quarta-feira, 19 de abril de 2017

Marcelo Gleiser e os limites da ciência

Um dos mais importantes divulgadores científicos em atividade no mundo é brasileiro. Refiro-me ao físico e professor de Filosofia Natural da Dartmouth College Marcelo Gleiser. Muitos o conhecem devido a duas séries de popularização científica que ele apresentou no programa Fantástico, da Rede Globo: Poeira das estrelas, lançada em 2006, e Mundos invisíveis, lançada em 2008.  Mas para além de apresentador, Gleiser é também autor de inúmeros livros, vários premiados: A dança do Universo (1997), O fim da Terra e do Céu (2001), O livro do cientista (2003), Poeira das estrelas (2006), Harmonia do mundo (2006, seu primeiro e até agora único romance), Cartas a um jovem cientista (2007), Mundos invisíveis (2008), Criação imperfeita (2010), Ilha do conhecimento (2014) e, mais recentemente A simples beleza do inesperado (2016) - além desses, Gleiser ainda publicou três coletâneas de artigos escritos ao longo de vários anos para o jornal Folha de São Paulo: Retalhos Cósmicos (1999), Micro Macro 1 (2005) e Micro Macro 2 (2007). De todos estes eu destacaria quatro livros como sendo as "obras de peso" do autor: A dança do Universo (sua primeira e mais fascinante obra, que condensa muitos dos temas que serão desenvolvidos nas obras posteriores), O fim da terra e do céu, Criação Imperfeita e Ilha do conhecimento. As demais obras, ainda que tenham seus encantos, não possuem a mesma densidade encontrada nestas quatro obras, que merecem ser lidas com muita atenção (como eu fiz ao longo dos últimos meses). Estas quatro obras, embora tratem de temas variados dentro do universo da física, possuem uma preocupação em comum, preocupação esta que será extensamente elaborada no magnífico livro A ilha do conhecimento. Trata-se da necessária discussão sobre os limites do conhecimento humano e, mais especificamente, sobre os limites da ciência. 

Esta questão pode ser resumida da seguinte forma: a ciência pode conhecer tudo ou tem algo que escapa daquilo que pode ser conhecido? Já em seu primeiro grande livro, A dança do universo, que trata dos diversos entendimentos sobre a origem e funcionamento do universo ao longo da história, Marcelo Gleiser, tenta responder esta questão de variadas maneiras. Selecionei alguns trechos deste livro relacionados a esta problemática:

"Quando tentamos entender  o universo como um todo, somos limitados pela nossa perspectiva interna, como um peixe inteligente que tenta descrever o oceano como um todo".

"Existem limites para a ciência como para a religião. Cientistas não devem abusar da ciência, aplicando-a a situações claramente especulativas e, apesar disso, sentirem-se justificados em declarar que podem resolver questões de natureza teológica. Teólogos não devem tentar interpretar textos sagrados cientificamente, porque estes não foram escritos com este objetivo. Para mim, o que é realmente fascinante é que tanto a ciência quanto a religião expressam nossa reverência e fascínio pela natureza".

"Toda teoria tem suas limitações. Em outras palavras: as teorias operam sempre dentro de um determinado domínio de validade. E é justamente através das 'brechas conceituais', deixadas abertas por teorias antigas, que novas teorias emergem. Esta é, muito resumidamente, a forma como a ciência se autoperpetua".

"Sem dúvida a ciência nos oferece muitas respostas sobre os sutis mecanismos dinâmicos da natureza, mas não devemos nos esquecer de suas limitações. A questão de por que existe algo ao invés de nada deve sempre inspirar nossa humildade".

"É comum dizer que a ciência é um processo. Eu acrescentaria que a ciência é um processo sem fim, uma 'procura' num território sem fronteiras. Vejo com grande suspeita pronunciamentos afirmando que a ciência está morta, que todas as descobertas realmente relevantes já foram feitas. Como é possível ser assim tão cego para a história ou para nossa vasta ignorância?".

