domingo, 31 de janeiro de 2021

"8 em Istambul" e os desafios da empatia

O título em português da série turca Bir Başkadır - "8 em Istambul" - não é lá muito preciso, já que bem mais do que 8 personagens dominam a narrativa - aliás, eu nem saberia dizer exatamente quem são estes tais 8. O título original, bem mais interessante, remete a um dito popular turco que aponta para algo ou alguém único, peculiar, singular. Pois esta expressão, impossível de ser traduzida, sintetiza muito bem a proposta desta maravilhosa série da Netflix, que é retratar a vida singular de alguns moradores da multifacetada cidade de Istambul, na Turquia. Dentre estes personagens temos Meryem, que pode ser considerada a protagonista da série, já que todos os demais personagens possuem alguma relação, direta ou indireta, com ela: seu irmão Yasin, sua cunhada Ruhiye, sua terapeuta Peri, a terapeuta de sua terapeuta Gülbin, seu líder religioso Hodja, seu patrão Sinan, dentre outros. A série tem início com Meryem se consultando, pela primeira vez, com a psiquiatra e psicoterapeuta Peri em um hospital da cidade. Meryem vinha tendo alguns desmaios e, por isso, foi encaminhada à psiquiatria pelo médico que lhe atendeu inicialmente. E é a partir dessa situação que a série se desenrola - e cabe apontar que não pretendo neste breve ensaio analisar todos os núcleos e histórias da série; gostaria de me focar especificamente na relação de Meryem com sua terapeuta Peri. Como descobrimos logo nos primeiros episódios, Peri é uma mulher ocidentalizada que nutre dentro de si um grande preconceito - e mesmo uma repulsa - com relação à mulheres muçulmanas que usam véu; pois Meryem é justamente uma mulher muçulmana que usa véu, o que constitui, para Peri, um desafio terapêutico e pessoal imenso - tanto que em inúmeras ocasiões Peri relata para sua própria terapeuta e supervisora, Gülbin, dificuldades no atendimento com Meryem, que os psicanalistas poderiam chamar de dificuldades transferenciais. Pois o fato é que, embora habitem a mesma cidade, Peri e Meryem possuem vidas e subjetividades completamente diferentes, como se habitassem mundos distintos. E esta distância - que está mais para um abismo - dificulta imensamente que Peri se conecte com Meryem e sinta empatia por ela. Afinal de contas, como se conectar e empatizar com uma pessoa que representa tudo aquilo que você rejeita? Este, aliás, é um imenso desafio para todos os terapeutas. Eu próprio já atendi e atendo com frequência inúmeras pessoas com identidades e visões de mundo radicalmente diferentes das minhas e isto sem dúvida traz consigo imensos desafios subjetivos. Como me "colocar no lugar" de uma pessoa que pensa e age de forma completamente diferente de mim? Na verdade, o problema é ainda mais complexo que isso, pois diz respeito não apenas àquelas pessoas com visões de mundo muito diferentes das minhas mas, no final das contas, à todas as pessoas. Como saber, por exemplo, se aquilo que um paciente chama de ansiedade ou tristeza ou angústia é exatamente aquilo que eu próprio chamo e sinto? Como já apontei em outras ocasiões - por exemplo, na resenha que fiz do filme A chegada - não temos, de fato, como saber. Este abismo entre a minha própria subjetividade e as demais subjetividades, incluindo aquelas dos meus pacientes, não é facilmente transponível ou superável. No entanto, apesar destas dificuldades, precisamos seguir com o nosso ofício. E também, como Peri, precisamos compreender melhor nossos preconceitos e, na medida do possível, superá-los, de forma que possamos nos conectar verdadeiramente com nossos pacientes. O desafio - para a terapia e para a vida em geral - está em lidar com o outro especialmente naquilo que ele é diferente de nós. Como aponta um famoso provérbio, atribuído ao mestre Paulo Freire, "amar o igual é amar a si próprio. O desafio está em amar o diferente". No caso de uma psicoterapia eu não diria que precisamos amar nossos pacientes - embora isto seja possível e até desejável, dentro de certos limites éticos e profissionais - mas certamente precisamos fazer o que estiver ao nosso alcance para nos conectarmos às suas vidas subjetivas naquilo que elas tem de mais peculiar. 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Aversão de si: uma resenha do livro O olho mais azul

