Recomendo com entusiasmo o documentário "Mr. Angel", sobre a surpreendente história de vida de Buck Angel - o filme está disponível no Netflix. Para quem não o conhece, Buck é esse sujeito da foto: um homem na faixa dos quarenta anos, musculoso e com várias tatuagens no corpo. Enfim, um típico "macho alfa". Buck trabalha como ator pornô nos Estados Unidos e mora com sua esposa e seus inúmeros cachorros no México. Mas o que faz de Buck um sujeito realmente único é que ele, diferentemente da maioria dos homens, não possui um pênis. Na verdade, ele possui uma vagina. Sim, é isso mesmo: Buck é um homem com uma vagina. Nascido e criado como menina, Buck nunca se encaixou no que esperavam de seu gênero original. Preferia brincadeiras e roupas masculinas mas sempre foi reprimido por sua família, especialmente por seu pai. No final da adolescência tornou-se modelo mas ainda não aceitava a identidade feminina e por isso se punia de inúmeras formas (se cortava, bebia demais e usava drogas ilícitas, inclusive crack, etc) e tentou se matar algumas vezes. No inicio da vida adulta começou a se aceitar como homem e fez a sua primeira cirurgia, de remoção dos seios, começando também a tomar testosterona com o objetivo de masculinizar-se. Mas nunca quis fazer a cirurgia de transgenitalização (vulgarmente conhecida como cirurgia de mudança de sexo) tanto por gostar de sua vagina quanto por entender que o pênis que seria construido com fragmentos de outras partes de seu corpo nunca seria plenamente funcional como o da maioria dos homens. Seria mais esteticamente um pênis do que funcionalmente um pênis. Em função disso, optou por manter sua vagina, masculinizando-se de outras maneiras. A vida e o corpo de Buck nos permitem questionar de uma forma bastante profunda o que nos torna homens e mulheres, Será que é o fato de possuir um pênis que nos torna homens? Será possível ser homem sem um pênis? Buck nos mostra e nos prova que sim. Em uma cena do documentário é exibido um trecho não-explícito de um filme de Buck no qual ele faz sexo com uma mulher trans não-operada, ou seja, uma mulher com um pênis. O que temos então é, de certa forma, um sexo heterossexual: um homem faz sexo com uma mulher - a única mas não insignificante diferença é que, nesse caso, o homem possui uma vagina e a mulher um pênis. Ficou confuso? Talvez seja realmente confuso - e mesmo perturbador - para quem se habituou a pensar que todos os homens, para serem homens devem necessariamente possuir um pênis - e mulheres, para serem mulheres, uma vagina. Mas pessoas como Buck deixam claro que não é a genética nem o fato de se possuir um pênis ou uma vagina que determinam a identidade de gênero de uma pessoa. É sua forma de ser e estar no mundo que são determinantes. Buck, quer se aceite ou não, é um homem. Com uma vagina.