"Teorias científicas jamais serão a verdade final: elas irão sempre evoluir e mudar, tornando-se progressivamente mais corretas e eficientes, sem chegar nunca a um estado final de perfeição. Novos fenômenos estranhos, inesperados e imprevisíveis irão sempre desafiar nossa imaginação. Assim como nossos antepassados estaremos sempre tentando compreender o novo. E a cada passo desta busca sem fim, compreenderemos um pouco mais sobre nós mesmos e sobre o mundo à nossa volta".

Destes trechos é possível depreender uma visão extremamente realista (e humilde) da atividade científica. Para Marcelo Gleiser a ignorância é a regra quanto se trata do conhecimento humano: nós mais desconhecemos do que conhecemos. Mas ainda assim nós podemos tentar ampliar o nosso conhecimento e, logicamente, diminuir a nossa ignorância. A ciência, nesse sentido, é um caminho possível para se obter conhecimento sobre a realidade - mas não o único caminho. Para além da narrativa científica da realidade, existiriam outras narrativas como a religiosa, a artística, a política, etc. Marcelo Gleiser, ao contrário de muitos cientistas e divulgadores científicos, não concebe a "ciência" como sinônimo de "verdade" pois o conhecimento científico seria apenas uma forma, dentre muitas, de entender o mundo à nossa volta - e até mesmo nosso mundo interior. E mesmo a dita "verdade científica" não seria sinônimo de "verdade absoluta" pois aquilo que é entendido hoje como verdade pode não continuar sendo amanhã, da mesma forma como muitas coisas que foram consideradas verdadeiras pelos cientistas do passado já não o são mais (isto para não falar que muitas das nossas verdades científicas não fazem o menor sentido para pessoas de outras culturas). Isto ocorre porque o conhecimento científico é, por sua própria natureza, limitado. Não podemos saber tudo porque para investigar e analisar a realidade dependemos dos instrumentos que criamos (microscópios, telescópios, scans, testes, etc) e todos os instrumentos possuem limitações. O melhor microscópio disponível atualmente só nos permite enxergar a realidade até um determinado nível. Além deste nível não podemos enxergá-la e muito menos compreendê-la. Na medida em que melhoramos nossos equipamentos, ampliamos nossa capacidade de visão e consequentemente de análise, mas ainda haverá uma grande parcela da realidade que nos escapará. Sempre. E isto sem levar em conta o fato de que quanto mais vemos e sabemos, mais respostas podemos obter mas também mais perguntas nos fazemos. Como bem afirma Gleiser em outro livro, "o conhecimento começa com a ignorância e gera um novo conhecimento que gera mais ignorância".

Esta é, em suma, a teoria do conhecimento disseminada pelo físico Marcelo Gleiser em toda sua obra e em especial no livro A ilha do conhecimento. Neste livro, o autor se utiliza de uma interessante metáfora para ilustrar seu ponto de vista. Segundo ele, todos vivemos, inclusive os cientistas, em uma ilha do conhecimento cercada pelo oceano do desconhecido; à medida que ampliamos o nosso conhecimento e, consequentemente, aumentamos o tamanho da nossa ilha, ampliamos também a extensão de nossa praia, ou seja, aumentamos os pontos de contato com o desconhecido. Através de nossos instrumentos, ampliamos os nossos conhecimentos mas  também ampliamos a nossa ignorância. Como afirma Gleiser neste livro, "se nosso acesso à Natureza é limitado pelos nossos instrumentos e, mais sutilmente, pelos nossos métodos de investigação, concluimos que o nosso conhecimento do mundo natural é necessariamente limitado". Em outro momento aponta: "O que chamamos de 'real' depende do quão profundamente podemos investigar a realidade. Mesmo se algo como uma 'realidade última' exitir, podemos conhecer apenas alguns de seus aspectos". E complementa: "O que chamamos 'realidade' está sempre mudando. A versão da realidade que chamamos verdadeira em um determinado momento histórico não continuará a sê-lo em outra". Esta visão da ciência, como um conhecimento limitado e situado no espaço e no tempo, embora seja de certa forma banal para estudiosos das ciências humanas, é muitas vezes questionada por pesquisadores das chamadas "ciências duras", como a física e a química, que em geral vêem a ciência como a única forma de se obter um conhecimento verdadeiro sobre a realidade. É, pois, bastante interessante, que um físico dissemine uma visão da atividade científica bastante próxima daquela disseminada por historiadores e sociólogos da ciência.

