quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Precisamos falar sobre... concentração

Como você avalia sua capacidade de concentração? Você considera que tem conseguido se focar nas suas atividades? E sua memória, como anda? Quando faço perguntas como essas nas palestras que dou sobre concentração e memória, a resposta da plateia, quase sempre, é negativa. Grande parte das pessoas - ou, pelo menos, das pessoas que participam de uma palestra com essa temática - entende que sua concentração e sua memória estão muito aquém do que gostariam. Especificamente no caso da concentração, o descontentamento geral é tão grande que não consigo ver como uma simples coincidência a proliferação de diagnósticos de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Isto ocorre, em grande medida, porque vivemos em um mundo que favorece imensamente a desatenção e a hiperatividade. Como já argumentei inúmeras vezes neste blog, este aumento nos diagnósticos de TDAH não é simplesmente o resultado de mudanças ou diferenças no funcionamento cerebral das pessoas, mas também, e especialmente, de mudanças no funcionamento do mundo - isto para não falar do papel da banalização dos diagnósticos psiquiátricos na atualidade. Pois de fato, nunca tivemos acesso a tanta informação e com tanta velocidade; e isso, certamente, tem um impacto gigantesco na nossa capacidade de prestar atenção. Alguns analistas chegam a denominar a atual geração, ironicamente, de Homo Distractus, devido à enorme capacidade que temos de nos distrairmos e nos desfocarmos. Aliás, eu tenho certeza que você sente esta mudança em si próprio. Quem tem mais de 30 anos como eu e não vivenciou, desde criança, a vida digital plena que possuímos hoje - eu sou da época do VHS e do K7, abreviaturas absolutamente sem sentido para uma geração que tem Netflix e Spotify - provavelmente percebe que sua capacidade de se focar em algo por um tempo significativo foi declinando ao longo do tempo. Ler textos longos, como estes que escrevo, se tornou um desafio colossal. Como um sujeito comentou outro dia na página deste blog no Facebook: "Que absurdo. Um texto gigante que eu ficaria um dia inteiro pra ler. Custa resumir?". Para este sujeito, ler um texto grande - e poxa, nem era tão grande assim - é algo que demanda uma capacidade de atenção, mais até do que disponibilidade de tempo, que ele não possui. Aliás, poucos de nós possuímos atualmente.

Mas o que, afinal, é a concentração? E acho importante destacar que eu tratarei aqui atenção e concentração como sinônimos, apesar de alguns autores entenderem como processos diferentes - na verdade, uma diferenciação possível seria compreender a concentração como sinônimo de atenção focada, isto é, como um tipo de atenção, mas eu prefiro entender as duas expressões como referentes ao mesmo processo. Pois bem, iniciemos com duas definições clássicas. A primeira vem do psicólogo Robert Sternberg, autor de um clássico manual de Psicologia Cognitiva, segundo o qual atenção "é o fenômeno pelo qual processamos ativamente uma quantidade limitada de informações disponíveis através dos nossos sentidos, de nossas memórias armazenadas e de outros processos cognitivos". Já a segunda definição vem do psicólogo William James, para quem a atenção "é a tomada de posse da mente, em uma forma clara e vívida, de um dos diversos objetos ou séries de pensamentos que parecem simultaneamente possíveis... Implica o abandono de algumas coisas, a fim de ocupar-se efetivamente de outras". Podem parecer definições complicadas, mas de uma forma resumida - como disse o querido leitor, "custa resumir?" - é possível dizer que a atenção é o processo por meio do qual filtramos a realidade. Como não temos a capacidade de perceber, ao mesmo tempo, tudo o que se passa ao nosso redor, temos necessariamente de focar em uma coisa e depois em outra, uma de cada vez - de outra forma, ficaríamos sobrecarregados de informação. A atenção funciona, assim, como o zoom de uma câmera ou como um projetor de luz, permitindo que enxerguemos o mundo por partes, de forma mais ou menos focada. Quando, por exemplo, olhamos de longe para uma floresta, podemos nos focar tanto na floresta como um todo quanto em apenas uma árvore ou em um passarinho que está pousado nesta árvore. Por uma limitação cognitiva não conseguimos enxergar o geral e o específico ao mesmo tempo.

