quarta-feira, 27 de outubro de 2021

#Repost: Não que fosse novidade, mas decifrar o cérebro não é fácil - Ronaldo Gogoni

Compartilho abaixo um artigo escrito pelo colunista Ronaldo Gogoni e publicado no Tecnoblog no dia 11 de outubro de 2021.

A ideia foi bem intencionada: no início dos anos 2010, os Estados Unidos e a União Europeia anunciaram projetos de fomento à pesquisa científica, com o intuito de mapear e decifrar de uma vez por todas o cérebro humano.

Uma década depois, embora ambas inciativas tenham rendido resultados associados, elas não demonstraram soluções disruptivas para entender como o órgão funciona, e nem chegaram perto de replicá-lo digitalmente.

A Iniciativa BRAIN (acrônimo recursivo para Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies, ou Pesquisa Cerebral através de Neurotecnologias Inovadoras Avançadas em português), criada pelo então presidente dos EUA Barack Obama em 2013, se originou dos trabalhos de dois especialistas, o neurobiólogo Rafael Yuste (Universidade de Columbia) e o geneticista George Church (Harvard).

A proposta, apresentada originalmente em 2011, era bem "simples": mapear toda a atividade cerebral, ao nível de neurônios individuais, de um total de 86 bilhões, e entender como elas se formam e funcionam. A pesquisa visava ganhos práticos em áreas como a medicina, ajudando a entender e melhor tratar doenças degenerativas, como o Mal de Alzheimer, desordens como autismo e epilepsia, e males como depressão, esquizofrenia e outros.

A longo prazo, a pesquisa poderia fornecer novos dados para entender o processo de pensamento e formação de consciência, onde ela começa e como se estabelece. O projeto, publicado em um artigo em 2012, chamou a atenção da comunidade e do governo, que viu nele a oportunidade de estabelecer os EUA como os responsáveis pelo equivalente do "Projeto Genoma" para o século 21.

A Iniciativa BRAIN foi oficializada em fevereiro de 2013, meses antes do europeu Human Brain Project, embora as raízes deste serem mais antigas e ambiciosas. Em 2009 Henry Markram, neurocientista da École Polytechnique de Lausanne, Suíça, apresentou no TED uma palestra onde afirmou que seria possível simular um cérebro humano em um computador, neurônio por neurônio, modelado tridimensionalmente e em escala, em apenas uma década.

Em janeiro de 2013, Markram recebeu um aporte de US$ 1,3 bilhão da UE para tocar seu projeto, que foi anunciado ao público em outubro daquele ano. Ambos projetos dispararam pesquisas relacionadas em diversos países, como Japão, Austrália, Canadá, Israel, Coreia do Sul e China, entre outros. Até o Brasil entrou na onda, através do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia - BRAINN.

Ambos projetos eram promissores no início, e sendo justo, apresentaram resultados em diversas frentes. O Human Brain Project, por exemplo, proveu meios para a criação de um atlas virtual, viabilizou pesquisas que mapearam 25 mil sinapses do hipocampo, região que rege a memória e uma das primeiras afetadas pelo Alzheimer, forneceu dados para o desenvolvimento de próteses robóticas com senso de tato, e mais.

Um desses projetos interessantes é o SpiNNaker, um supercomputador baseado em redes neurais e equipado com 30 mil chips, cada um sendo capaz de emular 16 mil neurônios e 8 milhões de sinapses, em tempo real. No total, o hardware é capaz de simular 480 milhões de neurônios.

Parece muita coisa, e é, o SpinNNaker supera em muito vários outros computadores voltados a simulação de sinapses, mas esse montante de neurônios representa apenas 0,56% do total presente no cérebro humano.

O problema é que mesmo rendendo pesquisas paralelas, a pesquisa principal não estava apresentando resultados concretos. Desde o início, a Iniciativa BRAIN e o Human Brain Project foram alvos de diversos críticos dentro da comunidade acadêmica, por conta dos custos altos e outros problemas, como conflitos entre os pesquisadores nos EUA, referentes a metodologia e condução do projeto.

Do lado europeu, o projeto foi capitaneado por Markram, que era o líder de um conselho de 3 diretores. Em 2015, os diretores alteraram a hierarquia para um grupo responsável composto por 22 profissionais, liderado inicialmente por Christoph Ebell, um empreendedor suíço com experiência em diplomacia envolvendo pesquisa científica. Seu trabalho, fazer o Human Brain Project dar resultados. Três anos depois, ele também saiu.

Com o tempo, ambas iniciativas reviram suas prioridades para metas mais realistas. Ainda em 2014, a Iniciativa BRAIN anunciou que focaria em tecnologias de sondagem ao invés de mapeamento, e em 2018, o Human Brain Project passou a fornecer infraestrutura para pesquisas voltadas a criar imagens computacionais do cérebro, e análise de dados relacionados.

Alguns dos empecilhos esbarram em problemas de conceito. A empreitada europeia é sequer considerada viável por boa parte da comunidade científica. Roger Penrose, em seu livro A Mente Nova do Rei, e Miguel Nicolelis e Ronald Cicurel, em O Cérebro Relativístico, defendem que o cérebro não pode ser simulado virtualmente, por não ser um problema computável.

O primeiro defende que como o órgão trabalha tanto no nível atômico (interações entre moléculas) quanto no quântico (partículas), nenhuma máquina por mais avançada, mesmo a de Turing, é capaz de reproduzir seu funcionamento. Na essência, um sistema quântico não pode ser previsto, e se o cérebro depende de todas as interações entre partículas para ser reproduzido (lembrando que a observação altera o comportamento), não há como resolver esse dilema, ao menos, não com o que temos à mão hoje.

Hoje, ambos projetos estão no fim de seus prazos. A Iniciativa BRAIN deve ser financiada até 2026, enquanto que espera-se que os trabalhos finais acerca do Human Brain Project sejam apresentados em 2023. Embora as expectativas para ambos tenha sido alta demais, não dá para dizer que eles foram fracassos, pois foram esforços que avançaram em muito o entendimento do cérebro, e viabilizaram novos tratamentos e sistemas.

Tudo bem que ainda estamos bem longe de criar o primeiro cérebro positrônico, mas há quem acredite que pensar nem seja isso tudo.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Palestra: "Aproximações entre Neurociências e Educação: desafios, limites, e possibilidades"

No último dia 21 de setembro eu dei uma palestra, intitulada "Aproximações entre Neurociências e Educação: Desafios, limites, e possibilidades", para o o recém-criado Grupo de Pesquisas Neurociências, comportamento e cognição ligado à Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Esta palestra faz parte de um Ciclo de lives intitulado "Neurociências e Educação: aproximações críticas", que está sendo organzado pela Neuroliga Marabá assim como pelo PPGECM. A palestra foi coordenada pelo professor Caio Maximino e transmitida em seu canal no Youtube. Como cheguei a comentar no Instagram (me segue lá: @felipestephan), este é o único tema que eu me considero de fato um especialista - no sentido de já ter lido muita coisa a respeito ao longo da última década. Estudei essa questão mais profundamente para a minha dissertação - que resultou no meu primeiro livro, "O cérebro vai à escola: aproximações entre neurociências e educação no Brasil", mas eu continuei lendo e tentando me manter atualizado sobre o assunto desde o fim do mestrado, em 2014. No meu segundo livro, inclusive, constam dois ensaios sobre a questão da aproximação entre neurociências e educação. Hoje já acho que tenho uma boa bagagem sobre o tema, que eu gosto muito de debater. Caso tenha interesse, assista a palestra, na íntegra, abaixo.