Há algum tempo comecei a ler o livro Amada, da escritora norte-americana Toni Morrison e achei o início bem difícil e confuso, o que me levou a desistir temporariamente da leitura - que pretendo retomar em breve. Daí eu comentei sobre essa dificuldade em uma rede social e uma colega me sugeriu iniciar a obra de Morisson por seu primeiro livro, O olho mais azul, publicado originalmente em 1970. E foi o que fiz. E de fato achei a leitura deste livro bem mais tranquila e fluida, ainda que se trate de uma narrativa fragmentada e não-linear - como a própria autora explica no posfácio, ela quis "quebrar a narrativa em partes a serem reunidas pelo leitor". Pois a trama de O olho mais azul gira ao redor da família Breedlove, uma família afro-americana pobre composta pela mãe (Polly), pelo pai (Cholly) e pelos dois filhos (o garoto Sammy e a garota Pecola, que é a protagonista da história). Trata-se, sem dúvida, de uma família bastante problemática: o pai bebe demais e frequentemente bate na mãe e abusa das crianças; já a mãe dedica todo o seu amor e cuidado à família branca para quem ela trabalha há décadas; e as crianças são, assim, negligenciadas e maltratadas e sofrem com tudo isso. Pecola sofre ainda, terrivelmente, por ser considerada feia tanto por sua família quanto por seus vizinhos e colegas. Por ter o cabelo crespo e a pele mais escura que grande parte de seus colegas de escola, Pecola é frequentemente ridicularizada, humilhada e rejeitada pelas pessoas ao seu redor. E por conta disso, ela sonha e deseja ardentemente possuir os olhos azuis, como as meninas que ela (e toda a sociedade) consideram bonitas - aliás, Pecola não deseja simplesmente ter os olhos azuis; ela quer ter os olhos mais azuis dentre todos os olhos azuis. No posfácio do livro, Morisson afirma que este desejo tem relação com uma forte "aversão por si mesma", de origem racial, que acomete Pecola e grande parte das garotas negras - e das pessoas negras em geral. Na narrativa da autora, tal aversão ou desvalorização de si diz respeito a algo que, como o próprio racismo, acaba por persistir, de geração em geração, por meio da reprodução dos valores (e desvalores) dominantes. Mas este é apenas um dos inúmeros temas e questões tratados pela autora - a primeira mulher negra a receber o Prêmio Nobel - neste excelente e complexo romance. Recomendo fortemente!

Trecho do livro: "Tinha ocorrido a Pecola, havia algum tempo, que, se os seus olhos, aqueles olhos que retinham as imagens e conheciam as cenas, fossem diferentes, ou seja, bonitos, ela seria diferente. Tinha bons dentes, e o nariz, pelo menos, não era grande e chato como o de algumas garotas que eram consideradas tão bonitinhas. Se tivesse outra aparência, se fosse bonita, talvez Cholly fosse diferente, e a sra. Breedlove também. Talvez eles dissessem: “Ora, vejam que olhos bonitos os da Pecola. Não devemos fazer coisas ruins na frente desses olhos bonitos” (...) Toda noite, sem falta, ela rezava para ter olhos azuis. Fazia um ano que rezava fervorosamente. Embora um tanto desanimada, não tinha perdido a esperança. Levaria muito, muito tempo para que uma coisa maravilhosa como aquela acontecesse".

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Tão perto, tão longe: breves apontamentos sobre o livro "Impressões de Michel Foucault"

Taí um ótimo livro para quem quer se aproximar das ideias de Michel Foucault. Nesta obra autobiográfica, o renomado filósofo Roberto Machado conta saborosas histórias sobre sua convivência com Foucault na década de 1970, no Brasil e na França - e entrelaça tais histórias com preciosos apontamentos sobre a obra foucaultiana, da qual é um dos maiores especialistas brasileiros. Gostei especialmente das reflexões de Machado sobre sua relação ambígua com Foucault, ao mesmo tempo próxima e distante, baseada tanto na admiração como no medo. Como aperitivo trago um belíssimo trecho do capítulo Proximidade e distância: "Uma extrema doçura transbordava de seus olhos, de sua voz, de seus gestos, de seu sorriso. Sua delicadeza sempre foi grande comigo. Talvez eu até não lhe tenha correspondido direito, por timidez, medo, respeito. Nos momentos de maior intimidade, quando estava a alguns centímetros dele, não deixava de me sentir a quilômetros. Também pudera. Ele era a pessoa que mais havia contribuído para o meu pensamento, transformado minha vida. Alguém de quem eu havia lido quase tudo. Sobre quem estava escrevendo. Que havia traduzido. Como não ficar intimidado? Mas, mesmo tendo sido sempre delicado comigo, ele tinha um lado terrível. Talvez, além de generoso, fosse cruel. Alguém que metia medo. Seus olhos argutos, que, sem arrogância, pareciam perscrutar uma verdade secreta, sua boca, crispada, prestes a expressar uma visão singular desconcertante numa voz forte, metálica, suas posturas improváveis, incomuns, atípicas, seus gestos vivos, que orquestravam com exatidão pensamentos exigentes, podiam destruir alguém sem esforço. Sentia-se que era perigoso".

Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

"A assistente" e a saúde mental no trabalho

No sensacional filme "A assistente", recém-lançado pela Prime Video, acompanhamos, do início ao fim, um dia de trabalho na vida de Jane, uma jovem secretária de uma grande e renomada produtora de cinema. Sua rotina, extenuante, é composta por milhares de pequenas funções ligadas à burocracia, à organização e à limpeza do escritório  e, especialmente, ao gerenciamento da vida profissional (e também pessoal) do poderoso chefão da companhia. Pra piorar, Jane é invisibilizada e diminuída pela equipe e frequentemente humilhada por seu chefe e por outros colegas de trabalho - todos homens, claro. Aliás, o ambiente da empresa é totalmente impregnado de uma machismo indisfarçável, o que pode ser observado não apenas na forma humilhante como Jane é tratada mas também na maneira como o chefão assedia, inclusive sexualmente, as novas funcionárias e candidatas a atrizes. Igualmente sintomático deste ambiente machista é a conivência do setor de RH da empresa com relação ao comportamento sistematicamente assediador do chefe. E pra piorar ainda mais a situação de Jane e das demais funcionárias assediadas moral e/ou sexualmente pelos homens da empresa, há uma espécie de cobrança social para que elas sejam gratas ao emprego que conseguiram - afinal de contas, elas fazem parte da prestigiosa indústria cinematográfica norte-americana, ainda que no nível mais baixo da hierarquia. Mas para além das discussões sobre machismo e assédio no ambiente de trabalho, já amplamente analisadas em outras resenhas do filme, gostaria aqui de trazer um outra questão. Seria possível, em um ambiente tóxico como o da empresa retratada, uma funcionária como Jane ter algum nível de saúde mental? Porque se a saúde mental depende apenas ou fortemente  do indivíduo, então cabe somente a ele buscar maneiras de se "blindar emocionalmente" de tal toxicidade e se sentir bem apesar de todos os abusos e opressões. A grande questão é que a saúde mental não depende apenas do esforço e da força de vontade do indivíduo, estando fortemente relacionada ao ambiente em que este se encontra. Não é por outro motivo que o sofrimento psíquico (que eu jamais equivaleria à categoria de transtorno mental) provavelmente aumentou consideravelmente neste período de pandemia: porque somos seres relacionais e contextuais e o que acontece conosco e ao nosso redor (seja no ambiente de trabalho seja no mundo como um todo) influencia nossa subjetividade e, portanto, nossa saúde mental. Isto significa que é simplesmente inconcebível imaginar Jane mentalmente saudável em um ambiente tóxico como o que ela trabalha. 

sábado, 23 de janeiro de 2021

Minha participação no Mad in Brasil Conversatórios: "Em defesa de uma neurociência crítica"

Ontem à noite tive à honra de participar do "Mad in Brasil Conversatórios", que foi transmitido pelo Youtube. Para quem não conhece o Mad in Brasil, trata-se da versão brasileira do site Mad in America, criado pelo jornalista norte-americano Robert Whitaker, autor, dentre outros, dos livros Mad in America (infelizmente não traduzido para o português) e Anatomia de uma epidemia: Pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental, lançado pela editora Fiocruz em 2017. Coordenado pelo Fernando Freitas e pelo Paulo Amarante, ambos ligados à Fiocruz, o Mad in Brasil tem o propósito de trazer discussões críticas especialmente sobre o campo da psiquiatria. De acordo com o site, o MIB tem a missão de ampliar e fortalecer o diálogo entre aqueles que querem "repensar o modelo biomédico de doença e construir um novo paradigma de assistência em saúde mental". E foi com esse objetivo que eles iniciaram, no Instagram, o projeto Conversatórios, que se propõe a dialogar com pesquisadores brasileiros sobre temas ligados ao campo da saúde mental. O primeiro participante, em Outubro de 2020, foi o Fernando Freitas, seguido pelo Paulo Amarante, pela psicóloga Luciana Jamillo e pelo psicólogo Rogério Giannini. Pois agora, no quinto Conversatório, foi a minha vez. O titulo que sugeri para este bate-papo foi "Em defesa de uma neurociência crítica", que não por acaso é o mesmo título de um dos capítulos centrais do meu livro Você não é seu cérebro! E outros ensaios sobre psicologia, neurociências e cinema, que lancei em 2020. Caso tenha interesse, assista abaixo (ou diretamente no canal do Youtube do Mad in Brasil) a conversa que tive ontem com a Camila Motta, psicóloga e editora-assistente do MIB. Aproveito para agradecer ao psicólogo Lucas Gonçalves, também da equipe do site, pelo convite.
 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Meu novo livro: "Você não é seu cérebro! e outros ensaios sobre psicologia, neurociências e cinema"

