos nossa atenção dispersada de diferentes maneiras e não paramos para pensar nos custos disso. Acredito que um deles seja lembrar menos. A arte da memória é a arte de prestar atenção. Se dividimos nossa atenção, somos menos capazes de lembrar".

Você é Normal?


Há cerca de duas semanas, a reportagem de capa da revista Veja foi sobre a questão da (a)normalidade. Tema pertinente numa revista impertinente. Li a reportagem somente este semana na internet, pois me recuso a comprar esta revista. A reportagem - intitulada "Você é normal?" - tem uma série de erros (históricos e conceituais), mas, de uma forma geral, é interessante. A idéia central foi questionar o conceito de normalidade a partir da disseminação das tecnologias de neuroimagem. O jornalista André Petry conversou com importantes pesquisadores, como o psiquiatra Peter Kramer (autor do polêmico livro "Ouvindo o Prozac"), segundo o qual caminhamos para uma "anormalidade universal", além da médica Márcia Angell, autora do sensacional livro "A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos". Segundo Angell, com a multiplicação das categorias diagnósticas, "parece que vai ficar ainda mais difícil ser normal". Uma falha grave da reportagem, na minha opinião, foi nem sequer mencionar o papel das indústrias farmacêuticas no processo de medicalização. Nem ao menos o título do principal livro da Márcia Angell foi citado. Muito estranho isto, pois vários livros foram mencionados! O repórter parece colocar toda a responsabilidade nos psiquiatras e nos pesquisadores. Trata-se de uma omissão esperada numa revista comercial, que não pode se indispor com eventuais (ou atuais?) parceiros. 

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

TDAH existe?


No último dia 28 de Novembro, o neurologista Eduardo Mutarelli participou do Programa Mais Você, da TV Globo, com o objetivo de debater o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Em determinado ponto do programa, Mutarelli deu as seguintes declarações (link): 

 “Todo mundo tem algum destes sintomas e a confusão é que estes sintomas são frequentes, mas eles têm que estar presentes de maneira a prejudicar. Tem autores que acham que esta doença nem existe, mas vamos admitir que existisse. Os autores alertam que têm diagnósticos demais e que as pessoas estão tomando remédios além da conta”, alertou. Em relação aos exames, o médico opinou: "É complexo a ponto de você ter que analisar o ambiente em que a criança está, em que contexto ela está. Quem tem déficit de atenção verdadeiro começa logo cedo, antes dos sete anos. Eles querem mudar agora para antes dos 12 anos”. Mutarelli disse ainda que “Os sintomas de que a gente deveria prestar atenção são os que estejam interferindo pesadamente, não particularmente, não é que a criança não vá bem em determinada matéria, mas sim em todo o contexto. As aulas hoje são desinteressantes e fora do contexto”, analisou. “Eu acho que o dia a dia de hoje é tanta correria, que é mais fácil você fazer o diagnóstico do déficit de atenção, porque você culpa um fator externo e não se envolve mais”, avaliou o especialista, enfatizando que raramente o remédio ajudará o paciente. “Com tanta falta de tempo, pais trabalhando, a criança até poderia se recuperar se fizesse o dever de casa com alguém. É mais fácil você prescrever um medicamento, chapar a criança”, finalizou.

A declaração de Mutarelli, especialmente o trecho "tem autores que acham que esta doença nem existe" gerou uma reação da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que elaborou uma resposta pública às declarações do neurologista. O conteúdo deste documento (link) pode ser resumido na idéia de que o TDAH tem uma existência física, a-temporal e universal. Os cinco principais argumentos a favor desta tese apresentados no documento são: 1) O que hoje chamamos de TDAH é descrito por médicos desde o século XVIII; 2) Os sintomas que compõem o TDAH são observados em diferentes culturas; 3) O TDAH é reconhecido pela OMS como transtorno mental e está listado na Classificação Internacional de Doenças (CID); 4) Mais de duzentos artigos científicos já foram publicados demonstrando alterações no funcionamento cerebral de portadores de TDAH; 5) Apesar das contraindicações, os medicamentos são extremamente benéficos para aqueles que realmente precisam. Apresentados os argumentos básicos, a SBP conclui:

"Diante do exposto, façamos uma reflexão. Se fosse uma doença 'inventada' ou 'mera consequência da vida moderna', seria possível o TDAH atravessar mais de um século com a descrição dos mesmos sintomas? Se o TDAH fosse apenas 'um jeito diferente de ser' e não um transtorno mental, por que os portadores, segundo pesquisas científicas, têm maior taxa de abandono escolar, reprovação, desemprego, divórcio e acidentes automobilísticos? Por que eles têm maior incidência de depressão, ansiedade e dependência de drogas? Se fosse tão somente um comportamento secundário ao modo como as crianças são educadas, ou ao seu meio sociocultural, como é possível que a descrição seja praticamente a mesma em regiões tão diferentes? O fato inquestionável é que o TDAH é um dos transtornos mais bem estudados da medicina e com mais evidências científicas que a maioria dos demais transtornos mentais."

Analisemos brevemente os argumentos apresentados pela SBP. Com relação ao primeiro, sabe-se que a homossexualidade e a masturbação foram, por muito tempo, consideradas patológicas pela medicina. O fato de certos comportamentos estarem descritos como patológicos desde o século XVII não confere "verdade" ao TDAH. Na minha opinião, todos os chamados "transtornos mentais" são invenções, possíveis somente em determinados contextos históricos e sociais. Isto não significa dizer que não existam pessoas agitadas e hiperativas, mas que considerar estes comportamentos como patologias passíveis de tratamento medicamentoso, depende mais do contexto que de qualquer comportamento da pessoa. Penso não haver nada nos comportamentos em si que determinem a diferença entre o normal e o patológico. Qualquer diagnóstico depende essencialmente de um julgamento e este "juiz" está inserido em uma sociedade que estabelece os critérios para seu julgamento, condicionando seu olhar. 

Sobre o segundo argumento, questiono: será mesmo que os sintomas do TDAH estão presentes em diversas culturas ou certos comportamentos de outras culturas são interpretados sob esta ótica? Já o terceiro argumento, na minha opinião, é o mais estúpido, afinal até a homossexualidade já figurou no CID e no DSM, além do fato de o número e a variedade dos transtornos mudar imensamente de uma edição para outra. Ou seja, estar incluido no CID ou ser reconhecido pela OMS não significa nada. Esse é, simplesmente, um argumento de autoridade: "Se a OMS disse, então deve ser verdade".


Com relação ao quarto argumento, cabe considerar que ao nos alimentarmos também produzimos alterações cerebrais. Ao ficarmos tristes também, da mesma forma que ao caminharmos pela rua. Agora, o fato de haver correlação entre certos comportamentos e certas alterações cerebrais não diz nada sobre se o comportamento é patológico ou não. As imagens do cérebro não falam por si, precisam ser interpretadas. Outro erro também muito comum  tem sido confundir correlação com etiologia ou causalidade: de fato nossa tristeza é acompanhada por uma série de alterações cerebrais, dentre elas uma diminuição no nível de certos neurotransmissores. Mas isto não significa dizer que é a baixa da serotonina que causa a depressão. Significa apenas que uma coisa acompanha a outra. Pode ser até que ocorra o contrário, que a depressão ou a tristeza cause a baixa de serotonina. Há autores que argumentam que o cérebro mais reage ao que fazemos ou pensamos do que efetivamente age. Ou seja, estamos no controle, não ele. 