Tente, por exemplo, achar o Wally nesta imagem (e caso você não o conheça, este é o Wally):


Conseguiu? Espero que sim... caso contrário, insista mais um pouco, pois em algum momento você o encontrará! A grande questão é que para achar o Wally você necessariamente tem percorrer os detalhes da imagem com seus olhos, como um projetor de luz que ilumina uma coisa por vez. Talvez você tenha dado sorte e encontrado imediatamente o Wally, mas em geral é necessário alguns minutos para explorar toda ou uma grande parte da imagem - repleta de personagens vestidos de forma parecida com o Wally - até encontrá-lo. Pois bem, esta brincadeira, que foi extremamente popular na minha infância, é uma espécie de teste de atenção - não um teste para avaliar se a atenção da pessoa é boa ou ruim mas um teste que demonstra como funciona e quais são os limites do nosso processo atencional. Mas quais são estes limites? Em primeiro lugar, como já apontei anteriormente, não temos como prestar atenção no geral e no específico ao mesmo tempo. Se você se focasse na imagem como um todo, você jamais encontraria o Wally; para encontrá-lo você precisou se concentrar nas especificidades da imagem. Em segundo lugar, existe um processo, denominado cegueira inatencional, que impede que prestemos atenção em tudo ao mesmo tempo. Se eu te perguntasse, por exemplo, se você viu na imagem uma mulher levando um tombo, provavelmente você dirá que não, pois você estava focado em encontrar o Wally. Pois a cegueira inatencional diz respeito exatamente a isso. Como apontam os psicólogos Christopher Chabris e Daniel Simons (que mencionei no post anterior), “quando a pessoa focaliza a atenção especificamente em uma área ou aspecto do mundo visual, tende a não reparar em objetos inesperados, mesmo que se destaquem, que sejam potencialmente importantes e apareçam exatamente no local onde está olhando”. Enfim, somos cegos, literalmente cegos, com relação a tudo aquilo que não estamos prestando atenção em determinado momento. Não acredita nisso? Então assista ao video abaixo e tente seguir suas instruções...
 

Esta é uma versão modificada de um experimento clássico idealizado pelos psicólogos Christopher Chabris e Daniel Simons, autores do livro O gorila invisível e outros equívocos da intuição. Como o título do livro dá a entender, no experimento original, que pode ser visto aqui, havia um gorila (ou melhor, um homem vestido de gorila) e não um urso, como neste video publicitário. Mas antes de discutirmos as implicações deste experimento, peço que assista ao próximo video, tentando igualmente seguir todas as instruções.


Então... se você realmente seguiu as instruções dos experimentos (e, obviamente, se você não conhecia estes videos), muito provavelmente você não percebeu nem o urso dançando moonwalk, nem o desaparecimento da cesta de basquete e nem a mudança na cor do banheiro químico - e com relação a este último video, eu aposto que você ficou esperando alguma pessoa vestida de bicho passando ao fundo! Por outro lado, se você percebeu estes elementos ou mudanças, provavelmente você errou as contagens. Agora, se você acertou as contagens e ainda percebeu o urso, a cesta e o banheiro muito provavelmente você já conhecia os videos - ou você é jedi! A grande maioria das pessoas, quando segue corretamente as instruções, não percebe tais elementos ou mudanças - eu já apliquei estes experimentos em diversas palestras e a grande maioria das pessoas nunca vê nada de diferente. E por que isso acontece? A explicação, como você já imagina, passa pela cegueira inatencional. Quando estamos focados em uma coisa deixamos de ver outras... e não há nada que possamos fazer a respeito. Como apontam Chabris e Simons, “a estrutura do corpo humano não nos permite voar, assim como a estrutura da mente não nos permite perceber conscientemente tudo ao nosso redor”.

Pois bem, a cegueira inatencional ajuda a explicar também dois fenômenos interessantes: o efeito Stroop e a chamada cegueira para mudança. Começemos pelo efeito Stroop.



Agora passemos para a cegueira para mudança. Veja os dois videos abaixo. 

 


Analisemos primeiramente o efeito Stroop (nome dado em homenagem ao pesquisador John Ridley Stroop, que descobriu este efeito). Pois bem, o efeito Stroop diz respeito à dificuldade que temos em dizer a cor de uma palavra que se refere a uma outra cor. A primeira parte do experimento é muito simples, pois não há contraste entre cor e palavra, mas a segunda parte é bem mais complicada, pois existem dois estímulos chamando nossa atenção ao mesmo tempo (cor e palavra). Esta dificuldade inicial se deve ao fato de não possuirmos a capacidade de focar nossa atenção em dois ou mais estímulos complexos ao mesmo tempo. Mas à medida que o exercício prossegue acabamos por aprender que precisamos ignorar o que está escrito e nos focarmos somente na cor. Quando conseguimos fazer isso, reduzindo o número de estímulos para somente um, passamos a realizar o exercício sem maiores dificuldades. 

Agora passemos para o fenômeno da cegueira para mudança. Mas antes, peço que tentem encontrar em cada imagem abaixo um elemento que muda quando ela pisca.




Conseguiu encontrar? Bom, tenho que confessar que eu demorei um bocado para perceber as mudanças, que agora me parecem tão evidentes. E por que temos, em geral, esta dificuldade? A resposta passa pelo curioso fenômeno da cegueira para mudança, que como o próprio nome dá a entender, diz respeito à dificuldade que temos em perceber mudanças no mundo. Os videos acima deixam isto bastante claro. No primeiro deles, a vítima da "pegadinha" (o senhor de barba), não consegue perceber que o homem para quem ele está dando uma informação não é mais a mesma pessoa - o mesmo ocorrendo com cerca de 50% dos participantes da pesquisa. Já no segundo video, as pessoas simplesmente não conseguem perceber não só que a atendente atrás do balcão não é mais a mesma pessoa mas também que a roupa e o cabelo são completamente diferentes. Mas porque diabos isso acontece? A resposta é que as "vítimas" de tais estudos (e cabe apontar que muitas pesquisas da área de psicologia se parecem muito com "pegadinhas") não conseguem perceber as mudanças porque não estão prestando a devida atenção na fisionomia das pessoas que estão lhe ajudando naquele momento. No primeiro caso, o senhor está focado em explicar para o sujeito onde se localiza determinado prédio no campus universitário. Já no segundo caso, as pessoas estão focadas provavelmente nos próprios pensamentos ou no objetivo que as conduziu até aquela loja. Difícil saber exatamente, mas o fato é que aquelas que caíram na "pegadinha" não estavam prestando atenção na fisionomia das atendentes - assim, como, em geral, não prestamos atenção na fisionomia dos motoristas de ônibus ou das pessoas que distribuem folhetos na rua. Isto ocorre também porque em 99,99% das vezes as pessoas não se transformam em outras repentinamente, o que significa que a nossa mente não está, de forma alguma, preparada para mudanças abruptas e sem sentido como essas. Mas a cegueira para mudança ajuda a explicar também porque os "jogos dos 7 erros" são, algumas vezes, tão desafiadores e ainda porque não conseguimos detectar facilmente erros de continuidade nos filmes (e os filmes são repletos desses erros!). Isto ocorre porque não conseguimos focar em todos os elementos de uma imagem ou de um video ao mesmo tempo. Se focamos em um aspecto da realidade, acabamos por desfocar de outros.

Tudo isto me traz à seguinte questão: se a atenção tem tantos limites, isto significa, então, que não é possível fazer várias coisas ao mesmo tempo? A resposta para esta questão é complexa, mas pode ser resumida com uma simples palavra: depende. Mas depende do que? Depende do nível de complexidade, de automatismo e de dispêndio de "energia mental" das tarefas que você se propõe a fazer simultaneamente. É possível, por exemplo, cozinhar e falar ao telefone? Sim e não. Na verdade tudo depende da sua habilidade na cozinha e da profundidade da conversa ao telefone. Se você cozinha já há muito tempo, provavelmente você desenvolveu uma série de automatismos que fazem com que cozinhar demande menos "energia mental" para você do que para alguém que está iniciando na arte da cozinha - o mesmo vale para todas as demais habilidades, como dirigir, estudar e manipular o smartphone. No início é difícil mas, com o tempo, fica mais fácil. Isto significa que se você é um expert no fogão muito provavelmente cozinhar e falar ao telefone, especialmente por viva-voz, não lhe prejudicará muito. Agora, se você não está habituado a cozinhar ou se você está preparando um prato novo, pode ser que falar ao telefone lhe prejudique. Mas tudo depende também da complexidade desta conversa ao telefone: caso se trate de uma conversa leve e casual, que pode ser interrompida eventualmente, é provável que o ato de cozinhar não saia prejudicado. Agora, caso se trate de uma conversa difícil - tipo uma DR - muito provavelmente a preparação do alimento sairá prejudicada, pois a conversa provavelmente demandará grande "energia mental". Bom, acho que você já captarou o ponto: é possível sim fazer simultaneamente duas ou mais coisas desde que apenas uma delas demande grande "energia mental" - ou, dizendo de outra forma, demande grande capacidade atencional. Isto significa que não é possível fazer ao mesmo tempo duas ou mais atividades complexas e não-automatizadas - como, por exemplo, estudar e falar ao telefone, dirigir e assistir um filme ou andar de bicicleta e mexer no celular. Caso você tente fazer estas duas coisas ao mesmo tempo, alguma delas certamente sairá prejudicada. Isto significa também que muito do que as pessoas chamam de multitarefa ou multitask na verdade se trata de uma realização intercalada ou alternada de tarefas e não propriamente de uma realização simultânea. Quando algumas pessoas dizem, por exemplo, que as mulheres conseguem fazer mais coisas ao mesmo tempo do que os homens isto significa, na verdade, que elas conseguem (ou melhor, conseguiriam) mudar rapidamente de uma tarefa para outra e não que fazem tudo ao mesmo tempo, o que não é seria possível.