Quem me acompanha nas redes sociais (especialmente no Instagram) já sabe que em 2020 eu lancei, pela editora Appris, meu segundo livro, uma coletânea de ensaios intitulada Você não é seu cérebro! e outros ensaios sobre psicologia, neurociências e cinema. Na verdade, devido à pandemia eu não pude lançar presencialmente o livro: tive que cancelar todos os lançamentos programados e "lançá-lo" apenas virtualmente. Eu acabei também não escrevendo sobre o livro aqui no blog, o que faço somente agora, quase um ano depois dele ser oficialmente publicado. Antes tarde do que nunca, não é mesmo? Pois bem, o livro é composto por 35 ensaios escritos ao longo dos últimos 10 anos para este blog, e tratam de temas diversos relacionados aos campos da neurociência, psicologia cognitiva e inteligência artificial. Segue abaixo, como um aperitivo, a introdução do meu novo livro:

Todos os 35 ensaios que compõem este livro foram originalmente publicados, ao longo de vários anos, no meu blog Psicologia dos Psicólogos - o que pode levar o leitor a questionar os motivos pelos quais eu decidi publicar, na forma de livro, textos que já estão disponíveis na internet. E eu respondo. Um primeiro (e mais romântico) motivo é que eu sou um apaixonado por livros. Amo ler, amo cheiro de livro, amo visitar livrarias e sebos e, desde criança, eu busco nos livros - e sempre encontro - refúgio, paz, discernimento, informação e sabedoria. Um segundo motivo é que os textos que compõem este livro estão dispersos no blog, espalhados em meio a inúmeros outros textos sobre assuntos diversos. Na seleção dos textos para este livro, escolhi apenas ensaios relacionados às temáticas da neurociência, psicologia cognitiva e inteligência artificial e busquei organizá-los de forma que os textos dialoguem entre si. Por fim, publicar estes 35 ensaios na forma de livro me daria também a oportunidade de revisá-los, corrigí-los e, eventualmente, melhorá-los. No fim das contas alterei pouco dos textos originais mas acabei por incluir inúmeras notas com as referências que utilizei para escrevê-los - o que, na linguagem simplificada e direta de um blog, não faz muito sentido. 

Criado em 2008, logo após eu finalizar a graduação, o blog Psicologia dos Psicólogos - cujo nome foi inspirado em um livro homônimo do filósofo Hilton Japiassu - tem sido, desde o início, um espaço de compartilhamento de reflexões sobre meus temas de interesse, que foram se alterando ao longo do tempo. Inicialmente, utilizei o blog para compartilhar charges e cartuns relacionados ao universo da Psicologia; posteriormente comecei a escrever alguns posts curtos com indicações de livros e filmes; mais à frente, especialmente após 2012 - ano em que ingressei no mestrado - passei a escrever textos maiores e mais profundos sobre temas diversos, em especial sobre as questões que estudava na pós-graduação. Em 2014 finalizei o mestrado e decidi transformar minha dissertação em livro - meu primeiro livro, “O cérebro vai à escola”: aproximações entre neurociências e educação no Brasil, que foi publicado em 2016 pela Paco Editorial. Nesta obra, assim como em inúmeros textos do blog - alguns selecionados para o presente livro - eu analiso os discursos das (e sobre as) neurociências. 

Meu interesse, tanto no primeiro livro quanto agora, continua sendo entender e refletir sobre esses neurodiscursos que possuem, atualmente, grande visibilidade e legitimidade, embora muitas vezes caiam em perigosas e equivocadas formas de reducionismo. De uma forma mais profunda o meu objetivo é refletir acerca de nossa própria humanidade. As perguntas-chave, que guiam praticamente todos os ensaios incluídos neste livro são: quem (ou o que) somos nós? Somos os nossos cérebros? Ou será que somos nossos corpos? Ou nossas mentes? O que, afinal de contas, define nossa identidade? Não pretendo, e nem seria possível, chegar a uma resposta definitiva para tais perguntas, mas eu arrisco algumas respostas, a começar por aquela que dá título ao livro: não, você não é seu cérebro! Mas então quem é você, quem sou eu e quem somos nós? Venha comigo e me acompanhe nesta jornada em busca do entendimento do que somos - e do que não somos.