Finalmente, sobre o quinto argumento, acredito que medicamentos podem ser, realmente, úteis para algumas pessoas, mas será que não está havendo um exagero na prescrição hoje em dia? A ABP nem toca na questão da medicalização, o que me leva a pensar que quem cala consente. Neste sentido, não posso discordar do Manifesto de Lançamento do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (leia aqui), quando afirma que

"Uma vez classificadas como 'doentes', as pessoas tornam-se 'pacientes' e consequentemente 'consumidoras' de tratamentos, terapias e medicamentos, que transformam o seu próprio corpo no alvo dos problemas que, na lógica medicalizante, deverão ser sanados individualmente.  Muitas vezes, famílias, profissionais, autoridades, governantes e formuladores de políticas eximem-se de sua responsabilidade quanto às questões sociais: as pessoas é que têm 'problemas', são 'disfuncionais', 'não se adaptam', são 'doentes' e são, até mesmo, judicializadas (...) A medicalização tem assim cumprido o papel de controlar e submeter pessoas, abafando questionamentos e desconfortos; cumpre, inclusive, o papel ainda mais perverso de ocultar violências físicas e psicológicas, transformando essas pessoas em 'portadores de distúrbios de comportamento e de aprendizagem'".


terça-feira, 29 de novembro de 2011

Comunidades terapêuticas: novos manicômios?

A mais recente batalha da "psicóloga cristã" M. L., sobre quem escrevi em post recente, contra o Conselho Federal de Psicologia (CFP), se deve à posição contrária deste com relação à destinação de recursos federais para a manutenção das comunidades terapêuticas no tratamento de dependentes químicos. No manifesto "Por uma política de álcool e outras drogas não segregativa e pública" (ler aqui), o CFP afirma o seguinte:

"Preocupa-nos, de modo particular, a defesa da internação compulsória e das comunidades terapêuticas, dois modos de resolver a questão recorrendo à exclusão e a segregação. Tais soluções opõem-se, radicalmente, aos princípios que sustentam o compromisso desse governo de trabalhar pela ampliação da cidadania e inclusão de todos. Portanto, não tem como dar certo!"

Em outro documento, é ainda mais claro:

"Comunidades terapêuticas não são dispositivos de saúde pública. São a versão moderna dos antigos manicômios, seja pela função social a elas endereçada, quanto pelas condições de uma suposta assistência ofertada. Elas reintroduzem o isolamento das instituições totais, propondo a internação e permanência involuntárias, centram suas ações na temática religiosa, frequentemente desrespeitando tanto a liberdade de crença quanto o direito de ir e vir dos cidadãos. Portanto, rompem com a estrutura de rede que vem sendo construída pelo SUS, não havendo qualquer justificativa técnica para seu financiamento público".


No último dia 28 de Novembro, o CFP lançou o Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas. Segundo o site do Conselho, este relatório traz o resultado de vistorias em 68 instituições de internação para usuários de drogas, em 24 estados brasileiros e no Distrito Federal. O documento aponta para várias formas de violação dos direitos humanos em todos os locais visitados, dentre elas, interceptação e violação de correspondências, violência física, castigos, torturas, exposição a situações de humilhação, imposição de credo, intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória de familiares, violação de privacidade, dentre outras. Na conclusão, o relatório aponta para a inexistência de cuidado e de promoção de saúde nestes lugares.

A questão central para o CFP, no meu entendimento, não é se as comunidades terapêuticas devam existir ou não, mas se o governo deve ou não destinar recursos públicos para sua manutenção. Na referida carta para a Presidente Dilma, o CFP afirma que "as comunidades terapêuticas não cabem no SUS". Para a entidade, o tratamentos dos usuários de álcool e drogas "deve seguir os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, sendo também este o caminho a ser trilhado pelo financiamento: a ampliação da rede substitutiva". Neste sentido, apresenta algumas propostas concretas:

"O Brasil precisa de mais CAPS-ad, necessita que os mesmos tenham condições que os permitam funcionar vinte e quatro horas, carece de leitos em hospital geral, de casas de acolhimento transitório, consultórios de rua, equipes de saúde mental na atenção básica, de estratégias de redução de danos e de políticas públicas intersetoriais. Este deve ser o endereço dos recursos públicos!"

