quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Ginástica cerebral funciona? Não há evidências, dizem cientistas.

Tem se multiplicado pelo Brasil e pelo mundo programas e serviços de "ginástica cerebral" que prometem não somente o "aprimoramento" do cérebro mas também a prevenção (e mesmo o abrandamento) de problemas cognitivos na terceira idade. No Brasil, podemos encontrar diversos programas presenciais e virtuais, como o Supera, o Cérebro Melhor (que recentemente foi comprado pelo Supera), além de inúmeras outras "academias cerebrais". Na verdade, uma indústria multimilionária voltada para o aprimoramento cerebral tem crescido absurdamente em todo o mundo - e nos últimos anos tal indústria tem se espalhado, como um vírus, também pelo Brasil (somente a rede Supera possui mais de 100 unidades/franquias em todo o país). E todas estas empresas alegam, supostamente embasadas em dados científicos - afinal, nada mais convincente hoje em dia que dizer que "estudos apontam" ou "pesquisas indicam" -, que o treinamento do cérebro, seja através de jogos de computador ou atividades como a utilização do ábaco (caso do Método Supera), fortalecem as estruturas cerebrais e previnem o declínio cognitivo. Esta é a promessa - chancelada muitas vezes por neurocientistas de renome -, mas será verdade que exercícios de "ginástica cerebral" potencializam o cérebro e evitam o "declínio" cognitivo?

Não é o que sugere uma série de estudos, além de um consenso assinado por inúmeros especialistas. Em um comunicado divulgado em Outubro deste ano pelo Centro de Longevidade da Universidade de Stanford juntamente com o Instituto para o Desenvolvimento Humano do Instituto Max Planck de Berlim e assinado por dezenas de importantes psicólogos cognitivos e neurocientistas de todo o mundo, os pesquisadores afirmaram que não há nenhuma evidência científica sólida de apoio a essa promessa. De acordo com o comunicado, a literatura científica disponível não corrobora a ideia de que jogos e atividades voltados para o treinamento cerebral de fato melhoram o desempenho cognitivo geral ou impedem o declínio cognitivo. Jogar determinado jogo ou fazer determinada atividade certamente podem torná-lo, com o tempo, melhor na execução de tal jogo ou atividade específica. Isto não significa, contudo, que tais jogos ou atividades contribuem para a melhoria geral da inteligência, da memória ou da atenção - e muito menos que têm a capacidade de prevenir agravos cognitivos decorrentes do processo de envelhecimento. Em suma: pessoas que praticam determinada tarefa, ficam melhores nessa tarefa, e talvez em tarefas muito semelhantes, mas não em outras tarefas. Como ilustrou esta reportagem da revista Salon, se você jogar repetidamente um determinado jogo de videogame, você, com o tempo, se tornará expert neste jogo específico e talvez tenha mais facilidade em jogos semelhantes, mas dificilmente se tornará melhor em tarefas "do mundo real" como fazer o seu trabalho, dirigir o carro ou memorizar determinado conteúdo. Tudo isto significa que um aprendizado específico grande parte das vezes não se generaliza para a cognição como um todo.

Os pesquisadores concluem o documento afirmando: "Opomo-nos à alegação de que jogos cerebrais oferecem aos consumidores um caminho cientificamente fundamentado para reduzir ou reverter o declínio cognitivo quando não há evidência científica convincente até agora de que eles o fazem. A promessa de uma solução mágica vai na contramão da melhor evidência até o momento, que é de a que saúde cognitiva na velhice reflete os efeitos a longo prazo de estilos de vida saudáveis. No julgamento dos signatários [deste consenso], alegações exageradas e enganosas exploram as ansiedades de adultos mais velhos sobre o declínio cognitivo iminente. Encorajamos a contínua e cautelosa investigação e validação nesse campo". 

Isto significa então que devemos deixar de lado todos estes exercícios cerebrais e simplesmente esperar o "inevitável" declínio cognitivo? De forma alguma. Em primeiro lugar, dizer que não existem evidências científicas de que jogos cerebrais funcionam, não significa que eles não podem ou não devem ser utilizados. Não! Significa que devemos depositar menos expectativas neles e olhá-los de forma mais crítica, tentando enxergar para além das estratégias de marketing e buscando considerá-los mais como atividades de lazer (que podem ser ótimas fontes de interação e diversão) do que propriamente atividades preventivas ou de aprimoramento cognitivo. Além disso, mesmo sem comprovação científica, tais atividades podem fazer muito bem (para o individuo como um todo, não somente para seu cérebro) e trazer resultados reais para algumas pessoas - a ciência, afinal, lida com dados populacionais e não com casos particulares. É importante ter em vista também que todas as experiências que passamos na vida são, de certa forma, "exercícios" para o cérebro, na medida em que modificam as conexões neurais - a noção de neuroplasticidade, tão em voga atualmente, aponta justamente nessa direção. Finalmente, os cientistas signatários do comunicado apontam para uma estratégia muito mais efetiva e embasada em dados científicos para "exercitar" o seu cérebro: a atividade física. Como aponta o comunicado, inúmeros estudos evidenciam que o exercício aeróbico aumenta o fluxo sanguíneo no cérebro, e ajuda na formação de novas conexões neurais e vasculares, podendo promover, desta forma, significativas melhoras na atenção, no raciocínio e também na memória. Portando, entre gastar seu tempo (e dinheiro) fazendo palavras cruzadas, jogos de memória ou ábaco e fazer exercício físicos, o caminho mais sensato (e mais embasado cientificamente) é o segundo. Ao exercitar o seu corpo, seu cérebro, que é parte integrante do seu corpo, também estará sendo "exercitado". 

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O livro definitivo sobre a ansiedade

Acabei de ler o livro Meus tempos de ansiedade: medo, esperança, terror e a busca da paz de espírito, escrito pelo jornalista Scott Stossel e recém-lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Que livro fantástico! Não gosto muito da ideia de "filme definitivo" ou "livro definitivo" porque nada nesse mundo é definitivo e também porque nenhum livro ou filme jamais poderia dar conta, totalmente, de determinado tema, mas não poderia pensar em algo melhor para dizer sobre essa obra magnífica. Concordo, nesse sentido, com Andrew Solomon, que afirmou: "Scott Stossel escreveu o relato definitivo sobre a ansiedade, unindo ciência, história e autobiografia" (Solomon, por sua vez, escreveu o "livro definitivo" sobre a depressão, o belo, erudito e já clássico Demônio do meio-dia). Realmente: o livro de Stossel condensa de forma soberba, em um calhamaço de mais de 500 páginas, um relato pessoal extremamente - e às vezes constrangedoramente - sincero (terminamos o livro nos sentindo amigos íntimos de Scott), uma investigação cuidadosa e crítica do estado da arte da "ciência da ansiedade" (Stossel, no entanto, não cai na tentação de achar que a ciência sozinha daria conta de explicar esta questão) e ainda uma narrativa histórica bastante ampla e embasada sobre o tema (só de bibliografia o livro tem quase 30 páginas!). E tudo isso sem cair em nenhuma forma de reducionismo, seja biológico, psicológico ou sociológico. Para o autor nenhum olhar isoladamente é capaz de dar conta sozinho deste complexo fenômeno. Pelo contrário, todos os olhares podem contribuir para o entendimento (e mesmo para o "enfrentamento") da ansiedade, que é compreendida por Stossel como reflexo ao mesmo tempo de uma biologia, herdada de nossos ancestrais e entranhada em nosso sistema nervoso, de uma psicologia, construida em nossa relação com os outros e com nós mesmos e de uma cultura, na qual estamos impreterivelmente imersos.

