Ela está por toda parte, embora pareça invisível. Falamos pouquíssimo dela, ainda que ela faça parte da vida e do cotidiano de uma significativa parcela da população. Para algumas pessoas religiosas ela é uma forma de pecado, para algumas feministas uma forma de opressão contra a mulher, para alguns cientistas ela prejudica o cérebro e vicia como uma droga, para alguns psicólogos ela influencia negativamente nas relações e nos processos de desenvolvimento, ao passo que para muitos homens e mulheres ela é vista e praticada como uma forma saudável de se estimular a fantasia e exercer a sexualidade. Sim, você já sabe do que eu estou falando. Eu estou falando da pornografia. O que me traz a esse tema complexo, delicado e pouco explorado são os fantásticos documentários Pornocracy e Rocco, atualmente disponíveis no Netflix. Comecemos pelo primeiro, uma primorosa investigação sobre a "indústria pornô", conduzida pela ex-atriz pornô, diretora de filmes adultos e escritora feminista Ovidie. Neste documentário, a diretora nos traz e tenta responder a uma questão inquietante: se o advento da internet no fim dos anos 1990 teve o impacto de uma bomba atômica na anteriormente ultralucrativa e glamourosa indústria pornô - na medida em que ninguém atualmente precisa mais pagar para ter acesso a imagens e videos pornográficos - quem está de fato lucrando com a pornografia? E sua resposta passa pela emergência de um megaconglomerado pornô, administrado pela empresa MindGeek, que atualmente controla os principais sites pornográficos. Curiosamente, esta empresa é dirigida por um empresário da área de tecnologia de informação totalmente à parte do mundo pornô. Para ele, como para muitas outras pessoas, a pornografia é um negócio como outro qualquer, isto é, um meio de se ganhar dinheiro, muito dinheiro.
Na análise que fiz da série Westworld, que retrata um "parque de diversão" para adultos onde tudo é permitido, escrevi que a atratividade deste parque se devia justamente ao fato dele permitir aos participantes, majoritariamente homens, um exercício de poder, de dominação, de soberania e de masculinidade - em um ambiente controlado e seguro. Pois a mesma coisa pode ser dita da pornografia: ela permite aos seus usuários vivenciar situações sexuais e violentas, extremas ou não, sem, supostamente, quaisquer constrangimentos e efeitos colaterais. Como bem afirma a jornalista Pamela Paul no interessante livro Pornificados: como a pornografia está transformando a nossa vida, os nossos relacionamentos e as nossas famílias, "a pornografia dá sem exigir esforço". Em outro momento, falando especificamente sobre o consumo de pornografia por homens envolvidos em relacionamentos estáveis, a autora afirma: "a pornografia proporciona a exitação adicional de outras mulheres sem o perigo de realmente estar com elas" - e por perigo ela quer dizer, na verdade, "sem as implicações de se relacionar com uma mulher real". Afinal de contas, as mulheres reais não agem como as mulheres nos filmes pornôs: elas não estão disponíveis e com vontade para o sexo o tempo todo, não se atiram sem pudor para cima dos homens, não aceitam todas as práticas e posições sexuais e, muitas vezes, gostam de estar no controle e desejam que os homens se preocupem com o prazer delas. Enfim, na vida real, elas são pessoas completas e complexas e não simplesmente "objetos" do prazer masculino. Na pornografia, pelo contrário, o foco está majoritariamente no controle e no poder masculinos. Como afirma Pamela Paul "o enfoque é sobre uma mulher (ou, cada vez mais, várias mulheres) a serviço do prazer sexual do homem". Bom, talvez uma palavra chave em toda esta discussão seja "controle", afinal a pornografia serve em grande medida para dar aos homens não o controle, mas a ilusão de controle sobre as mulheres e o mundo. Se na vida real, os homens tem um poder limitado - ainda que, em geral, maior do que as mulheres (não nos esqueçamos jamais: vivemos em um mundo machista!) - no pornô os homens são soberanos, são reis que tudo podem e tudo fazem. Como afirma Pamela Paul, "a pornografia, literalmente, cria um mundo sonhado, livre de exclusões, constrangimentos, competitividade estressante e rejeição", o que, certamente, é algo extremamente tentador. E não é por outra razão que muitos homens estejam exagerando no consumo de pornografia: exatamente porque ela, como as drogas e também, em alguma medida, como as artes e as religiões, permite a eles sair temporariamente da dura realidade e adentrar em um mundo onde a vida é mais fácil e manejável. O grande problema é que isto não passa de uma ilusão. Como já discuti anteriormente, não creio ser possível viver só de realidade, mas viver só de fantasia também não me parece algo desejável, nem saudável. A pornografia, certamente tem uma função no mundo contemporâneo - ao que me parece fortemente ligada aos anseios por controle, dominação, fantasia e novidade - mas, ao mesmo tempo, penso que se não soubermos separar ficção de realidade, corremos o risco de nos perder, especialmente quanto trazemos ou tentamos trazer para a realidade elementos que deveriam permanecer no terreno da ficção. Tentar agir como um ator pornô e esperar que sua parceira ou as mulheres em geral se comportem como atrizes pornográficas (ou melhor, como as personagens que elas interpretam nos filmes - sim, elas são atrizes!) só poderá resultar em mais e mais frustração. Afinal de contas, entre o sexo real e a pornografia e entre a realidade e a fantasia há uma distância significativa, impossível de ser totalmente eliminada.