Frequentemente Marcelo Gleiser é acusado de derrotista e pessimista a devido ao seu entendimento de que a ciência será sempre um empreendimento limitado, nunca atingindo o conhecimento completo da realidade. Mas ele não vê as coisas desta forma. Como afirma no livro A ilha do conhecimento, "ver a ciência como ela de fato é, não como algo idealizado, acaba por torná-la mais bela, mais real, alinhando-a ao resto dos frutos da criatividade humana - pluralista, surpreendente e imperfeita". Em outro momento deste livro, ele aponta: "uma ciência saudável combina humildade com esperança: humildade para a aceitar a extensão da nossa ignorância; e esperança de que novas descobertas irão expandir a Ilha do conhecimento". No seu mais recente livro, A simples beleza do inesperado - no qual o autor intercala relatos e reflexões sobre pescaria com considerações sobre ciência, religião e acontecimentos sobrenaturais - Gleiser afirma de uma forma ainda mais clara: "Explorar os limites da ciência não é o mesmo que considerá-la fraca, expondo-a a críticas de grupos anticiência, como por exemplo os evangélicos que interpretam a Bíblia literalmente. Pelo contrário, esses argumentos liberam a ciência de uma responsabilidade que não deveria ter, de ser a resposta para tudo, de saber tudo, como se fosse mais do que uma criação humana, assumindo proporções de caráter divido". A ciência, para Gleiser, é humana, demasiado humana e exatamente por isso é limitada e falha. Criada à nossa imagem e semelhança, a ciência é imperfeita como nós. Mas para ele esta não é uma visão triste da ciência ou da natureza humana. Triste seria se atingíssemos todo o conhecimento possível. Como ele afirma neste livro: "imagine a tristeza se, um dia, completássemos o conhecimento. Sem novas perguntas a fazer, nossa criatividade murcharia, nosso espírito se apagaria como uma vela. Para mim, essa possibilidade é muito mais trágica do que abraçar a dúvida como parceira essencial de uma mente curiosa". Na mesma direção ele afirma, em outro momento do livro: "A missão da ciência não é encontrar respostas finais ou conclusivas, e sim construir uma narrativa do mundo natural que é revisada continuamente de acordo com o acúmulo de dados e informações, tornando-se cada vez mais eficiente".

Gosto muito desta visão da ciência e da natureza humana disseminada pelo Marcelo Gleiser. Gosto de pensar que as limitações que a ciência tem e que todos temos individualmente e coletivamente, não são obstáculos intransponíveis, mas desafios a serem enfrentados. Certamente existem coisas que nunca - ou muito dificilmente - poderemos compreender cientificamente, como por exemplo se deus existe ou se existe vida após a morte. Mas existem muitas outras questões que podem (e devem) ser estudadas e analisadas pela ciência, ainda que com significativas limitações. De toda forma, penso que toda esta reflexão a respeito dos limites da ciência e do conhecimento humano, pode contribuir para o desenvolvimento de uma postura mais humilde perante a vida e o mundo. Uma postura de admiração e espanto diante dos mistérios da Natureza que leve a um desejo e uma ação de conhecer mais. A ignorância e a dúvida não devem nos paralisar mas sim nos inspirar a continuar estudando e analisando o mundo e a humanidade. De fato nunca atingiremos um conhecimento completo de tudo mas a graça, na vida e na ciência, está justamente no caminho e não na chegada. E é justamente por isso que exploramos o universo, o mundo e a nós mesmos. Como bem aponta Marcelo Gleiser em seu último livro, "nós nos arriscamos como indivíduos e nos arriscamos coletivamente tentando expandir nossas fronteiras para além do conhecido. Exploramos o mundo e continuamos explorando o espaço. Somos uma espécie de gosta da segurança das fronteiras, desde que não sejam fixas". Enfim, queremos sempre mais e  nunca nos contentamos com o que temos e com o que sabemos. Somos seres da falta e justamente por isso seguimos caminhando.