Gostaria de fazer aqui também algumas considerações sobre o visual do livro. Quando a editora me questionou como eu gostaria da capa, eu respondi que minha única exigência era não ter uma imagem de cérebro. Além de óbvio isto seria equivocado, haja vista que em vários momentos do livro eu crítico a utilização de imagens e pseudoexplicações cerebrais para vender neurocoisas. Mas que imagem, então, colocar? Eu sugeri a eles uma imagem abstrata que retratasse a ideia de que ser humano e ambiente se constituem e se entrecruzam numa rede de influências mútuas onde é quase impossível determinar onde começa um e termina o outro - uma das ideias centrais que eu defendo no livro. Depois de um tempo a editora me enviou esta capa com esta bela imagem abstrata colorida e eu amei (e aprovei) de imediato. A imagem da capa passa justamente a ideia de mistura entre o biológico e o cultural que eu queria passar com o conteúdo do livro. Enfim, ficou exatamente do jeito que eu gostaria que ficasse!

Caso tenha interesse em adquirir meu livro, que está disponível em versão impressa e também ebook, basta clicar aqui. E para ter acesso a uma amostra do livro, clique aqui

E segue abaixo um video no qual eu apresento o livro e algumas de suas discussões:

"Eu também faço parte dessa cidade!": sobre Pacarrete e o lugar da loucura

Baseado em fatos reais, "Pacarrete" - filme brasileiro dirigido por Allan Deberton - conta a história de uma mulher sexagenária, moradora da cidade de Russas, no Ceará, que sonha em apresentar para a população local um número de balé do espetáculo O lago dos cisnes. Professora e bailarina quando jovem, Pacarrete, como é chamada, mora com a irmã, também idosa, e cuida dela com muito zelo. Mas todo o tempo que pode, se dedica a sonhar com sua apresentação de balé e a se preparar para ela. A grande questão do filme, e da história real que o inspirou, é que Pacarrete é louca - ou assim é vista pela população de Russas. Sabe aquele "doidinho" que todo mundo conhece, que faz e fala um monte de coisas (aparentemente) sem sentido, e que já faz parte da vida da cidade? Pois Pacarrete é justamente a "doidinha da cidade", aquela pessoa que todo mundo conhece e que, em geral, é motivo de piada por sua forma exótica (e por vezes inconveniente) de falar e se comportar. Algumas pessoas podem enxergar a maneira como Pacarrete é tratada por parte da população como uma forma de exclusão - e eu não me oporia totalmente a esta visão. No entanto vejo que Pacarrete está, de alguma forma, incluída em sua cidade. Muito comumente pessoas como ela são (e foram) excluídas da vida social e trancadas, e dopadas, e maltratadas, em hospitais psiquiátricos. Não Pacarrete. Embora ela seja motivo de piadas e tenha sua apresentação de balé constantemente negada pela prefeitura, ela faz parte da vida social de Russas. Como ela própria afirma em certo momento para a funcionária da prefeitura: "Eu também faço parte dessa cidade!". E de fato Pacarrete pertence à cidade, assim como todos os chamados "loucos" também deveriam pertencer. Ninguém deveria ser excluído e afastado da vida social por não se encaixar nos tais "padrões de normalidade". Esta é, para mim, uma das muitas lições deste sensível e magnífico filme.

domingo, 10 de janeiro de 2021

Sem razões para viver e para morrer: uma resenha do livro "Serotonina"

"É um comprimido pequeno, branco, oval, divisível". Assim tem início "Serotonina", último romance do escritor francês Michel Houellebecq - e o primeiro dele que eu li. O que mais me chamou a atenção quando vi a capa do livro em uma livraria virtual foi o título, que remete a um neurotransmissor cujo déficit, segundo os psiquiatras biológicos, estaria relacionado com os sintomas depressivos - alguns chegam a dizer, equivocadamente, que tal déficit causaria a depressão - e cujo equilíbrio é (ou seria) o foco dos antidepressivos, justamente a categoria de remédios consumida pelo protagonista e narrador deste livro sensacional. Florent-Claude Labrouste é um agrônomo de 46 anos, solitário e melancólico, que decide em certo momento procurar um psiquiatra e recebe a prescrição de um antidepressivo chamado Captorix. A grande questão é que um dos efeitos colaterais mais comuns desta medicação - e dos antidepressivos em geral - é a baixa de libido, efeito que Flourent sente com muito pesar. Sexualmente ativo por grande parte de sua vida, Flourent se vê, repentinamente, sem qualquer desejo sexual - e também sem qualquer outro desejo. Com tal indiferença, Flourent decide vagar pela França, de hotel em hotel, à procura de um amigo da época da faculdade e de alguns antigos amores - como que se despedindo deles e do mundo. Neste percurso nostálgico e melancólico, que faz de Serotonina uma espécie de "road book" deprê, o protagonista se envolve em situações variadas - inclusive, numa cena fantástica, se vê em meio a um radical protesto de produtores de leite no interior da França - e, durante todo o tempo reflete sobre seu passado e seus "fracassos", especialmente os amorosos. Flourent também reflete sobre uma infinidade de questões políticas e econômicas europeias e ainda tece interessantes considerações sobre a psiquiatria e os antidepressivos. Em certo momento, ao refletir sobre as funções biológicas da serotonina, afirma: "a conclusão a que pouco a pouco se chega é que a ciência médica continua confusa e aproximativa nessas questões, e que os antidepressivos fazem parte do numeroso grupo de medicamentos que funcionam (ou não) sem que se saiba exatamente por quê". Mais à frente, ao refletir sobre os efeitos do Captorix, Flourent afirma que tal remédio "não oferece qualquer forma de felicidade, nem sequer um alívio real, sua ação é de outro tipo: ao transformar a vida numa sucessão de formalidades, permite ir tocando o barco. Portanto, ajuda os homens a viverem, ou pelo menos a não morrerem - por um tempo". Enfim, trata-se de um belíssimo e melancólico livro que discute com muita sensibilidade temas complexos como a felicidade, o amor e a solidão.