O livro tem início com o relato de um terrível ataque de ansiedade/ pânico que Stossel teve durante seu casamento e daí em diante o autor tenta entender tanto a própria ansiedade quanto o "fenômeno" da ansiedade de uma forma geral. Na primeira parte do livro, denominada "O enigma da ansiedade", Stossel tenta responder a pergunta "do que falamos quando falamos de ansiedade?". Para tanto, o autor busca e apresenta diversas definições feitas no decorrer da história, entremeando-as com relatos de suas próprias experiências de ansiedade. E haja ansiedade! Eu atendo cotidianamente muitas pessoas ansiosas - não seria equivocado dizer que trata-se da principal queixa que chega em meu consultório - mas poucas vezes, talvez nunca, atendi casos tão graves como o de Stossel. O jornalista é um sujeito sem dúvida alguma, patologicamente ansioso e em vários aspectos. Tem uma fobia de viajar de avião extremamente elevada e persistente (as descrições do pânico que ele experiencia quando voa são angustiantes), fica extremamente nervoso em exposições públicas ou em quaisquer situações em que ele seja o centro das atenções, tem ataques de pânico frequentes e incapacitantes e ainda possui uma fobia que eu nunca tinha ouvido falar, a "emetofobia", que é o o medo excessivo ou irracional de vomitar. Esta fobia, de certa forma, moldou a vida de Scott e se relaciona com grande parte de suas demais ansiedades - por exemplo, ele tem medo de se apresentar em público especialmente porque tem medo de vomitar diante das pessoas (embora tenha vomitado, efetivamente, pouquissimas vezes). Em suma, Stossel tem total "autoridade" para falar sobre ansiedade, haja vista sua longa e dolorosa vivência. Mas não se trata simplesmente, volto a repetir, de um relato de um sujeito ansioso, mas de uma profunda análise do que é a ansiedade.

E é neste sentido que, ainda na primeira parte do livro, Stossel tenta definir este fenômeno, recorrendo para isso a textos de filósofos, psicólogos, psiquiatras e neurocientistas. Obviamente, como em qualquer outro tema, não há consenso. Exatamente por isso o autor se propõe a apresentar e debater diversas controvérsias relacionadas ao tema da ansiedade. Eis algumas delas: seria a ansiedade algo "natural", que acompanha o ser humano desde sempre, ou algo "produzido" pela civilização moderna? Neste sentido, poderíamos dizer que a ansiedade é tipicamente humana ou também os animais podem ser ansiosos? Outra controvérsia bastante debatida pela autor, é se a ansiedade é (ou em que medida é) algo patológico. Com relação à esta questão o autor traça um percurso de como a ansiedade (ou o seu "excesso") passou, a partir de determinado momento, a ser considerada uma patologia. Segundo Stossel, a partir do DSM-III, publicado em 1980, surge a categoria diagnóstica "transtorno de ansiedade", que não constava nas edições anteriores da "Bíblia da psiquiatria". Anteriormente, o que hoje chamamos de ansiedade ou de transtorno de ansiedade foi chamado por muitos outros nomes. Na verdade isto é de certa forma equivocado de afirmar, pois não dá para dizer que o que no final do século XIX os médicos chamavam de "neurastenia" é o mesmo que o que hoje chamamos de "transtorno de ansiedade". Muito embora alguns dos sintomas descritos sejam comuns, trata-se de categorias diagnósticas muito distintas (e é exatamente por esse motivo que sempre acho equivocado diagnosticar pessoas do passado com categorias do presente, como por exemplo, ao afirmarmos que Platão ou Darwin eram bipolares).

Outra controvérsia debatida por Stossel - que muito me interessa - diz respeito à afirmação de alguns neurocientistas de que as modernas tecnologias de neuroimagem, como a ressonância magnética e a tomografia magnética, poderiam ajudar na diferenciação entre ansiedade normal e ansiedade patológica (da mesma forma que uma radiografia ajuda na distinção entre uma fratura de tornozelo e uma torção). Segundo o autor, tal afirmação não se sustenta. E o motivo é relativamente simples. Como aponta Stossel, algumas pessoas, diante de estímulos indutores de estresse, exibem sinais fisiológicos indicadores de ansiedade (por exemplo, as amigdalas ficam mais ativadas) mas afirmam que não estão se sentindo ansiosas. E é neste sentido que o autor afirma: "Quando uma radiografia mostra um fêmur fraturado e o paciente não relata dor, o diagnóstico médico ainda é de fratura de fêmur. Quando uma tomografia mostra intensa atividade nas amigdalas e nos gânglios basais, mas o paciente não relata ansiedade, o diagnóstico é... nenhum". Isto só confirma o que eu já disse em outro momento: que a Psiquiatria (e, evidentemente, a Psicologia) nunca poderá prescindir ou abrir mão da subjetividade. Posso estar enganado, mas acredito que nenhum exame objetivo (seja de cérebro ou de sangue) jamais substituirá uma avaliação clínica bem feita. Isto significa também que a ansiedade (ou a tristeza ou a raiva) não é simplesmente um "problema" cerebral, mas algo que afeta e é afetado pela pessoa como um todo em sua relação com o mundo.

Já na terceira parte, que considero a mais interessante, Stossel analisa a relação entre medicações e ansiedade. Embora ele próprio tenha tomado e ainda tome uma grande quantidade de remédios psiquiátricos na tentativa de controlar sua ansiedade, Stossel critica a visão de que a ansiedade é um "problema" neurológico que deve ser tratado exclusivamente com medicações. Como questiona em determinado momento, 

"Por acaso minha ansiedade pode mesmo resumir-se à eficácia com que meus canais de íons cloretos funcionam ou à velocidade dos disparos neuronais em minha amigdala? Bem, sim, num certo nível, pode. Os índices de disparo na amigdala correlacionam-se de forma bastante direta com a sensação de ansiedade. Entretando, dizer que minha ansiedade seja redutível aos íons em minha amigdala é tão limitador quanto dizer que minha personalidade ou minha alma é redutível às moléculas que constituem meu cérebro ou aos genes que levaram a elas".

Da mesma forma, o autor tece fortes e contundentes críticas à atuação da indústria farmacêutica na construção da teoria do desequilibrio quimico, que apregoa que os transtornos mentais seriam causados por um "desequilibrio quimico" no cérebro das pessoas - especialmente no nível de seus neurotransmissores. Nesse sentido, Stossel analisa em detalhes a construção do diagnóstico de Transtorno do Pânico, que, segundo o autor, "foi a primeira doença psiquiátrica cuja criação teve como fator determinante a reação a um fármaco: a imipramina cura o pânico; por conseguinte o transtorno do pânico tem que existir". Outros transtornos psiquiátricos, como o Transtorno de Ansiedade Social e o ainda controverso Transtorno de Ansiedade generalizada, teriam sido criados da mesma forma. 

Ao mesmo tempo, Stossel não condena ou descarta totalmente o uso de medicações. Sua posição, nesta e em outras polêmicas, é bastante moderada e conciliadora. Como aponta em determinado momento,

"Os medicamentos, como muitos estudos indicam, podem funcionar - em parte do tempo, com algumas pessoas, às vezes com horríveis efeitos colaterais, sintomas de abstinência terríveis e problemas de dependência. E na verdade não sabemos que danos a longo prazo estão causando em nosso cérebro. E, de fato, as empresas farmacêuticas e as seguradoras ampliaram ou distorceram de maneira artificial as categorias de diagnóstico. Mas posso garantir, com minha autoridade pessoal, conquistada a duras penas, que há aqui um sofrimento emocional legítimo, que pode ser muito incapacitante, suscetível de alívio proporcionado por esses fármacos, às vezes só um pouco, às vezes de maneira profunda"

Em outro momento, de forma ainda mais contundente, afirma (e eu concordo 100% com ele): 

"Os fármacos psiquiátricos funcionam - para algumas pessoas, em certas situações, às vezes. Seria cruel negar aos esquizofrênicos a remissão química de delírios psicóticos, ou ao paciente bipolar o alívio farmacológico de suas manias perigosas ou de suas depressões avassaladoras - ou impedir que a pessoa destruída pelo pânico e aprisionada em sua casa busque alguma proteção médica contra a ansiedade. Creio que se pode ser cético com relação às alegações da indústria farmacêutica, preocupado com as implicações sociológicas de uma população tão medicamentada e sintonizado com os custos existenciais envolvidos no uso de fármacos psiquiátricos, mas não se opor ao uso judicioso dessas substâncias".