Observação: já que apontei para os limites da ciência, também valeria a pena apontar para os limites do conhecimento do próprio Marcelo Gleiser. Neste artigo o autor, também um físico, apresenta uma série de equívocos científicos e distorções históricas apresentadas por Gleiser no livro A dança do Universo. Se nem a ciência é perfeita por que Marcelo Gleiser seria?

terça-feira, 18 de abril de 2017

Diferenciando cérebro de mente

No dia 30 de Maio de 2013, o site The Atlantic publicou um ótimo texto, denominado Distinguishing Brain From Mind, escrito pela psiquiatra Sally Satel, co-autora do magnífico livro Brainwashed: The Seductive Appeal of Mindless Neuroscience [Lavagem cerebral: o apelo sedutor da neurociência insensata]. Segue a tradução que fiz deste interessante artigo. 

Passando pelo recente anúncio da Iniciativa BRAIN pelo Presidente Obama até as imagens coloridas do cérebro expostas nas capas de revistas, a neurociência capturou a imaginação pública como nunca antes. 

Compreender o cérebro é, certamente, essencial para o desenvolvimento de tratamentos para doenças devastadoras como esquizofrenia e Parkinson. De forma mais abstrata, mas não menos fascinante, o funcionamento do cérebro está intimamente ligado ao nosso sentido de si, à nossa identidade, às nossas memórias e aspirações. Mas a excitação em investigar o cérebro gerou uma nova fixação que meu colega Scott Lilienfeld e eu chamamos de neurocentrismo - a visão de que o comportamento humano pode ser melhor explicado olhando somente ou principalmente para o cérebro.

Algumas vezes, o nível de explicação neural é apropriado. Quando os cientistas desenvolvem testes diagnósticos ou medicamentos para, digamos, a doença de Alzheimer, eles investigam as marcas desta condição: as placas amilóides que interrompem a comunicação entre os neurônios e os emaranhados neurofibrilares que os degradam.

Outras vezes, porém, uma explicação neural pode nos desnortear. No meu próprio campo da psiquiatria do dependência química, o neurocentrismo é ascendente - e não para melhor. Graças à forte promoção do Instituto Nacional de Abuso de Drogas [no original: National Institute on Drug Abuse], que faz parte dos Institutos Nacionais de Saúde, a dependência química foi rotulada como uma "doença cerebral".

A lógica para esta designação, como explicado pelo ex-diretor Alan I. Leshner, é que "a dependência química está relacionada a mudanças na estrutura e na função do cérebro". De fato, é verdade que o uso contínuo de drogas como a heroína, a cocaína e o álcool alteram os circuitos neurais que medeiam a experiência do prazer, assim como a motivação, a memória, a inibição e o planejamento - modificações que muitas vezes podemos ver nos exames cerebrais.

A questão crítica, porém, é saber se essa alteração neural prova que o comportamento do dependente é involuntário e que ele é incapaz de se auto-controlar - o que não ocorre.

Veja, por exemplo, o caso do ator Robert Downey, Jr., cujo nome já foi sinônimo "celebridade viciada". Ele disse: "É como se eu tivesse uma arma carregada em minha boca e meu dedo no gatilho, e eu gosto do sabor de metal". Downey passou por vários episódios de reabilitação e de recaída, mas finalmente decidiu, enquanto agonizava com sua "doença cerebral", mudar o rumo de sua vida.

O modelo neurocêntrico deixa a pessoa dependente (Downey, neste caso) nas sombras. No entanto, para tratar os dependentes e orientar as políticas, é importante entender como os dependentes pensam. É a mente dos dependentes que contêm as histórias de como a dependência acontece, porque eles continuam a usar a droga, e, se eles decidem parar, como eles se controlam. Tais respostas não podem ser obtidas a partir de um exame de seus cérebros, não importa quão sofisticada seja a investigação.

É natural que os avanços no conhecimento sobre o cérebro nos façam pensar de forma mais mecanicista sobre nós mesmos. Mas em um local, em particular - o tribunal - este viés pode ser uma receita de confusão. A defesa baseada no cérebro [no original: brain-based defense] ("Olhe para este escaneamento, Meritíssimo. O cérebro do meu cliente fez com que ele fizesse isso") tem sido uma estratégia comum usada pelas defensorias. O problema com tais afirmações é que, com raras exceções, os neurocientistas ainda não conseguem traduzir funções cerebrais anômalas para os requisitos legais de responsabilidade criminal - intenção, capacidade racional e autocontrole.