Trecho do livro: "Agora eu era um homem ocidental de meia-idade, a salvo de passar necessidades por alguns anos, sem parentes nem amigos, carente de projetos pessoais tanto quanto de interesses verdadeiros, profundamente decepcionado com sua vida profissional anterior, e que, no âmbito sentimental, tinha vivido experiências diversificadas cujo denominador comum era a interrupção; carente, no fundo, tanto de razões para viver como de razões para morrer. Podia aproveitar para começar de novo, para me “reinventar”, como dizem comicamente nos programas de televisão e nos artigos de psicologia humana que saem em revistas especializadas; e também podia me entregar a uma inércia letárgica".

Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Em defesa da empatia: uma resenha da série "Despachos de outro lugar"

Para quem está à procura de uma série interessante para ver, gostaria de recomendar entusiasticamente a série Despachos de outro lugar (Dispaches from elsewhere), produzida pelo canal AMC e distribuída no Brasil pela Amazon Prime. Trata-se de uma das séries mais inovadoras, criativas, surpreendentes e sensíveis que eu já vi. Acho muito difícil resumir a história da série mas é possível dizer que ela é baseada em um experimento artístico-social real criado pelo artista norte-americano Jeff Hull, experimento esse retratado anteriormente pelo documentário The Institute, lançado em 2012 (que eu não vi). Criada pelo ator e roteirista Jason Siegel (o Marshall da série How I meet your mother), a série acompanha quatro dos participantes deste experimento: Peter (interpretado pelo próprio Siegel), Simone (interpretada pela atriz Eve Lindley), Fredwyyn (interpretado pelo ator e cantor Andre 3000, da banda Outkast) e Janice (interpretada pela veterana atriz Sally Field, a "mãe" de Forrest Gump). Dentre todos esses belíssimos e complexos personagens destaco Simone, uma bacharel em artes trans interpretada por uma atriz de fato trans - o que é raro mas fundamental. Trata-se da mais bela representação de uma mulher trans que eu já vi na televisão ou no cinema. Muito embora a questão trans não seja colocada de lado, a personagem é retratada, acima de tudo, como uma mulher - que é trans mas não se resume a essa identidade. É simplesmente linda e emocionante a forma como ela, e todos os demais personagens, são retratados. Sem dar nenhum spoiler (e o ideal é ver a série "às cegas", sem saber muito a respeito, como eu fiz), é possível dizer que a série faz uma sensível, bela e surpreendente defesa da empatia, da solidariedade e da colaboração entre as pessoas. Uma pérola!

Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan

Em trânsito: uma resenha do livro "Um apartamento em Urano: crônicas da travessia"

