sexta-feira, 9 de maio de 2014

Resenha do filme "Ela"

O que nos torna humanos? O que nos diferencia dos outros animais? As respostas possíveis para estas perguntas são múltiplas. Lembro-me do clássico curta-metragem Ilha das flores, cujo narrador afirma em certo momento que o que nos tornaria únicos na escala evolutiva seriam duas características: o telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor. Com relação ao polegar opositor, sabemos hoje que outros primatas também o possuem e o utilizam na construção e manipulação de ferramentas. Já com relação ao “telencéfalo altamente desenvolvido”, diversas pesquisas tem demonstrado que o cérebro humano, apesar de menor que outros cérebros do reino animal (o da baleia azul, por exemplo, pesa cerca de 10 kg), possuiria mais neurônios do que qualquer outro – o que faria dele, realmente, um órgão “altamente desenvolvido”. E este desenvolvimento teria permitido outra grande diferença do homem com relação aos animais: sua linguagem. De fato, inúmeros animais possuem um sistema de comunicação, mas nenhum possui uma linguagem tão complexa como a nossa. Mas imaginemos a seguinte situação: e se algum dia fosse inventada uma máquina que conseguisse reproduzir toda essa complexidade? Isto faria dela humana? Estas questões me trazem ao filme Ela (no original Her). Dirigido por Spike Jonze, o filme conta a história de Theodore (Joaquin Phoenix), um sujeito solitário que passa grande parte de seu tempo livre em seu apartamento jogando videogame ou buscando alguma interação real em salas de bate-papo virtuais. Certo dia, Theodore se depara com uma propaganda de um novo e revolucionário sistema operacional de inteligência artificial. Curioso, compra tal produto e finalmente conhece Samantha (Scarlett Johansson, em uma das melhores interpretações de sua carreira). Samantha é a voz deste moderno sistema operacional, que possui um importante diferencial com relação aos modelos anteriores: ele (ou melhor, ela), aprende com a experiência e na interação com as pessoas. Samantha é uma verdadeira inteligência artificial, como ainda não temos e talvez nunca teremos. Não seria equivocado, dizer, neste sentido que Samantha é, pelo menos o que diz respeito à sua linguagem, humana, demasiado humana. Não é um “it”, mas sim uma “her”, ou seja, uma pessoa, uma mulher que, embora não tenha um corpo, tem, por assim dizer, uma alma. Embora não tenha um cérebro, possui uma mente. E esta mente lhe permite interagir como uma “igual” e de forma complexa com Theodore, ao ponto deste se apaixonar por ela – e ela por ele, o que é ainda mais surpreendente. E é justamente sobre essa curiosa e inesperada relação que trata este incrível filme, merecidamente vencedor do Oscar 2014 de Melhor Roteiro Original.

Texto escrito originalmente para o jornal Café Expresso.