No restante do livro, o autor apresenta e analisa uma miríade de questões relacionadas ao tema da ansiedade. Não gostaria de cansá-lo apresentando o livro capítulo por capítulo. Gostaria simplesmente de salientar que, caso se interesse por esse tema - e se você é psicólogo clínico acredito que irá se interessar, pois tenho certeza que queixas de ansiedade são frequentes em seu consultório - esqueça aquela besteira que é o best-seller "Ansiedade: como enfrentar o mal do século", escrito pelo Augusto Cury (que segundo esse texto, ele próprio, é o mal do século) e aventure-se neste livro fantástico de Stossel. O caminho é mais longo, afinal são mais de 500 páginas, mas tenho certeza que você não irá se arrepender.

Update 09/12/14: O psiquiatra Daniel Martins de Barros, em seu blog, fez uma analise igualmente entusiasmada do livro Meus tempos de ansiedade. Disse ele: "Misturando relato pessoal, pesquisa científica e história cultural, o livro lançado no Brasil pela Cia. das Letras é talvez o mais completo e abrangente trabalho leigo sobre os transtornos ansiosos".

terça-feira, 16 de setembro de 2014

DSM-5, o musical

Descobri o video abaixo no sempre interessante blog Mindhacks. Trata-se de uma versão do sucesso Night Fever do grupo Bee Gees produzida (e protagonizada!) pelo professor Stephen Stahl, autor de diversos livros sobre psicofarmacologia como Prescriber's Guide: Stahl's Essential Psychopharmacology. A versão do professor Stahl, chamada DSM-5 fever ("A febre do DSM-5"), critica, ainda que de uma forma leve e divertida, a nova versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicada no ano passado. Infelizmente o video só tem legendas em inglês. De toda forma espero que você consiga entender e se divertir com este curioso video do professor Stahl - que, diga-se de passagem, possui um swing invejável. 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O materialismo das neurociências contemporâneas: nova roupagem para velhas esperanças

Reproduzo abaixo alguns trechos do magnífico artigo "O eterno retorno do materialismo: padrões recorrentes de explicações materialistas dos fenômenos mentais", escrito pelo professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (e meu grande mentor intelectual) Saulo de Freitas Araújo. Para quem se interessa pelo campo da filosofia da mente ou quer adentrar um pouco mais nas discussões sobre a relação mente-cérebro recomendo imensamente a leitura de seu livro "Psicologia e Neurociências: uma avaliação da perspectiva materialista no estudo dos fenômenos mentais", editado pela editora da UFJF. Foi esse livro, junto com as maravilhosas aulas do professor Saulo, que me despertaram, já na época da graduação, para o tema das Neurociências - que estudei mais aprofundadamente no mestrado. O texto é um pouco grande para os padrões de um blog mas certamente recompensará quem o ler com uma reflexão absolutamente necessária para todos os profissionais e estudantes do campo psi. Apesar de ser um artigo publicado em uma revista científica, Saulo escreve de uma forma muito clara e até mesmo divertida em alguns momentos. Portanto, espero que vocês se deleitem com esse artigo como eu próprio me deleitei. 



Para uma parte significativa de nossa sociedade moderna, o materialismo parece ser o resultado natural e inevitável do avanço das investigações científicas. De fato, essa imagem normalmente propagada e aparentemente irretocável de uma identidade entre ciência e cosmovisão materialista não deixa de ter certa legitimidade, na medida em que um número significativo de cientistas faz questão de afirmar sua adesão ao materialismo, além de dedicar parte de seu tempo à popularização dessa ideia. Entretanto, essa imagem não corresponde exatamente à realidade. Quando analisada mais de perto, ela se revela bastante limitada, além de problemática, na medida em que há também muitos cientistas que se posicionam claramente contra a visão de mundo materialista, demonstrando, assim, a independência entre ciência e materialismo. O objetivo do presente trabalho é desmascarar essa falsa identidade e mostrar como ela tem gerado visões míticas sobre a natureza humana, tomando como exemplo as tentativas mais radicais na neurociência contemporânea de eliminar a autonomia da experiência subjetiva humana. Isso geralmente acontece em três estágios: inicialmente, algumas capacidades, previamente atribuídas aos seres humanos, são agora atribuídas ao cérebro ou a uma parte dele; em seguida, proclama-se uma completa fisicalização da natureza humana em geral, que é assim reduzida a um mero produto da atividade cerebral; finalmente, essa visão materialista é propagada como o resultado inevitável da ciência contemporânea. (...)


Em primeiro lugar, é preciso esclarecer por que o materialismo não é uma materialismo não é uma teoria propriamente científica. Embora esteja hoje intimamente associado à imagem contemporânea de ciência, ele é, em seu sentido mais geral, uma tese metafísica acerca da natureza última da realidade, que unifica todo o campo da experiência humana, reduzindo-o, em última instância, a algum princípio explicativo derivado (válida ou invalidamente) do conceito de matéria, fornecendo ao final uma visão de mundo. Em outras palavras, o que identifica todo e qualquer defensor do materialismo é sua adesão à tese de que tudo o que existe no mundo é material. No entanto, uma afirmação desse tipo é tão geral e abrangente que jamais pode ser submetida a qualquer teste empírico particular, ultrapassando, portanto, a esfera do conhecimento científico possível. Ora, pelo menos desde a Crítica da Razão Pura, não é mais possível ignorar que a totalidade do mundo é apenas uma ideia racional, mas não um objeto que possa ser dado na experiência. Da mesma forma que a matéria, pensada como condição última da experiência, também não pode ser confundida com nenhum fenômeno empírico particular, pois, nesse caso, ela teria que ser explicada por outra coisa diferente dela. Ou seja, se a matéria é pensada como o fundamento absoluto de toda experiência humana, ela mesma nunca pode aparecer como objeto de nossa experiência, permanecendo, pois, além do alcance do nosso conhecimento científico.


Assim, uma vez que a ciência deve sempre estar solidamente amparada em evidências empíricas, nenhuma teoria científica, por mais bem estabelecida que esteja, pode implicar o materialismo. E é exatamente por isso que não podemos confundi-lo com uma teoria científica nem tratá-lo como se fosse uma. Logo, a expressão 'materialismo científico' pode servir no máximo para designar a posição ideológica ou o status profissional de seus adeptos (cientistas), mas de forma alguma ela significa que o que eles estão propondo seja uma teoria científica. Desfeita essa confusão, deve ficar claro que a legitimidade da ciência não depende da adesão do cientista à visão de mundo materialista, mas somente de seu compromisso com a lógica e a metodologia científica. Assim, tudo o que a ciência pode fazer é descobrir a existência de fenômenos e de suas relações, mas jamais a essência e a natureza última da realidade, já que estas últimas não podem ser dadas no nível empírico, requerendo, portanto, um conhecimento de outro tipo. Além disso, embora a prática científica possa estar atrelada a uma visão de mundo – como demonstram os estudos de Flecke Kuhn, a ciência é uma atividade epistêmica em constante desenvolvimento, de forma que sua cristalização em uma visão de mundo seria contrária à sua própria natureza. Em suma, ciência e materialismo são coisas distintas, que só por um deslize conceitual podem ser tratadas como idênticas. (...)