Na contramão das posições do CFP, está M.. Segundo texto disponibilizado em seu blog M. afirma que "pesquisas comprovam que o índice de recuperação em clínicas ou em Centros de Atendimento Psicanalíticos (CAPs), não passam de 2 a 6 % no máximo enquanto que em comunidades terapêuticas (religiosas) esse índice sobe para 32 a 42%". Primeira coisa: será que ela não está se referindo aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)? Sinceramente, nunca ouvi falar em Centros de Atendimentos Psicanalíticos. Pesquisei no Google e não encontrei nada. Devo estar mal informado. Segunda coisa: de onde ela tirou estes números? Como assim "pesquisas indicam"? Quais pesquisas? Ela não cita a fonte, nem explica o que entende por "recuperação". O que é uma pessoa recuperada? Uma pessoa que parou de beber ou de usar drogas completamente? Quanto tempo de abstinência é necessário para dizer que esta pessoa foi recuperada? Além disso, uma pessoa que diminuiu o uso não estará recuperada, de certa forma? São muitas perguntas sem respostas. Segue M.:


"O que me assusta, é um Conselho de Psicologia com total desconhecimento de tratamento e prevenção às drogas. São profissionais que não devem ter tido nenhuma experiência concreta e real com tratamento, além de teorias falíveis, que podem com a morosidade de seu tratamento levar o individuo a morte, pois em se tratando de crack, oxi, cristal a morte está muito próxima, e talvez somente o tratamento em consultório de psicologia, sem um internamento compulsório, pode não ajudar".
Inicialmente, M. desqualifica o CFP por seu distanciamento da realidade e por suas "teorias falíveis". Mas terá ela uma teoria infalível? A seguir utiliza a retórica do medo. Fala em Crack, em Oxi, em morte, como se quem fosse contra as comunidades terapêuticas fosse a favor da morte dos usuários. Concordo que, às vezes, uma internação temporária é necessária, tanto para uma desintoxicação inicial quanto diante da possibilidade da pessoa se ferir ou ferir outras pessoas. Mas este tipo de internação pode, muito bem, ser breve e  ambulatorial, o que difere imensamente das internações típicas das comunidades terapêuticas que costumam ser longas; às vezes, muito longas. No mesmo parágrafo, M. defende ainda a polêmica internação compulsória e se equivoca tremendamente ao afirmar que "somente o tratamento em consultório de psicologia pode não ajudar". Não é isso que o CFP defende! Não sei daonde que ela tirou isso... criticar a posição do CFP om argumentos com esse, demonstra sua enorme ignorância (ou será má-fé? Ou haverão intere$$es por trás?) sobre o assunto. Continua M.:


"É lamentável, que um conselho de psicologia mais uma vez, com uma minoria de psicólogos, estejam empurrando goela abaixo de uma população e de profissionais, tais decisões que não expressam, de forma alguma, a opinião de centenas de profissionais que trabalham e voluntariam na área e em comunidades terapêuticas. Como psicóloga atuante dentro de comunidades terapêuticas e como coordenadora de curso que ensina programas terapêuticos, sei que temos abusos em situações isoladas, mas estas são a minoria. Não podemos generalizar, a maioria dos internos são acolhidos de forma humanizada ao contrário do que diz o CFP. O que talvez incomode este cidadão [o presidente do CFP, Humberto Verona] seja o fato de que estes usuários tem a oportunidade de entender que não estão só, que há um poder superior capaz de devolver a sanidade e isso tem feito a diferença na recuperação".

Na minha humilde opinião, o grande problema das comunidades terapêuticas é a lógica da exclusão/ segregação, o pensamento de que a única solução possível consiste no afastamento do usuário de sua comunidade. A reforma psiquiátrica nos ensinou que existem formas alternativas, mais inclusivas, de se lidar com certas questões. Concordo com o CFP neste ponto. No entanto, o fato de existirem graves problemas de direitos humanos nas comunidades terapêuticas não significa que todas elas devam ser interditadas ou que todos os tratamentos de cunho religiosos devam ser ignorados. Seria como proibir o funcionamentos dos hospitais porque em alguns pessoas morrem por infecção hospitalar. O que deve ser combatido é a infecção hospitalar, não o hospital. Da mesma forma, o que acho que deva ser combatido são as violações dos direitos humanos, não as comunidades terapêuticas em si. Como dizem, não se deve jogar fora a criança com a água da bacia. Acredito, mesmo sendo ateu, que tratamentos de cunho religioso podem ser úteis para algumas pessoas - mas não para todos, com absoluta certeza.