O que sabemos sobre muitos criminosos é que eles não se controlam. Isso é muito diferente de serem incapazes de se controlar. Até hoje, a ciência do cérebro não nos permite distinguir entre essas alternativas. Além do mais, mesmo cérebros de aparência anormal possuem donos que não são lá muito normais.

Olhando para o futuro, alguns neurocientistas preveem uma dramática transformação no direito penal. David Eagleman da Iniciativa de Neurociência e Direito da Faculdade de Medicina de Baylor, espera que "possamos descobrir um dia que muitos tipos de mau comportamento têm uma explicação biológica básica [e] eventualmente pensar sobre a má tomada de decisões da mesma maneira que pensamos sobre a diabetes ou doença pulmonar ". Mas essa é a conclusão correta a tirar da neurociência? Se todos os comportamentos problemáticos estão eventualmente ligados a correlatos da atividade cerebral, que podemos detectar e visualizar, será que podemos desculpá-los em função da teoria do não-me-culpe-culpe-meu-cérebro? Ninguém jamais será julgado responsável?

O modo de pensar de Eagleman é representativo daquilo que o professor de direito Stephen Morse chama de "erro psico-legal", nossa poderosa tentação de equiparar causa e desculpa. Morse observa que a lei desculpa o comportamento criminoso somente quando um fator causal produz um prejuízo tão severo que priva o réu de sua racionalidade. Os maus genes, os maus pais, ou mesmo as más estrelas não são uma desculpa.

Finalmente, quais são as implicações da ciência do cérebro para a moralidade? Embora geralmente pensemos em nós mesmos como agentes livres que fazem escolhas, vários estudiosos proeminentes afirmam que estamos equivocados. "Nosso crescente conhecimento sobre o cérebro faz com que as noções de volição, culpabilidade e, em última instância, a própria premissa do sistema de justiça criminal, sejam profundamente suspeitas", afirma o biólogo Robert Sapolsky.

Com certeza, todos concordam que as pessoas só podem ser responsabilizadas se tiverem liberdade de escolha. Mas, há um longo debate sobre o tipo de liberdade que é necessário. Alguns afirmam que podemos ser responsabilizados desde que possamos nos envolver em deliberação consciente, seguir regras e, em geral, nos controlar.

Outros, como Sapolsky, discordam, insistindo que nossas deliberações e decisões não nos tornam livres porque são ditados por circunstâncias neuronais. Dizem que quando chegarmos a entender o funcionamento mecânico dos nossos cérebros, seremos obrigados a adotar um modelo de justiça estritamente utilitarista, no qual os criminosos são "punidos" apenas como uma maneira de mudar seu comportamento, não porque eles realmente possuem culpa.

Embora esteja coberta de trajes neurocientíficos, essa questão de livre-arbítrio continua sendo um dos grandes impasses conceituais de todos os tempos, e está muito além da capacidade da ciência do cérebro de resolver. A não ser que os investigadores possam mostrar algo realmente espetacular: que as pessoas não são seres conscientes cujas ações fluem de suas razões e que respondem à razão. É verdade que não exercemos tanto controle consciente sobre nossas ações como pensamos que fazemos. Todo estudioso da mente, começando mais notavelmente com William James e Sigmund Freud, sabe disso. Mas isso não significa que somos impotentes.

Tem sido dito que o estudo do cérebro é a fronteira científica final. Será que vamos perder a mente de vista justo na era da neurociência? Enquanto os scans são deslumbrantes e a tecnologia uma maravilha sem precedentes, podemos sempre manter nossos rumos, lembrando que o cérebro e a mente são duas estruturas diferentes.

O domínio neurobiológico é o dos cérebros e das causas físicas, os mecanismos por trás de nossos pensamentos e emoções. O domínio psicológico, o domínio da mente, é o das pessoas - seus desejos, intenções, ideais e ansiedades. Ambos são essenciais para uma compreensão completa de por que agimos como agimos.