O livro "Um apartamento em Urano: crônicas da travessia", do filósofo Paul B. Preciado é, como diria meu pai, uma doideira - mas uma doideira boa. Trata-se de uma obra questionadora e potente, não indicada (ou, pelo contrário, fortemente indicada) para pessoas de mente estreita. Composta por uma bela introdução e mais 73 pequenos ensaios escritos entre 2010 e 2018 para o jornal francês La Libération e para outras mídias europeias, esta obra trata de variadas questões. Ao longo de suas mais de 300 páginas, Preciado discorre sobre política, viagens, literatura, cinema, educação, ciência, tecnologias, relações amorosas, dentre muitos outros temas. Mas o ponto forte do livro - e de toda a obra do autor - são suas reflexões sobre gênero e sexualidade. Eu destacaria os ensaios em que o autor narra o seu próprio processo de transição, no qual deixou para trás a identidade de Beatriz para se tornar Paul Beatriz Preciado, nome que condensa as identidades masculina e feminina e simboliza, assim, toda sua luta pela superação do binarismo de gênero - e mais profundamente, de todos os binarismos. Como afirma logo na introdução, "Não sou um homem. Não sou uma mulher. Não sou heterossexual. Não sou homossexual. Tampouco sou bissexual. Sou um dissidente do sistema sexo-gênero. Sou a multiplicidade do cosmos encerrada num regime político e epistemológico binário gritando diante de vocês". Preciado não se encaixa e não quer se encaixar em nenhum dos modelos estabelecidos pela sociedade - e convoca seus leitores a não se encaixarem também. Apesar de não apreciar rótulos, o autor se define como um "migrante de gênero", estabelecendo, assim, um interessante paralelo entre sua situação (e das pessoas trans e queer de uma forma geral) e a situação dos imigrantes e refugiados. Nos dois casos as pessoas se encontram sem lugar, em trânsito entre uma condição anterior e uma nova - são, na linguagem do autor, "cidadanias em transição". Enfim, trata-se de um livro sensacional, impactante e necessário, mas cujas ideias dificilmente serão compreendidas, aceitas e colocadas em prática em nossa sociedade - pelo menos por enquanto. Como bem afirmou a escritora Virginie Despentes, no prefácio, dirigindo à Preciado, "você escreve para um tempo que ainda não chegou". Será que um dia chegará?

Trecho do livro: "O que trans e migrantes estão solicitando ao pedir mudança de gênero ou asilo são as próteses administrativas (nomes, direitos de residência, documentos, passaportes…) e bioculturais (alimentos, medicamentos ou compostos bioquímicos, refúgio, linguagem, autorrepresentação…) necessárias para que possam se construir como ficções políticas vivas. A chamada “crise” dos refugiados ou o suposto “problema” das pessoas trans não serão resolvidos com a construção de campos de refugiados ou de clínicas de redesignação sexual. São os sistemas de produção de verdade, de cidadania política e as tecnologias de governo do Estado-nação, assim como a epistemologia do sexo-gênero binário que estão em crise. Portanto, é o espaço político como um todo que deve entrar em transição".

Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Sobre a morte e o morrer: uma breve resenha do livro "A morte de Ivan Ilitch"

Nesta pequena obra-prima do escritor russo Lev Tolstói, publicada originalmente em 1886, acompanhamos os últimos momentos do protagonista, Ivan Ilitch. Juiz renomado e membro respeitado da elite russa, Ilitch tinha uma vida confortável e invejável, até desenvolver uma terrível e dolorosa doença, não diagnosticada, aos quarenta e poucos anos. O enredo do livro é incrivelmente simples e universal - "um homem desenvolve uma doença terminal" - mas a força da obra de Tolstói não se encontra no enredo em si e sim na forma como o autor narra o desespero do protagonista ao perceber que sua vida se aproxima do fim. Ilitch, como todos nós, seguia em seu dia-a-dia, imerso em questões profissionais e familiares, sem se dar conta da fragilidade de sua vida e da possibilidade da morte. É claro que ele sabia que os seres humanos são seres mortais, mas a morte, para ele, era algo abstrato, distante, teórico. Não era algo que poderia lhe acometer - e sim ao outro, sempre e somente ao outro. Até que uma doença emerge dentro do seu corpo, gerando um incômodo nos primeiros momentos e dores terríveis e insuportáveis posteriormente. Ilitch se dá conta, então, da realidade da dor e da proximidade da morte. E então começa a questionar seu passado e suas escolhas assim como o próprio sentido da vida - e também da morte. "Por quê, por que todo esse horror?", questiona Ilitch. E ele se choca e se ressente também com a forma como as pessoas ao seu redor, em especial seus familiares, lidam com sua decadência: ao invés de aceitarem sua morte iminente e o confortarem, ficam todo o tempo instilando esperança de cura, mesmo quando já não há mais esperança - Ilitch chama essa forma evasiva de lidar com a morte de "a mentira". Enfim, nesta pequena pérola da literatura russa novecentista - de apenas 70 páginas - Tolstói trata de uma questão existencial central da vida humana que é o medo da morte. Leitura fundamental!

Trecho do livro: "O sofrimento maior de Ivan Ilitch provinha da mentira, aquela mentira por algum motivo aceita por todos, no sentido de que ele estava apenas doente e não moribundo, e que só devia ficar tranquilo e tratar-se, para que sucedesse algo muito bom. Mas ele sabia que, por mais coisas que fizessem, nada resultaria disso, além de sofrimentos ainda mais penosos e morte. E esta mentira atormentava-o, atormentava-o o fato de que não quisessem confessar aquilo que todos sabiam, ele mesmo inclusive, mas procurassem mentir perante ele sobre a sua terrível situação, e obrigassem-no a tomar também parte naquela mentira".

Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Muito além da realidade: uma breve análise da série "Bom dia, Verônica"

Depois de ler Uma mulher no escuro, do Raphael Montes (que gostei muito), decidi assistir a série Bom dia, Verônica, que é baseada em um livro do autor com a criminóloga Ilana Casoy. Como comentei nas redes sociais, achei o primeiro episódio sofrível, mas segui adiante e assisti toda a primeira temporada. E de fato minha avaliação da série melhorou um pouco: foi de terrível para ruim. Primeiro vamos aos pontos positivos: a trama é instigante, a fotografia é bonita (lembra a da série CSI) e o final traz um gancho bem sólido para uma segunda temporada. Mas os pontos negativos colocam tudo isso por terra: o roteiro é muito fraco, os diálogos são sofríveis e terrivelmente didáticos, os personagens são rasos e as atuações absurdamente artificiais - assim como os cenários, americanizados demais. Os atores bem que tentam dar algum peso às atuações mas jamais conseguem sair da caricatura - eu não os culparia, contudo, e sim o roteiro (exceto no caso da inexpressiva atriz principal). E isto me traz a um outro ponto negativo: a série se vende como uma obra de denúncia dos abusos e violências contra as mulheres, mas eu me questiono até que ponto retratar uma situação tão extrema de fato contribui para a causa. Se retratasse um marido babaca, opressor e violento como tantos que existem por aí, certamente a série estaria mais próxima da realidade que pretendia representar. Mas a série decidiu retratar um sujeito que não é "apenas" um marido opressor e sim um psicopata serial killer que parece ter saído do filme Jogos mortais - e isto deixa a trama pouco crível e distante da realidade. Outro ponto terrivelmente negativo está na forma como a narrativa vincula o comportamento do assassino a certos rituais de "magia negra" que só estigmatizam ainda mais as já estigmatizadas religiões de matriz africana. E o que falar do discurso - totalmente afinado com o bolsonarismo - de que se a justiça não funciona e as instituições estão corrompidas o jeito é fazer justiça com as próprias mãos? Essa representação/defesa do justiçamento não acrescenta em nada às discussões que a série pretende trazer. Enfim, uma série ruim, narrativa e eticamente. Na minha opinião, claro...

Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan

domingo, 3 de janeiro de 2021

Mundos irreconciliáveis: uma resenha do livro "Solução de dois Estados"

O livro "Solução de dois Estados", do escritor brasileiro Michel Laub, é descrito na contracapa como "um romance sobre ódio, perdão e os modos como nossa intimidade é definida pela política e pela barbárie do nosso tempo". No entanto, penso que esta descrição não dá totalmente conta da complexidade desta obra. Pra começo de conversa, "Solução de dois Estados" não possui a estrutura convencional de um romance, com uma história sendo contada por um narrador. O que temos são depoimentos contraditórios de dois irmãos (Raquel e Alexandre Tommazzi) concedidos a uma documentarista alemã (Brenda) sobre um episódio de violência envolvendo Raquel. Cabe esclarecer que Raquel é uma artista performática obesa que usa de sua arte para questionar padrões estéticos e violências sofridas por pessoas pessoas como ela própria e Alexandre é um empresário sócio-fundador de uma grande rede de academias de ginástica chamada Império - que possui associações com pastores pentecostais e é acusada por Raquel de ser uma forma de milícia. O livro é estruturado como uma combinação de transcrições (de materiais pré-editados, materiais brutos e materiais extras) que seriam utilizados na realização de um documentário sobre ódio e violência intitulado "Solução de dois Estados?". Grande parte do que lemos são, portanto, trechos de entrevistas com Raquel e Alexandre feitas por Brenda sobre o passado da família Tommazzi, sobre o Império, e sobre a performance de Raquel que culminou em um ato de violência contra ela própria. O que achei mais interessante no livro é que ele traz pontos de vistas radicalmente diferentes sobre os mesmos acontecimentos, apontando, com isso, para a impossibilidade de chegarmos a um entendimento único sobre o presente e o passado. Raquel e Alexandre possuem visões de mundo tão diferentes - como bolsonaristas e antibolsonaristas - que é como se habitassem mundos diferentes. O título do livro dialoga, no meu entender, com a ideia de que a única solução para a coexistência destes dois mundos seria a constituição de dois Estados diferentes. Mas para além desses temas, vejo o livro como uma importante e pertinente análise sobre o valor e o sentido da arte. Recomendo demais!

Trecho do livro: "Sabe qual o problema da ironia? É que ela serve pra ganhar dinheiro, prestígio, o que você quiser, mas nunca vai servir para falar de ódio. O ódio é sempre literal".

Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan