Dando continuidade à discussão sobre os impactos das novas tecnologias no mundo do trabalho (que já tratei em outros dois posts, veja aqui e aqui),
disponibilizo abaixo a tradução que fiz do texto "Will robots bring
about the end of work?", escrito por Toby Walsh, professor de
Inteligência Artificial da Universidade de Nova Gales do Sul/Austrália e autor do livro “Android Dreams: the past, present
and future of Artificial Intelligence”, ainda sem tradução para o português. A versão original deste artigo,
publicado no último dia 1° de Outubro pelo jornal britânico The Guardian, pode ser conferida aqui.
Hal Varian, economista-chefe do Google, tem uma maneira simples de prever o futuro. O futuro é simplesmente o que as pessoas ricas têm hoje. Os ricos têm motoristas (chauffeurs). No futuro, teremos carros autônomos que nos conduzirão pelas ruas. Os ricos possuem banqueiros privados. No futuro, todos teremos robôs-banqueiros.
Uma coisa que imaginamos que os ricos possuem são vidas de pura diversão (lives of leisure). Então, nosso futuro será aquele em que também levaremos vidas divertidas enquanto as máquinas trabalharão por nós? Poderemos gastar o nosso tempo com coisas mais importantes do que a preocupação com alimento e abrigo?
Voltemos agora para outro economista-chefe. Andy Haldane é economista-chefe do Bank of England. Em novembro de 2015, ele previu que 15 milhões de empregos no Reino Unido, cerca de metade de todos os empregos, estariam sob ameaça da automação. Você esperaria que ele soubesse o que estava falando.
"Precisamos urgentemente encarar o desafio da automação e da robótica, que podem tornar o trabalho contemporâneo redundante", disse Jeremy Corbyn na Conferência do Partido Trabalhista em setembro de 2017.
"Os dados do Banco Mundial previram que a proporção de postos de trabalho ameaçados pela automação na Índia é de 69%, 77% na China e 85% na Etiópia", de acordo com o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, em 2016.
Realmente soa como se estivéssemos enfrentando o fim do trabalho tal como o conhecemos.
Muitos desses medos podem ser rastreados até um estudo de 2013 da Universidade de Oxford, que estabeleceu uma previsão muito citada de que 47% dos empregos nos EUA estariam sob ameaça de automação nas próximas duas décadas. Outros estudos mais recentes e detalhados fizeram previsões igualmente dramáticas.
Por outro lado, há muito o que se criticar no estudo de Oxford. Do ponto de vista técnico, algumas das previsões do relatório estão claramente erradas. O relatório aponta para uma probabilidade de 94% de que o trabalho de mecânico de bicicleta seja automatizado nas próximas duas décadas. E como alguém que tenta construir esse futuro, eu posso garantir a qualquer profissional da área que não há nenhuma chance de que nós automatizaremos sequer pequenas partes deste trabalho num futuro próximo. A verdade sobre esta questão é que ninguém tem nenhuma ideia real do número de empregos em risco.
Mesmo que tenhamos 47% dos postos de trabalho automatizados, isso não se traduzirá em 47% de desemprego. Um dos motivos é que nós podemos encurtar a semana de trabalho. Esse foi o caso na Revolução Industrial. Antes da Revolução Industrial, muitos trabalhavam 60 horas por semana. Após a Revolução Industrial, o trabalho reduziu-se para cerca de 40 horas por semana. O mesmo pode acontecer com o desenvolvimento da Revolução da Inteligência Artificial.
Outra razão pela qual 47% de automação não se traduz em 47% de desemprego é que todas as tecnologias criam novos empregos, assim como os destroem. Esse foi o caso no passado e não temos motivos para supor que não ocorrerá da mesma forma no futuro. Não existe, entretanto, nenhuma lei fundamental da economia que exija o mesmo número de empregos a serem criados e destruídos. No passado, mais trabalhos foram criados do que destruídos, mas isto não necessariamente ocorrerá no futuro.
Na Revolução Industrial, as máquinas assumiram muitas das tarefas físicas que costumávamos fazer. Mas nós, humanos, ainda ficamos com todas as tarefas cognitivas. Na atualidade, com as máquinas começando a assumir também muitas das tarefas cognitivas, surge uma questão preocupante: o que resta a nós humanos?
Alguns dos meus colegas afirmam que surgirão inúmeros novos empregos, como o de "mecânico de robô" (robot repair person). Não estou totalmente convencido de tais afirmações. As milhares de pessoas que costumavam pintar e soldar na maioria das nossas fábricas de automóvel foram substituídas por apenas um par de "mecânicos de robôs".
Não, as novas profissões terão que gerar trabalhos tanto onde os seres humanos se sobressaem quanto onde escolhemos não ter máquinas. Mas aqui temos uma contradição. Entre cinquenta a cem anos no futuro, as máquinas serão super-humanas. Portanto, é difícil imaginar qualquer trabalho no qual os humanos permanecerão melhores do que as máquinas. Isso significa que os únicos trabalhos que restarão serão aqueles que preferimos que sejam feitos por seres humanos.
Neste contexto, a Revolução da IA envolverá redescobrir as coisas que nos tornam humanos. Tecnicamente, as máquinas se tornarão artistas incríveis. Elas poderão criar músicas que rivalizarão com Bach e pinturas que se igualarão à Picasso. Mas ainda preferiremos obras produzidas por artistas humanos.
Essas obras vão falar sobre a experiência humana. Apreciaremos um artista humano que fala sobre o amor porque temos isso em comum. Nenhuma máquina experimentará verdadeiramente o amor como nós.
Assim como na seara artística, haverá uma re-apreciação do artesanato. Na verdade, vemos isto começando já na cultura hipster. Apreciaremos mais e mais as coisas feitas pela mão humana. Produtos de massa feitos por máquinas tornar-se-ão baratos. Mas os itens feitos à mão serão raros e cada vez mais valiosos.
Finalmente, como animais sociais, também apreciaremos e valorizaremos as interações sociais com outros humanos. Assim, os traços humanos mais importantes serão a nossa inteligência social e emocional, bem como as nossas habilidades artísticas e artesanais. A ironia é que nosso futuro tecnológico não será focado na tecnologia, mas na nossa humanidade.