quarta-feira, 16 de julho de 2014

A psicóloga "da seleção" e o sigilo profissional

Diversas pessoas, dentre elas o jornalista esportivo Juca Kfouri, estão acusando a psicóloga do esporte Regina Brandão, que prestou um serviço para a seleção brasileira durante a Copa, de ter cometido uma infração à ética profissional dos psicólogos ao supostamente expor seus clientes/pacientes em rede nacional - quebrando assim, o sigilo profissional. Quem assistiu à entrevista de Regina no programa Roda Viva (se não, assista aqui) concorda com esta crítica? Eu assisti e não concordo, ou melhor, não completamente. Regina falou do seu trabalho na seleção mas, que eu me lembre (me corrijam se eu estiver errado), em nenhum momento ela expôs um ou outro jogador especificamente, sempre falando no conjunto dos jogadores, da equipe como um todo. Quando falou de determinados jogadores foi bastante genérica, não expondo muita coisa - muito menos o resultado da avaliação psicológica que ela fez. 

No Código de Ética Profissional dos Psicólogos consta que "é dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional". Como já disse, não creio que ela tenha exposto a intimidade de qualquer jogador ou membro da comissão técnica. Mas será que ela protegeu devidamente a "intimidade" do grupo/organização a que prestou serviço? Essa pergunta leva, por sua vez a outra: será que ela poderia participar de um programa de entrevistas e falar sobre o seu trabalho junto à seleção brasileira? Sinceramente não sei. Ao mesmo tempo que penso que talvez ela devesse ter recusado ceder tal entrevista (especialmente em um momento de grande comoção com a derrota da seleção brasileira na Copa), considero importante que profissionais sérios e competente apareçam na mídia e falem sobre a nossa profissão, ainda tão cercada de mistérios e visões equivocadas. De toda forma, se ela de fato cometeu uma infração ética, será necessário inicialmente uma denúncia ao Conselho Regional de Psicologia a que ela esta vinculada e um posterior julgamento pela entidade. Mas, siceramente, tenho minhas dúvidas se realmente ela quebrou o sigilo profissional em sua entrevista.

No código de ética também consta que "o psicólogo, ao participar de atividade em veículos de comunicação, zelará para que as informações prestadas disseminem oconhecimento a respeito das atribuições, da base científica e do papel social da profissão".  Com relação à isso, considero que Regina fez o que tinha (e o que podia) fazer: falou sobre seu trabalho enquanto psicóloga do esporte - atividade que realiza há mais de 20 anos; e falou também, de uma forma bastante genérica, de seu trabalho com a seleção - o que desagradou um tanto de pessoas, que esperavam que ela falasse de uma forma mais específica sobre a "psiquê" dos jogadores. Se ela tivesse feito isso, aí não teria dúvida em dizer que cometeu uma infração ética, mas não foi o que ela fez. 

Já no Manual de Orientações, elaborado pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (veja aqui) é dito sobre a participação de psicólogos na mídia: "É fundamental que o(a) psicólogo(a) atente para o uso do conhecimento da Psicologia em favor do bem-estar da população e não da exposição de pessoas ou grupos ou organizações nestes meios de comunicação. Deverá zelar também para que as informações que oferecer tomem por base apenas conhecimentos a respeito das atribuições, da base científica e do papel social da profissão, contribuindo para o esclarecimento do trabalho que o(a) psicólogo(a) realiza ou em relação às teorias, técnicas, conceitos e ideias reconhecidas pela Psicologia e que possam estar sendo objeto da divulgação". Pessoalmente, considero que Regina cumpriu bem seu papel, divulgando e explicando seu trabalho como psicóloga do esporte. A única dúvida que me resta é se Regina de alguma forma falhou ao expôr o grupo/organização para a qual ela prestou um serviço (mesmo que não tenha sido remunerada, diga-se de passagem). O que vocês acham?
Comentários
1 Comentários

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi, Felipe. Penso que é um debate necessário e para o qual não temos respostas prontas. Troquei e-mails com um jornalista - não exatamente esse - e disse que um Psicólogo, qualquer que fosse, não poderia falar publicamente de diagnósticos, como o de transtorno de estresse pós-traumático, por exemplo, no caso de seus clientes ou pacientes. Isso porque uma médica me indicou para que eu "ajudasse" a um jornalista a compreender o ocorrido com a seleção, solicitando que eu falasse sobre um "suposto estresse pós-traumático". Eu disse que não saberia dizer nada a respeito, uma vez que eu praticamente não compreendo coisa alguma das regras do futebol. E não poderia falar nada sobre a seleção, já que eu não vi e não ouvi nada a respeito. E mesmo que eu tivesse ouvido, eu seria o último a ir à imprensa falar alguma coisa.

Lembro do que eu aprendi com a Maria Helena Pereira Franco, numa de suas aulas, num desses pré-congressos de Psicologia... Ela coordena o Grupo IPE – Intervenções Psicológicas em Emergências, com sede em São Paulo, além do 4 Estações, Instituto de Psicologia especializado no tratamento de perdas, morte e luto... A regra principal do IPE, quando contratado para atender a casos de emergência, desastres e tragédias, é: jamais falar com a imprensa.

Penso que isso se aplica em todos os casos. É evidente que o Psicólogo que trabalha com desastres e emergências é praticamente desconhecido, mas isso não justifica, em hipótese alguma, que ele vá à imprensa falar sobre seu atendimento, mesmo que de "forma evasiva". Depois que a poeira baixar, caso haja um convite, ele pode ir ao mesmo programa tratar o assunto no sentido da psico-educação: como lidar com um luto dessa magnitude? Como lidar com as crianças? - são perguntas comuns de pessoas enlutadas pela morte de entres significativos...

Concordo com o jornalista em questão, que, pessoalmente, desconheço: desnecessário, bastante desnecessário. Quem poderá julgar se houve violação é o CRP, mas eu já disse e volto a repetir: é uma aparição pública desnecessária, pelos fins a que se propõe.