Agora, uma coisa é a pessoa ou a família escolher a internação em uma comunidade terapêutica. Outra, muito diferente, é o governo contribuir financeiramente, com dinheiro público, para a manutenção destas instituições. E outra coisa, mais absurda ainda, é o governo financiar estas instituições sem estabelecer regras mínimas e sem realizar fiscalizações sistemáticas - o que equivale a entregar um cheque em branco. E parece que é exatamente isto que os donos de algumas comunidades terapêuticas pleiteiam. Concordo plenamente com a seguinte afirmação contida em uma carta aberta destinada à Pres. Dilma: "Que a escolha por uma comunidade terapêutica e pela supressão dos direitos de cidadania seja a opção de alguns é algo que só pode ser respeitada no plano da decisão individual, mas jamais como oferta da política pública e resposta do Estado à sociedade". Assim como o CFP, não concordo com a destinação de verbas públicas para entidades privadas, da mesma forma que, ideologicamente, não defendo programas como o ProUni, embora aceite que ele contribui, a curto prazo, para a ampliação do acesso ao ensino superior. Como afirma o CFP na referida carta:

"Submeter a saúde a interesses privados, à lógica de mercado, é fazê-la retroceder ao ponto que inaugurou o SUS como direito; é impor a saúde à dimensão de objeto mercantil, gerador de lucro para alguns e dor para muitos. Submeter o Estado e as políticas públicas a crenças e confissões, fere um princípio constitucional e a dimensão laica do mesmo".

Pseudo-tolerância


Terapia - Parte 2


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Psicologia Cristã - O eterno retorno


Passados dois anos da aplicação pelo CFP da censura pública à "psicóloga missionária" Rozângela Justino por defender publicamente e atuar no "tratamento" de homossexuais (saiba mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), mais uma polêmica relacionada à uma psicóloga cristã e homofóbica vêm à tona. A "psicóloga" da vez é M. L., criadora do site Psicologia Cristã, autora dos livros "Psicopatas da fé", "Entrevista motivacional: uma abordagem cristã" e "Auto-sugestão divina" e organizadora da Expocristo. Segundo o referido site, M. "é uma Psicóloga Clínica, formada em 1996, pela universidade Tuiuti do Paraná. Pós graduada em saúde mental, com curso de extensão em sexualidade humana, dependência química, cursos de entrevista motivacional, psicossomática, psicodiagnóstico, psicoterapia breve, arte terapia, bibliodrama aconselhamento Pastoral e Teologia. Estagiou, a convite do Governo dos Estados Unidos, na Mont Sinai Hospital, em New York, na Divisão Internacional de Atenção Primária a Saúde. Ministra cursos e palestras e possui experiência de mais de 13 anos em clinica e dependência química". Currículo admirável, não? Mas na seção "Quem sou eu" de seu blog, fica evidente que, antes de tudo, ela é cristã. E é este cristianismo, ao que tudo indica, que guia sua "teoria" e sua prática. Em uma entrevista, M. chega a dizer que tudo em sua vida "está subordinado á palavra de Deus inclusive minha profissão, creio ser por isso que sou, graças a Deus, bem sucedida".

Bem, a polêmica começou com uma carta que M. escreveu ao deputado Marco Feliciano (que é pastor e filiado ao PSC) questionando o apoio do Conselho Federal de Psicologia ao Kit Anti-homofobia. Segue um trecho desta carta, que pode ser lida na íntegra aqui.