Bom, para finalizar esta longa reflexão - e eu aposto que a maioria das pessoas não chegará até aqui (e se você chegou, meus parabéns!) - gostaria de trazer uma última questão: tendo em vista tudo isso, o que podemos fazer para melhorar nossa atenção? Pois bem, como para a maioria das questões humanas, não há uma receita, um caminho fácil ou uma panaceia. Certamente é possível encontrar na internet infinitos picaretas vendendo falsas promessas e ilusões sobre como "melhorar sua concentração" e "potencializar sua memória" e, exatamente por isso, você deve ficar muito atento para não cair em suas teias. Pois o fato é que não é nada simples melhorar sua atenção. Uma primeira possibilidade, nesse sentido, é tentar reduzir o número de distratores, isto é, de elementos que geram distração. Se você precisa se concentrar no estudo para uma prova ou concurso, por exemplo, talvez ajude se você buscar um local silencioso para estudar, tipo uma biblioteca pública. Desligar o celular (e não somente colocá-lo no silencioso) também pode ajudar, pois certamente uma das principais fontes de distração atualmente são os smartphones. Deixar o notebook em casa e estudar totalmente offline, utilizando-se somente dos livros, apostilas e cadernos, também pode ser útil, pois é muito comum que uma simples pesquisa no Google desencadeie uma série de outras buscas e visitas ao seu email, ao Facebook, ao Twitter, ao Instagram, ao seu site de cinema favorito, a um video de gatinho no Youtube etc... quando você se dá conta se passaram 3 horas e o seu estudo, nesse meio tempo, foi pras cucuias. Todo cuidado é pouco! Enfim, tentar eliminar o máximo possível de distratores externos pode auxiliar muito à concentração. Afinal, como bem disse o economista e prêmio Nobel Herbert Simon, "riqueza de informações cria pobreza de atenção". 

Mas o problema é que existem também os distratores internos, isto é, os nossos próprios pensamentos e sentimentos, que não podem ser simplesmente eliminados, no máximo controlados. Neste sentido, participar de atividades que ajudem a acalmar a mente e diminuir a ansiedade, como ioga, meditação e tai chi chuan pode ajudar - afinal, se você está ansioso você está pensando no futuro e se você está pensando no futuro você não está vivendo o presente e se você não está vivendo o presente você não está concentrado na sua tarefa. A questão é que ainda que tais atividades ajudem - e certamente elas ajudam - nenhuma delas resolverá totalmente o problema, pois é muito difícil manter a mente calma o tempo todo, especialmente nos momentos mais turbulentos da vida. Como eu disse, não há uma solução simples. O que penso ser realmente fundamental é realizar um esforço consciente de fazer uma coisa de cada vez e de estar em apenas um "lugar" a cada momento. Quando, por exemplo, um estudante fica na sala de aula alternando sua atenção entre o celular e a fala do professor, ele está tentando viver duas vidas ao mesmo tempo: a vida real e a vida virtual. Como já sabemos que não é possível prestar atenção em duas coisas complexas de um só vez, provavelmente, neste caso, a vida real sai perdendo. Fundamental, neste caso, seria o estudante tomar uma decisão: ou se focar totalmente na fala do professor e viver a vida real ou se focar totalmente no celular e viver plenamente a vida virtual. Tentar se dedicar às duas coisas ao mesmo tempo, como temos feito com grande frequência, só poderá resultar em perda da nossa capacidade de concentração. Eu não poderia discordar, nesse sentido, da preciosa recomendação feita pelo jornalista Pedro Burgos no livro Conecte-se ao que importa: um manual para a vida digital saudável: “Minha regra é o bom-senso ou qualquer derivação da frase 'esteja totalmente no lugar onde você escolheu estar'”.  

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