Nas últimas décadas, temos presenciado um renovado interesse pelo materialismo. Um bom indicador disso é o número crescente de publicações acadêmicas recentes sobre o tema, que têm procurado mostrar tanto suas origens quanto sua atualidade. Além disso, no próprio campo da filosofia da mente – disciplina que lida mais especificamente com o problema mente-cérebro – há várias tentativas recentes de explicar a mente humana em termos materialistas. Isso para não falar nos recentes "manifestos" em defesa do materialismo, que cumprem um papel cultural mais amplo, ao apelarem para a completa conversão do leitor ao ateísmo. Isso torna, a meu ver, extremamente problemática a tese de um enfraquecimento do materialismo. Mais especificamente, o que temos assistido é uma verdadeira onda de entusiasmo epistêmico motivado pelo contínuo e notável avanço das neurociências, em particular das novas tecnologias de neuroimagem. Por toda a parte, dentro e fora das universidades, surgem novos núcleos de estudo e/ou pesquisa dos processos cerebrais. A essa aposta na investigação do cérebro subjaz um otimismo explícito, que vê em um futuro não muito distante a solução de vários problemas concernentes à natureza humana. Basta aqui relembrarmos o entusiasmo com que foram anunciados e celebrados nos Estados Unidos, com recepção favorável em grande parte da comunidade científica internacional, o início da chamada "década do cérebro" (1990-1999) e suas promessas para as áreas da filosofia, da psicologia e da psiquiatria (...).



Ao investigarmos, contudo, o fundamento de todo esse otimismo, constatamos que ele se baseia primeiramente em uma insatisfação generalizada com toda forma de linguagem psicológica tradicional (mente, crença, vontade, intenção etc.), que esses autores atribuem à ingenuidade da nossa tradição dualista e religiosa ocidental. Eles argumentam que o senso comum já criou ilusões que foram posteriormente corrigidas pelo progresso científico (por exemplo, o caso das bruxas), e que isso vai igualmente acontecer em relação ao conhecimento da natureza humana com o avanço da neurociência, que se mostrará uma teoria superior (...).

A falta de uma fundamentação sólida para a proposta materialista se torna mais evidente quando passamos a analisar sua relação com o avanço das investigações empíricas. De fato, passadas algumas décadas desde o início desse entusiasmo geral, podemos perguntar então se já temos pelo menos um esboço do que seria essa nova teoria neurocientífica da natureza humana. Apenas a título de ilustração, em uma recente coletânea de entrevistas com alguns dos mais destacados nomes nesta área – incluindo os principais expoentes do materialismo contemporâneo (por exemplo, Crick, Dennett e os Churchlands) –, descobrimos que, depois de 40 anos de pesquisas neurofisiológicas, não temos sequer um vislumbre de como resolver os problemas mais básicos acerca da consciência humana. No entanto, não faltam apostas e opiniões gerais muito vagas, na maior parte das vezes incompatíveis entre si. E quando eles são questionados se ainda vai demorar muito para que a promessa se realize, a resposta mais precisa que recebemos vem da própria Patricia Churchland: "Nós realmente não sabemos quanto tempo teremos que esperar".

Gostaria de explorar esse ponto mais a fundo. Enquanto o futuro sonhado de uma superteoria não chega, o que os materialistas têm a nos oferecer é uma linguagem metafórica, quase ficcional, mediante a qual atribuem ao cérebro ou a partes dele uma série de capacidades e realizações que antes eram atributos da pessoa humana como um todo. Surge, assim, a "surpreendente hipótese" (the astonishing hypothesis) de que somos apenas um pacote de neurônios ou o somatório do comportamento de neurônios e suas moléculas. Surgem, também, ideias como "o cérebro emocional", "o cérebro volitivo", "o cérebro executivo", "o cérebro crente", "o cérebro que modifica a si mesmo", etc. (...) Descobrimos então, não sem um certo espanto, que o auge do nosso progresso científico consiste na substituição da noção de sujeito pela de hemisfério ou área cerebral. Quem agora "conhece", "faz avaliações", "interpreta", "cria", "procura explicações" etc. não é mais uma pessoa, mas sim um pedaço de matéria (parte do cérebro). Acontece que a utilização dessas metáforas encantadas, tomadas como explicações reais dos fenômenos, produz o resultado oposto do que era prometido, a saber, uma explicação científica. Afinal, não devemos esquecer que analogias e metáforas só são válidas quando, ao lado das semelhanças detectadas, também as diferenças são ressaltadas. Caso essas últimas desapareçam, então a relação passa a ser de identidade e não mais de analogia. Como procurei argumentar anteriormente, a atribuição real de propriedades e capacidades psicológicas a objetos físicos é característica de um estágio bem primitivo da inteligência humana, a saber, o animismo, que todo materialista diz querer combater. E o que é pior, isso representa um retorno a uma metafísica muito menos crítica e ainda mais ingênua do que a que eles pretendem superar. Trata-se aqui, portanto, de pseudoexplicações, que de modo algum respondem às questões fundamentais, e cuja função é, mais uma vez, meramente retórica. (...)

Os materialistas contemporâneos, ao anunciarem suas ideias como uma grande novidade, repetem estratégias discursivas e formas de raciocínio muito semelhantes às de seus correligionários do passado, sem que tenham consciência disso. E mesmo que não haja uniformidade ou consenso entre eles sobre o que seja precisamente o cérebro, como nos mostra a historiografia recente da neurociência, é essa atitude geral em relação a ele – assim como a fragilidade dos argumentos e a falta de dados empíricos para apoiá-la – que tem sido repetida, e que eu quero aqui enfatizar. É como se todo o período de nossa história intelectual que vai da segunda metade do século XVIII até o fim do século XIX fosse colocado entre parêntesis, para que essa nova aurora materialista possa soar como algo realmente novo. Na verdade, porém, trata-se apenas de uma nova roupagem para velhas esperanças, que acabaram se convertendo em um artigo de fé. É este fenômeno cíclico, que aparece em nossa cultura nos últimos 300 anos, que estou chamando de "o eterno retorno do materialismo". 

Cabe, contudo, perguntar: haveria um sentido nesse eterno retorno? Num primeiro momento, podemos entendê-lo apenas como uma ingenuidade teórico-conceitual, oriunda do desprezo ou desconhecimento em relação à própria história da ciência e da filosofia. Mas nossa tese é a de que ele revela uma significação mais profunda, que diz respeito a uma falta de atenção para os limites epistêmicos do ser humano. Ou seja, o que todos os materialistas estão tentando, pelo menos desde o século XVIII, é eliminar a autonomia da dimensão subjetiva da experiência humana, reduzindo-a ou reformulando-a em termos da dimensão objetiva das ciências naturais. Na linguagem da filosofia da mente contemporânea, trata-se de explicar a experiência de 1ª pessoa através do relato de 3ª pessoa, fato este que tem se revelado sistematicamente fracassado. Ora, a abstração do sujeito nas ciências naturais é apenas um recurso metodológico, útil para a elaboração de teorias físicas precisas, mas de forma alguma uma prova de sua não existência ou de sua irrelevância para a compreensão da natureza humana. É como se dois zoólogos, nadando em um lago infestado de crocodilos famintos, acreditassem que ao parar de falar de crocodilos estariam eliminando o perigo iminente de serem devorados por estes. E é exatamente essa tentativa dos materialistas de eliminar a autonomia da esfera subjetiva que tem se mostrado fracassada ao longo do tempo. Nesse sentido, o eterno retorno do materialismo representa um eterno esquecimento, por parte de cientistas e filósofos, dos limites do conhecimento humano, não exatamente de seu conteúdo empírico, mas sim de suas condições universais. Ora, a perspectiva do sujeito da experiência parece não poder ser eliminada ou traduzida em uma linguagem puramente objetiva, embora possa ser correlacionada a esta última. Nesse caso, de nada adiantaria o acúmulo de novos dados empíricos para resolver os impasses e os paradoxos do materialismo contemporâneo. Isso nos permite suspeitar que a nova visão da natureza humana que os materialistas querem alcançar talvez seja utópica e ilusória, já que os limites das condições de nosso conhecimento científico permanecem inalterados.