"Uma coisa é aceitar a pessoa como ele é outra coisa é eu ser obrigado a ser como ele, para não me taxarem de homo fóbico. Se começarmos ficar refém dessas atitudes desrespeitosa com receio de perdermos voto, vamos transformar nosso país em um BRASIL amoral, sem lei, sem regras sem princípios e sem ética. Tudo em nome de um prazer seja ele qual for isso é muito sério". (Está exatamente assim na carta, com os erros de português e tudo mais. E eu retirei este trecho do blog dela, não de um outro site que poderia alterar o conteúdo da carta para prejudicá-la. Ok, eu questiono a norma culta, mas em uma carta aberta endereçada a um deputado, um mínimo de cuidado é necessário. Ou não?)

Nos comentários à carta em seu blog, algumas pessoas criticaram sua posição. Segue uma de suas geniais respostas (e percebam que os erros de português permanecem):

"Quero dizer aos psicólogos que me afrontam, que a partir do momento, que ENTRAM aqui, para dar sua ridícula opinião, se mostram preconceituosos com minha crença, minha Fé, portanto se me acham antiético, VOCÊS são porque estão SAÍNDO em defesa de UMA causa, que nem sabe direito qual é. CRITICAM-ME PORQUE ODÉIAM CRENTES, E PORQUE OS CONSULTÓRIOS DE PSICÓLOGOS QUE SE MOSTRAM CRISTÃOS, ESTÃOS CHEIOS ENQUANTO OS DOS SENHORES ESTÃOS AS MOSCAS,TENDO QUE TRABALHAR NO SERVIÇO PÚBLICO, O DIA INTEIRO PARA GANHAREM UMA MERECA RSS. Essa é a diferênça de Servir a Deus, ele nos prospera e nos honra, Nunca disse que sou homofóbica.vocês estão dando diagnóstico, isso é anti ético hemmm, moçada , cresçam, to nem aí pra vcs , pegaram a pessoas errada, naõ dependo da psicologia para viver. Graças a Deus" (Eu simplesmente copiei e colei. Está exatamente assim, confiram aqui. Só não entendi uma coisa: se o consultório dela está sempre cheio, por que, afinal, ela agradece a deus por não depender da psicologia para viver? E qual seria o problema, então, em ter o registro profissional cassado pelo CFP? A única explicação que encontro é que, ao afirmar-se psicóloga, ela acaba por ganhar de seus fiéis uma maior autoridade, pretensamente científica, para expressar suas idéias, basicamente religiosas. Por fim, chamo a atenção de vocês para a louvável atitude cristã que M. demostra ao rir daqueles psicólogos que "ganham uma merreca" e não estão tão prósperos como ela. Muito bonito isso...).

O advogado Tiago Morini rebateu, escrevendo uma carta aberta criticando M. Não tenho como discordar dele! Leia na íntegra aqui. Segue um trecho em que ele comenta a afirmação dela, transcrita acima:

"Eu particularmente li esse trecho algumas vezes e conferi para ter certeza de que foi escrito por uma psicóloga. Sua afirmação beira o absurdo – caso não tenha ultrapassado tal linha. Como eu mencionei anteriormente, todos os “privilégios” concedidos àqueles que forem discriminados ou sofrerem preconceito por sua opção sexual – inclusive os HETEROssexuais – com a PLC122, seriam postos no mesmo patamar dos religiosos que sofrerem com tais injustiças por serem religiosos. Uma psicóloga que teme, infundadamente, ser obrigada a se tornar homossexual porque pessoas lutam contra serem ofendidas e humilhadas diariamente é quase uma piada da qual não disponho senso de humor para rir".

Nos comentários, M. responde Tiago, partindo para o ataque:

"Você é um ignorante, eu disse que não faço tratamento para mudar orientação de ninguém, mas no twitter , não podemos escrever uma carta não é mesmo. Vocês sim são preconceituosos , olha o que fazem comigo, estão invadindo minhas redes, eu não invado a de vocês. Mas sou forte decidida, não tenho medo de ninguém, o conteúdo do Kit, é péssimo, então questiono sim o CFP, minha opinião, meu direito ainda que me cassem .. e você um aproveitador está pegando carona, ótimo estão só me promovendo a mim e ao Deputado @marcofeliciano que tive a honra de conhecer. NÃO SOU HOMOFÓBICA, mas tenho verdadeira vergonha de pessoas que fazem o que fazem, ódio está do lado de vocês não do meu, não aceitam uma critica, bem vindo ao mundo das igualdades é assim mesmo. cresçam somos todos iguais" (Adorei, especialmente, a frase: "estão só me promovendo a mim") 

E a guerra continua... de que lado você está? Mantenho minha opinião e minhas dúvidas, que expressei há dois anos sobre o caso Rozângela Justino: "A Psicologia brasileira vem lutando a décadas para ser encarada pela sociedade como uma profissão séria e 'científica', muito embora inúmeros profissionais insistam em contrariar isso, inserindo em suas práticas diversos procedimentos místicos e religiosos. Só que se fossemos levar à cabo a cientificidade da Psicologia e eliminar tudo o que não é científico, certamente não ia sobrar muita coisa. A psicanálise, inclusive, estaria fora. O que fazer? Como distinguir as práticas científicas das alternativas? E, mais importante, o que fazer com esta distinção? Eliminar tudo o que não seja científico ou aceitar a não-cientificidade da maioria das práticas psicológicas? Pra variar, não tenho respostas, só perguntas.O CFP, como entidade representativa dos psicólogos, ao contrario destes individualmente, deve ter uma posição clara a respeito deste e de outros assuntos polêmicos. Ficar em cima do muro não ajudaria em nada. E o fato é que o CFP é dominado pelos sócio-históricos, psicólogos marxistas de esquerda. E isto é um elogio! E os psicólogos-sócio-históricos-do-CFP tem uma posição clara a respeito do assunto: o psicólogo não pode e não deve trabalhar na "conversão" de homossexuais [e nem discriminá-los de nenhuma forma, acrescento]. E ponto final! Foi uma decisão baseada na perspectiva dos direitos humanos e contra a homofobia. Apoio totalmente o CFP nesta empreitada contra a discriminação, seja ela qual for. E esta é uma posição política, não científica!". Ao mesmo tempo, aceito que, em última instância, ao lutar contra o preconceito, exercemos preconceito contra o preconceituoso, chegando, às vezes, a sentir ódio daqueles que odeiam. É paradoxal! E isto aponta para a impossíbilidade de consenso, nesta e em outras questões polêmicas. Mas isso não impede de continuarmos lutando por aquilo que acreditamos. E eu luto contra a homofobia!


O holocausto brasileiro: a loucura da razão


O jornal Tribuna de Minas publicou esta semana uma série de reportagens intitulada Holocausto brasileiro: 50 anos sem punição, escrita pela premiada jornalista Daniela Arbex, cujo objetivo foi trazer à tona,  através do depoimento de sobreviventes e testemunhas, as  atrocidades ocorridas no interior do Hospital Colônia de Barbacena. Este verdadeiro campo de concentração para "loucos" (conceito que incluía homossexuais, militantes políticos, alcoolistas, mendigos, etc) foi transformado, na década de 80, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB), ainda em funcionamento. O local abriga também o Museu da Loucura, inaugurado em 1996. As reportagens da Tribuna são ricamente ilustradas por fotos incríveis e chocantes retiradas na década de 60 pelo fotógrafo Luiz Alfredo, na época da revista "Cruzeiro". Segue um trecho da primeira reportagem e, abaixo, algumas imagens feitas por Alfredo no interior da Colônia. Que elas sirvam de lembrete para que erros como esses não sejam cometidos novamente...

"Não se morre de loucura. Pelo menos em Barbacena. Na cidade do Holocausto brasileiro, mais de 60 mil pessoas perderam a vida no Hospital Colônia, sendo 1.853 corpos vendidos para 17 faculdades de medicina até o início dos anos 1980, um comércio que incluía ainda a negociação de peças anatômicas, como fígado e coração, além de esqueletos. As milhares de vítimas travestidas de pacientes psiquiátricos, já que mais de 70% dos internados não sofria de doença mental, sucumbiram de fome, frio, diarréia, pneumonia, maus-tratos, abandono, tortura".

















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