Para finalizar minha reflexão, gostaria de explorar a relação entre ciência contemporânea e a criação de ideologias. Em primeiro lugar, é importante reafirmar que o materialismo não é uma consequência lógica e inevitável das pesquisas científicas. Se assim fosse, não poderia haver cientistas antimaterialistas. De fato, porém, muitos cientistas, desde o século XIX, vêm apontando os impasses da perspectiva materialista e sua impossibilidade de solução. Além disso, muitos neurocientistas contemporâneos de grande prestígio são antimaterialistas. Em segundo lugar, a exaltação e/ou reprodução ingênua e irrefletida de um falso ideal de ciência acaba levando à criação de mitos, que obstruem a compreensão do que seja realmente a atividade científica e de como ela se desenvolveu historicamente. E é nesse contexto de uma assimilação acrítica da ciência contemporânea que corremos o risco de aceitar uma ideologia (cientificismo, materialismo científico) como se fosse um produto científico genuíno, e de participar de uma cruzada ideológica sem saber que se trata de uma. Ora, se a ciência tem uma função primordial, ela consiste na promoção do exame crítico da realidade, mas não na criação de histórias fantásticas e mitos alienantes. E se não podemos encontrar respostas definitivas para certas perguntas que temos levantado sistematicamente ao longo dos tempos, isso talvez aponte para certos limites de nosso conhecimento, o que nos obriga a recordar permanentemente os obstáculos que persistem, para não corrermos o risco de cair em novas formas de dogmatismo. Sendo assim, se a metafísica dualista é um resquício de nossa ingenuidade teórica e de nossa ignorância epistêmica, por que deveríamos considerar menos ingênua uma corrente de pensamento que atribui propriedades mágicas ao cérebro, transformando-o assim em um novo fetiche? No discurso neurocientífico contemporâneo, parece realmente haver menos ciência do que normalmente se imagina.

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Botox para tratar depressão?

Foi nesta reportagem que descobri que médicos norte-americanos vem testando o uso de botox para tratar pacientes depressivos - sim aquela mesma substância utilizada para amenizar rugas e linhas de expressão! A "terapia do botox" funciona da seguinte forma: a toxina butolímica é aplicada no rosto da pessoa de forma a paralisar alguns músculos. O resultado é que a pessoa fica incapaz de realizar algumas expressões faciais relacionadas à tristeza e à preocupação. Com isto, segundo a reportagem, "os depressivos não veriam outra saída senão a da alegria". Como explica o psiquiatra Daniel Martins de Barros, em seu blog, o objetivo de tal "terapia" é "relaxar a carregada expressão facial que os deprimidos geralmente apresentam, paralisando a musculatura da testa e, consequentemente, bloqueando a influência negativa da face no humor". Traduzindo em miúdos: espera-se que ao não parecerem e não se verem tristes, os pacientes não se sintam mais tristes. 

Em reportagem da Folha de S. Paulo, o dermatologista Eric Finzi, um dos pioneiros dessa "terapia", afirmou o seguinte: "quis testar uma idéia que estudo há muito tempo: não se enruga a testa por conta da depressão; o que acontece é exatamente o contrário. São as rugas que induzem a uma série de reações que fazem surgir a depressão", afirma. Ah, entendi, a depressão "surge" em função das rugas na testa! Claro! Como eu não pensei nisso antes? Como eu era bobo de acreditar que as pessoas ficam deprimidas em resposta a acontecimentos ruins ou a formas negativas de lidar com a vida. Na verdade, a pessoa torna-se deprimida em função de suas rugas...

Ironias à parte, o que gostaria de refletir sobre essa "terapia" é que, de fato, nossa postura corporal e nossas expressões faciais influenciam nossos sentimentos - como bem aponta o cartum do Charlie Brown no inicio deste post. Em um experimento hoje clássico o psicólogo social Fritz Strack, da Universidade de Würzburg, solicitou a diversos voluntários que lessem algumas histórias em quadrinhos cômicas, dividindo-os em dois grupos. O primeiro leu as histórias segurando um lápis entre lábios, o que faz com que a expressão facial fique séria. Já o segundo grupo segurou o lápis entre os dentes, o que gera uma expressão facial artificialmente alegre. Segundo reportagem da revista Scientific American, "essa pequena manipulação fez com que os sujeitos sorridentes achassem as histórias em quadrinhos bem mais cômicas do que aqueles cujos cantos da boca tendiam para baixo" [da próxima vez que for assistir a um filme de comédia, coloque um lápis entre os dentes e perceba como você provavelmente achará mais graça do que normalmente acharia]. 


Certamente um sorriso artificial não é suficiente para tornar uma pessoa feliz - basta lembrar do Coringa, arqui-inimigo do Batman - mas talvez este experimento aponte para a possibilidade de não somente afetos produzirem expressões mas também de expressões faciais e corporais produzirem (ou reforçarem) afetos. Afinal, como lembrou o psicanalista Contardo Calligaris neste artigo, "nossa própria imagem influencia nosso humor". Pense naquele dia em que você se olhou no espelho pela manhã e não gostou do que viu. Isto não mexeu com suas emoções? Aposto que sim. E é nesse sentido que embora veja com muitas ressalvas a tal "terapia do botox" entendo que o pressuposto no qual ela se embasa (de que expressões influenciam afetos) pode gerar abordagens clínicas interessantes para pacientes depressivos, que levem em consideração não somente suas palavras, mas também suas expressões corporais e faciais. 

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Sobre comediantes, cérebros e depressões

Nas últimas semanas, dois atores que se tornaram famosos pela interpretação de personagens cômicos faleceram de forma trágica: no dia 30 de julho foi encontrado morto em seu apartamento o ator Fausto Fanti da trupe de humor Hermes e Renato e ontem foi a vez do grande ator e comediante norte-americano Robin Willians. Os dois foram diagnosticados com depressão (Robin, além disso, era alcoolista) e suspeita-se de que ambos se suicidaram. E isto levou muitas pessoas, inclusive associações médicas, a afirmarem que caso eles tivessem se tratado adequadamente com um psiquiatra, sendo corretamente medicados, provavelmente tais mortes não teriam ocorrido. O irmão de Fausto chegou a dizer em uma entrevista que Fausto "estava em um processo mental quase obsessivo e ele não estava tomando nenhum remédio. A gente achava que não era tão sério e ele era resistente a isso". Já Robin Willians passou por diversos tratamentos no decorrer de sua vida, sendo internado diversas vezes em função do alcoolismo. Será que se tivessem sido corretamente medicados suas histórias teriam sido diferentes? Difícil saber, afinal na vida não há "e se" - o passado foi o que foi e não o que poderia ter sido - mas investiguemos.

O que é depressão? Os psiquiatras biológicos contemporâneos tendem a defini-la como um transtorno (ou seja, uma doença) cerebral no qual predomina o humor depressivo, dentre outros sintomas. Segundo o DSM-IV (agora substituído pelo DSM-5, publicado no ano passado), para uma pessoa ser diagnosticada com o Depressão maior era necessário que cinco ou mais dos seguintes sintomas estivessem presentes por pelo menos duas semanas: estado deprimido: sentir-se deprimido a maior parte do tempo; anedonia: interesse diminuído ou perda de prazer para realizar as atividades de rotina; sensação de inutilidade ou culpa excessiva; dificuldade de concentração: habilidade freqüentemente diminuída para pensar e concentrar-se; fadiga ou perda de energia; distúrbios do sono: insônia ou hipersônia praticamente diárias; problemas psicomotores: agitação ou retardo psicomotor; perda ou ganho significativo de peso, na ausência de regime alimentar; idéias recorrentes de morte ou suicídio. Caso a pessoa estivesse em processo de luto, o manual apontava que, nesse caso, o diagnóstico não poderia ser feito - o que era um tanto sensato, afinal, como diagnosticar com depressão alguém que sofre natural e legitimamente em função da perda de uma pessoa querida? No DSM-5 tal ressalva foi eliminada. Agora pessoas enlutadas podem ser diagnosticadas depressivas. 

De toda forma, não tenho dúvidas de que a depressão é um grande problema na atualidade e nem de que as medicações podem auxiliar imensamente no tratamento de pessoas deprimidas - tanto é que não me furto de encaminhar para o psiquiatra pacientes severamente deprimidos. Mas não concordo de forma alguma com a ideia de que a depressão é um problema cerebral. Na minha visão e de diversos autores, a depressão é um problema da pessoa como um todo, não somente de seu cérebro. Obviamente a tristeza e a depressão se refletem no cérebro: se observarmos em aparelhos de ressonância magnética a atividade cerebral de pessoas severamente deprimidas provavelmente veremos uma maior ou uma menor ativação de determinadas áreas. Só que isto não significa que são tais alterações que causam ou determinam a depressão. Na verdade, o contrário é bem mais plausível: que tais alterações sejam causadas pela depressão. Mais correto, no entanto, é dizer que existem correlatos neurais da depressão o que significa dizer que a depressão possui "marcas" no cérebro.

Em seu livro Out of our heads (que já tratei aqui), o filósofo Alva Noe diz o seguinte sobre a ideia de que a depressão é uma doença cerebral: "Em um sentido, isto é obviamente correto. Existem assinaturas neurais da depressão. Além disso, a ação direta sobre o cérebro - na forma de uma terapia medicamentosa - pode influenciar a depressão. Mas em outro sentido, isto é obviamente incorreto. É simplesmente impossível entender porque as pessoas ficam deprimidas - ou porque o indivíduo está deprimido aqui e agora - somente em termos neurais. A depressão ocorre em pessoas reais com histórias de vida reais face a eventos da vida real. O dogma de que a depressão é uma doença do cérebro serve aos interesses da indústria farmacêutica, sem dúvida; também serve para desistigmatizar a luta contra a depressão, o que é uma coisa boa. Mas é falso". Para Noe, a depressão é uma condição (ou um transtorno) da pessoa como um todo, não somente de seu cérebro. Além disso, a depressão não seria causada simplesmente por uma falha nas conexões cerebrais mas como uma resposta a situações reais e concretas da vida.

Sobre isso, algumas pessoas podem questionar: "ah, mas existem sujeitos que ficam deprimidos 'do nada'!" Será mesmo? Em minha prática clínica nunca encontrei pessoas deprimidas sem nenhum motivo. Algumas vezes, é isso que a pessoa diz inicialmente, mas, à medida que adentramos em sua vida subjetiva, sempre encontramos razões para sua tristeza. Pode ser que ela não tenha passado por nenhuma perda real (de uma pessoa ou de um emprego, por exemplo), mas provavelmente passou por alguma perda simbólica ou então se encontra em dúvida com relação aos seus caminhos ou ainda possui uma visão extremamente negativa da vida e das relações - visão esta anterior à crise depressiva. "Ah, mas esta é somente sua experiência clínica. Você não pode generalizar! Você tem dados?". Infelizmente não tenho dados para "provar" meu argumento (como também cobrou de mim o neurocientista N. em outro post). Além disso, não tenho imagens cerebrais ou gráficos coloridos, que certamente convenceriam mais as pessoas - embora muitas vezes não digam nada de relevante. De toda forma, meu ponto já deve ter ficado claro: a depressão não é um problema cerebral. É um problema que afeta o cérebro, certamente, mas não é causado simplesmente por alterações neuronais (o que não descarto totalmente) mas, principalmente, como resposta a perdas reais e simbólicas na vida concreta da pessoa.

E é neste sentido que penso que as medicações podem ajudar sim e muito. Mesmo não sendo um problema cerebral, a depressão se reflete no cérebro - e intervenções medicamentosas podem ser extremamente úteis e necessárias para a pessoa sair de um estado de apatia e desânimo e voltar a encarar os desafios da vida. Mas medicações não curam ou extirpam a depressão da pessoa pois esta se relaciona não simplesmente a alterações em seu cérebro mas também à sua maneira de ser e estar no mundo. Isto não significa - é bom deixar claro - que a depressão seja culpa da pessoa ou então que seja fraqueza ou falta de força de vontade. De forma alguma! Isto significa que a tristeza (e seu excesso, a depressão) possui forte relação com a forma pela qual a pessoa vê e encara a vida e também com o mundo ao seu redor. Apesar de desconfiar imensamente das estatísticas sobre depressão disseminadas pelos psiquiatras (que tendem a refletir menos a suposta realidade endêmica do problema e muito mais a ampliação e a banalização do diagnóstico moderno de depressão), acredito que o mundo moderno  - que Bauman chamaria de "líquido" - contribui significativamente para a constituição dos sujeitos depressivos (a ideia de neuroplasticidade, tão em voga no meio neurocientífico atualmente, não é justamente de que o cérebro é moldado no/pelo mundo?). E é neste sentido que penso que embora as medicações possam contribuir imensamente na diminuição dos sintomas depressivos, o buraco neste e em tantos outros casos, é muito mais embaixo. Simplesmente não dá pra dizer que caso Fausto Fanti e Robin Willians tivessem sido corretamente medicados, suas histórias e seus desfechos seriam outros. Talvez sim, talvez não. Jamais saberemos. O que sei é que viver e encarar os desafios da vida, definitivamente, não é nada fácil. Pra ninguém.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Lado direito versus lado esquerdo do cérebro: origens históricas de um "neuromito"



Uma teoria controversa no meio científico, porém amplamente disseminada nos livros de auto-ajuda e também no meio educacional é a Teoria do Cérebro Duplo, também chamada de Teoria dos dois cérebros ou Teoria do Cérebro Dividido. Esta teoria aponta para uma especialização ou lateralização das funções cerebrais entre os dois hemisférios, considerados entidades autônomas. Você já deve ter lido em algum lugar: o lado direito do cérebro seria mais emocional, criativo e visual, enquanto que o esquerdo mais racional, lógico e verbal. Pois bem, esta teoria tem longa tradição não somente no meio educacional, como também no neurocientífico. 

Segundo o filósofo Francisco Ortega (neste texto), a história do cérebro duplo pode ser divida em dois momentos, sendo o ponto de corte a descoberta realizada por Paul Broca na década de 1860 de que a faculdade da linguagem estaria localizada no hemisfério esquerdo do cérebro - o que, segundo o autor deu inicio a formulações sobre a assimetria cerebral e sobre a dicotomia entre os hemisférios. Anteriormente, aponta, acreditava-se não haver qualquer diferença funcional entre os dois hemisférios. Os frenologistas, por exemplo, concebiam que cada hemisfério funcionava como um cérebro completo, sendo a loucura entendida como uma “ação independente e incongruente dos hemisférios”. Na mesma direção, Arthur Wigan (1785-1847), autor do livro The duality of the mind, publicado em 1844 (pré-Broca, portanto) concebia os hemisférios cerebrais como cérebros autônomos, completos e distintos, por vezes opostos, que, na saúde governariam um ao outro enquanto que na doença seguiriam caminhos distintos, agindo de forma autônoma. Seu entendimento culmina na proposta de uma “pedagogia cerebral” voltada para o exercício e cultivo do cérebro – e, especificamente, para o desenvolvimento do controle de um hemisfério sobre o outro. Wigan defendia que tal programa de aperfeiçoamento cerebral devia ser absorvido pelos sistemas educativo, penal e de saúde mental de seu tempo.

Charles-Édouard Brown-Séquard
Já na época pós-Broca um nome que se destaca é o do neurologista britânico Charles-Édouard Brown-Séquard (1817-1894). Este autor estava interessado especialmente nas possíveis aplicações da teoria de Wigan no campo educacional. Seu “projeto neuroeducativo”, nesse sentido, visava a educação e o desenvolvimento de ambos os hemisférios. O autor não acreditava, contudo, que a diferença funcional entre os hemisférios, estabelecida por Broca, se devesse a diferenças estruturais inatas no sistema nervoso, mas sim a falhas no processo educativo. Nesse sentido, e com o objetivo de reverter tais diferenças, o autor criou um programa de exercícios, majoritariamente de natureza motora (com grande destaque para exercícios com as mãos), voltado para o fortalecimento de cada um dos hemisférios do cérebro. 

Tal proposta encontra ressonância até hoje em programas do tipo Brain Gym como aquele criado na década de 1980 por Paul Denisson e Gail Denisson, e que consiste de uma série de 26 movimentos “simples e agradáveis” voltados ao aprimoramento do aprendizado, utilizando os dois lados do cérebro. A lógica por trás de ambas propostas é que o hemisfério direito é ativado e fortalecido quando o lado esquerdo do corpo é exercitado, e vice-versa. Como apontam estes autores, os movimentos cruzados, base de sua Educação Cinética, “ajudam a praticar o uso simultâneo dos dois hemisférios, fazendo o X (a interligação) funcionar cada vez melhor!” [Em seu livro Ciência Picareta, o médico Ben Godacre (2013) dedica um capítulo inteiro ao Brain Gym. Segundo ele, “existe um vasto império de pseudociência sendo comercializado por altas cifras nas escolas públicas de todo o Reino Unido, chamado ginástica cerebral . Onipresente em todo o sistema público de educação britânico, foi completamente engolido pelos professores, é apresentado diretamente às crianças e está repleto de bobagens óbvias, constrangedoras e embaraçosas". Para o autor, tais propostas se constituem como uma “privatização espúria do bom senso”, na medida em que, retirado todo o jargão pretensamente científico, o que sobra é a recomendação de pausas regulares entre as aulas, de exercícios físicos intermitentes e de beber muita água. Segundo ele, isto é sensato. O que lhe preocupa, no entanto, é que “este processo de profissionalizar o óbvio alimenta um senso de mistério ao redor da ciência e dos conselhos de saúde, que é desnecessário e destrutivo”]

A proposta neuroeducativa de Brown-Séquard, de certa forma, antecipou, como aponta Ortega, o movimento de ambidestrismo, iniciado no início do século XX. James Liberty Tadd (1854-1917), por exemplo, propôs em seu livro New methods in education, publicado em 1900, um programa neuroascético baseado no ensino ambidestro, voltado para o aperfeiçoamento dos hemisférios cerebrais. De toda forma, a ideia do cérebro duplo foi utilizada e atualizada por neurocientistas, educadores e outros por todo o século XX. Ortega chama atenção para a importância do “movimento” Self-Help (Auto-ajuda), iniciado no século XIX e que teve no século XX seu apogeu. Baseado nas noções de responsabilidade, aperfeiçoamento e autocontrole – não por acaso, considerados ideais pela frenologia – a auto-ajuda rapidamente incorporou a noção de cérebro duplo associada à perspectiva neuroascética de que o cérebro (e cada hemisfério, especialmente o direito) deveria ser treinado e exercitado, como se fosse um músculo. Ortega aponta que um importante tópico na autoajuda tradicional “é a ideia da mente dividida e em luta – sendo uma parte dela insubmissa, devendo ser controlada ou subutilizada”, noção que possui forte proximidade com a tradição do cérebro duplo iniciada por Wigan. O autor aponta também que na época pós-Broca o hemisfério esquerdo passou a ser considerado superior ao direito por estar relacionado a funções “intelectuais e civilizadas”, comumente associadas ao homem branco e europeu; por outro lado, o hemisfério direito, caracterizado como mais emotivo e irracional, foi associado às mulheres, aos negros, aos criminosos, aos loucos, etc, ou seja, a todos aqueles considerados inferiores.

Esta perspectiva que divide o cérebro em dois cérebros autônomos, sendo cada um portador de características específicas, foi incorporada pelo “movimento” da autoajuda, gerando, especialmente a partir da década de 1960, uma amplo mercado de livros e oficinas dedicado ao desenvolvimento ou reabilitação do lado direito do cérebro. Especialmente na pedagogia, Ortega aponta para o surgimento de uma “moda neuroeducativa” que defendia o treinamento escolar do hemisfério direito como contraposição à educação tradicional, que seria baseada no hemisfério esquerdo, de forma a gerar um “equilíbrio hemisférico no currículo”. Tal entendimento encontra até hoje ressonância no campo educacional brasileiro, como sinaliza a publicação do livro O lado direito do cérebro e sua exploração em sala de aula, pelo conhecido educador Celso Antunes. Neste livro, o autor apresenta uma série de jogos e dinâmicas a serem utilizados pelo professor com seus alunos de forma a exercitar e fortalecer o hemisfério direito, considerado mais criativo e intuitivo e, por isso chamado de hemisfério cerebral essencial. Neste sentido, Antunes aponta que “não é, absolutamente, fácil exercitar o hemisfério direito do cérebro face à nossa enraizada prática de quase sempre utilizar-se mais do hemisfério esquerdo”. Temos de um lado, portanto, a educação tradicional, entendida como centrada no hemisfério esquerdo – ou seja, na racionalidade, na lógica, na linguagem verbal – e de outro, propostas que defendem o fortalecimento do lado direito – ou seja, da criatividade, da intuição, da emoção.  

Atualmente a teoria do cérebro duplo é rejeitada, sendo considerada neuromito, pelo establishment neurocientífico. Segundo o professor John Geake (nesse artigo), uma característica fundamental do funcionamento cerebral é sua interconectividade, ou seja, o fato de que todas as suas partes interagem de forma ativa umas com as outras. Os neuromitos, por sua vez, tipicamente ignoram tal característica, apontando para uma visão compartimentada/ modularizada do cérebro - caso da teoria do Cérebro duplo. Apesar disso, tal teoria continua sendo amplamente utilizada por autores de livros de autoajuda e também na literatura educacional. Importante ressaltar que tal divergência não se encontra na divisão entre hemisfério esquerdo e direito. Tanto neurocientistas quanto educadores e autores de livros de auto-ajuda concordam que o cérebro possui dois hemisférios conectados por um feixe de filamentos nervosos denominado corpo caloso – e mesmo que cada hemisfério possui funções específicas (o esquerdo, por exemplo, estaria envolvido, em grande parte das pessoas, com os movimentos do lado direito do corpo assim como com o controle da fala, ao passo que o direito com os movimentos do lado esquerdo e com a identificação de categorias gerais). A ideia de lateralização é aceita, em geral, por todos. As divergências se encontram especialmente na ideia, defendida por alguns autores, de que cada hemisfério se constitui enquanto uma entidade autônoma, havendo, portanto, dois cérebros diferentes com funções exclusivas - sendo o esquerdo racional e lógico e o direito emocional, intuitivo e criativo -, assim como no entendimento de que haveria uma variação entre os indivíduos com relação dominância de um hemisfério sobre o outro – sendo o hemisfério esquerdo majoritariamente dominante nos homens e o hemisfério direito nas mulheres. Outra ideia controversa, decorrente desta é de que, sendo constitutivamente diferentes, meninos e meninas deveriam ser educados de maneira diferenciada, mas isto é assunto para um outro post.





Trecho extraído e adaptado da minha dissertação, intitulada "O cérebro vai à escola": um estudo sobre a aproximação entre Neurociências e Educação no Brasil (leia na íntegra aqui). 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

6 anos de blog!!!





Acabei esquecendo e deixando passar batido, mas no mês passado este bloguinho completou 6 anos de existência. Sim, 6 anos! Uma eternidade no que diz respeito ao mundo dos blogs! No dia 17 de Julho de 2008, após abandonar meu blog anterior (o Magnolia), criei o Psicologia dos Psicólogos, cujo nome foi inspirado no título de um livro do filósofo Hilton Japiassu. Tendo me formado em Psicologia no final de 2007 pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Julho de 2008 eu estava à espera de ser chamado para um concurso que havia passado no mês anterior. Fui convocado somente em Setembro e neste limbo aproveitei para criar e atualizar o blog com o que me interessava na época: cartuns, charges e quadrinhos relacionados à temas da Psicologia. Se você olhar os primeiros posts do blog verá que ele se resumia a um espaço de compartilhamento de imagens engraçadinhas e rápidas informações sobre o mundo psi no Brasil. Raros eram os textos mais profundos e reflexivos.

Comecei meu trabalho como psicólogo - na Divisão Psicossocial da Universidade Federal de Viçosa (UFV), onde ainda trabalho - no dia 01 de Setembro de 2008. E com essa inserção no mundo do trabalho, meus interesses mudaram e isto, logicamente, se refletiu no blog. Continuei postando imagens de humor, mas também passei a inserir alguns textos autorais. Na verdade, já no primeiro mês de funcionamento do blog, publiquei um texto que até hoje consta dentre os mais acessados: “E Agora, José?” Os caminhos pós-formatura em questão!. Neste texto, que escrevi originalmente para o jornal do centro acadêmico do curso de Psicologia da UFJF, discuti, a partir do que estava vivendo naquele momento, as possibilidades de inserção do recém-formado em Psicologia no mundo do trabalho. 

O Segredo

No mês seguinte publiquei uma resenha do livro de auto-ajuda O segredo, o que me levou a conhecer o terrível mundo dos comentadores da internet. Deem só uma olhada neste comentário, escrito por um caloroso defensor do livro O segredo: "Uma grande besteira é um individuo egocêntrico e achista como o infeliz que publica este post trata-se de um frustado bacharel em psicologia tentando impor uma opnião desclassificada que fechou as portas do mercado de trabalho a ele, obrigando o mesmo a criticar inutilmente um livro de primeira qualidade que esmaga seus pensamentos e textos exdruxulos e mediocres.Não me comportarei como os bajuladores acima que são uns parasitas sociais assim como o blogueiro, seus comportamentos criticos denotam a intelectualidade deles.Por fim oh mediocre criatura que escreve essas inúteis postagens use essa sua psicologia de quinta para ajudar se livrar deste complexo do Eu somente eu". 

Isto é apenas um exemplo do que estamos sujeitos ao expor publicamente - ou seja, sem a proteção do anonimato - nossa  opinião  na internet. Recebi muitos comentários semelhantes e até piores desde então - alguns, excessivamente agressivos ou sem sentido, eu nem autorizei serem publicados no blog. Já sofri inclusive ameaça de processo por um charlatão que afirmava viver de luz e mover as nuvens com a força de seu pensamento - na época, fiquei com medo e acabei deletando o post (hoje provavelmente manteria a publicação) - e já fui até ameaçado de morte por algum fanático defensor da tal psicóloga cristã. Tais ameaças me deixavam péssimo e me faziam pensar em desistir do blog, mas decidi continuar pois gosto de escrever e estes fanáticos são minoria dentre os comentadores. Além do mais, grande parte das ameaças são fogo de palha. Ainda bem.

Pois bem, desde 2008, o blog já teve várias caras, refletindo os diversos interesses que fui tendo ao longo do tempo. Em 2009, enquanto cursava a especialização em Ciências Humanas e Saúde, também pela UFJF, me aproximei de discussões sobre a distinção entre normal e patológico, tema que me interesso até hoje. Escrevi minha monografia da especialização sobre a obra O normal e o patológico, do Georges Canguilhem, autor que já mencionei em diversos posts. Mais à frente, no mestrado, decidi estudar a aproximação entre as neurociências e a educação, o que refletiu, de certa forma, meu interesse pelo campo da filosofia da mente assim como pelas discussões sobre a medicalização da vida e da educação - que tratei em inúmeros posts. Outros temas sobre os quais já escrevi e continuo escrevendo bastante são: a relação entre psicologia e religião, as representações sociais do psicólogo, discussões sobre as homoafetividades (o tema da "cura gay" rendeu diversos posts), etc. Além disso, enquanto um apreciador da sétima arte, escrevi sobre diversos filmes no decorrer dos anos.

No entanto, não é nada fácil escrever para um blog. Aliás, escrever, em geral não é nada fácil, pelo menos pra mim. Este é um dos motivos pelos quais passei vários períodos sem postar nada. Se olharmos a sessão de Arquivos do blog aqui do lado, é possível notar vários momentos de inatividade do blog (o que é bastante comum - aliás, acho incrível blogs que publicam diariamente, como a da Lola). Além disso, venho publicando cada vez menos. Só pra se ter uma ideia: no primeiro ano do blog publiquei 112 posts (em grande parte com imagens ou textos de outras pessoas); em 2009, publiquei incríveis 202 posts (majoritariamente imagens e textos curtos); em 2010 foram 90; em 2011 aumentou um pouco (120) para em seguida diminuir (91). Em 2013, estava na metade final do mestrado, alucinado, escrevendo a dissertação, o que me fez publicar apenas 15 posts. Em 2014, finalizado o mestrado (ufa!) publiquei até agora 13 posts, em grande parte escritos no último mês. No total, então, já foram publicados no blog, com este, cerca de 640 posts. Parece muita coisa, mas não é. Se formos observar, cerca de 80% dos posts são compostos por imagens e textos breves, em grande parte reproduzidos de outro blog ou site. Os textos autorais começaram a ser publicados especialmente a partir de 2012. Por isso, considero que o blog teve uma diminuição quantitativa de posts, mas um aumento qualitativo dos mesmos. E isto teve como consequência um aumento na visibilidade do blog. Não acompanho muito as estatísticas pelo Google Analytics, mas sei que o blog já teve mais de 1 milhão de visitas, pelo menos desde 2012 quando comecei a contabilizar. A média de visitas por mês é de cerca de 20 mil. Por tudo isso agradeço imensamente à você, leitor desse blog, por todas as visitas, por curtir nossas publicações no Facebook e por compartilhar e comentar nossos posts. Valeu! De coração!