sábado, 10 de novembro de 2012

Entrevista com o cartunista Miguel Montenegro (Psicopatos)


Quem acompanha este blog, sabe da minha paixão por cartuns, charges e quadrinhos, assim como por assuntos do mundo psi. E quando algum artista consegue unir estes dois campos, criando cartuns inspirados em temas psi, eu vou à loucura! E eis que encontrei no Facebook uma fã-page de uma série de cartuns chamada Psicopatos e desde então acompanho os geniais desenhos do cartunista português Miguel Montenegro. Miguel trata em seus cartuns de questões absolutamente relevantes à área psi e não poupa críticas nem aos psiquiatras, representados pela figura de um porco, nem aos psicanalistas, representados por um ser que ele designa de gavião-vampiro. Segundo seus cartuns, não são só os psiquiatras que rotulam e patologizam; os psicanalistas também o fazem, com a diferença de não medicarem. O teste de Rorschach e até mesmo a "vaca sagrada" da psicanálise, são alvos constantes de seus cartuns.



Resolvi contatar Miguel para uma entrevista, assim como fez o psicólogo Vladimir Melo com o cartunista Pacha Urbano (autor da genial série "As traumáticas aventuras do filho do Freud" - veja a entrevista com ele aqui). Miguel gentilmente aceitou o convite. Enviei, então, as perguntas por email e ele respondeu. Segue abaixo o resultado:

Miguel, quando você começou a desenhar?

Desenho desde que me lembro, mas foi com onze anos que decidi ser ilustrador profissional quando crescesse. O meu sonho era fazer banda desenhada para a Marvel Comics. Quando consegui, o interesse foi esmorecendo aos poucos. Ter de desenhar oito horas por dia, todos os dias, pode-se tornar aborrecido.

Atualmente, você desenha profissionalmente ou somente por hobby?

Eu continuo a fazer trabalhos de ilustração para publicidade em regime free-lance, sobretudo storyboards, porque é a minha profissão. O meu objetivo é poder desenhar só por prazer, mas é possível que invista novamente na área da ilustração. Às vezes sinto aquela vontade antiga de voltar a desenhar mais regularmente. Normalmente passa rápido, mas vamos ver como é de futuro.




Qual sua relação com a Psicologia e com a Psicanálise?

Eu estou a terminar o mestrado em Psicologia Clínica. Neste momento estou a estagiar no serviço de psiquiatria do Hospital Sta. Maria, em Lisboa. Este ano espero ainda entrar na Sociedade Portuguesa de Psicoterapia Existencial.

Já fez análise ou psicoterapia em algum momento da sua vida?

Ando atento à procura de um terapeuta para dar início a esse processo. É tarefa difícil. Gostava de alguém cuja base teórica fosse fenomenológico-existencial, mas que também tivesse formação psicanalítica. Só conheço uma pessoa com essas características. É um professor meu com quem tenho uma relação próxima, pelo que não é a pessoa indicada. Mas não tenho pressa. Vai acontecer quando tiver de ser, se tiver de ser.



Quando e de que forma surgiu a ideia dos Psicopatos?

Os Psicopatos estão comigo desde o fim do primeiro ano do curso de psicologia. Na altura, a ideia era fazer uma tira ou outra, quando me confrontasse com algumas das contradições que encontramos nas “ciências” psicológicas, e que, manifestas de outra maneira, podiam ser mal aceites. Provavelmente por falta de tempo, fui adiando a ideia, e o primeiro Psicopatos nasceu em Fevereiro de 2012. Toda a gente gostou, até os professores de psicanálise. Só um é que me veio chatear, dando-me um raspanete em público. Enfim…Fiz mais duas ou três tiras, até que o ISPA, a minha universidade, mostrou interesse em publicar um livro de Psicopatos no fim do ano. Deram-me carta branca para desenhar o que quisesse, sem qualquer censura. Eu fiquei muito contente com a ideia, e passei a tentar produzir 2-3 tiras por semana. Agora que já temos quase 150 – embora só cerca de metade estejam publicadas no Facebook –, vamos começar a pensar em publicar tudo em livro.



Noto em seus cartuns, uma relação de amor e ódio com a psicanálise. Qual sua visão da psicanálise e dos psicanalistas?

É interessante essa observação. Algumas pessoas acham que eu odeio a psicanálise, o que é errado. Outras, mais perspicazes, percebem que o que faço é apresentar uma visão crítica da psicanálise, no sentido de a tentar compreender na sua essência. Nesse intuito, comecei a notar que algumas questões fundamentais ficam por responder: O Inconsciente existe? Se as pulsões são energias reais e não metafóricas, então porque não as conseguimos medir como uma energia típica da física? Como pode a psicanálise dizer-se humanista se desconsidera o individuo consciente a favor dessa coisa a que chama de Inconsciente e que nunca ninguém viu? A psicanálise diz-se ciência, mas não apresenta nenhum objeto concreto e real passível de ser estudado pelo método cientifico. Está mais próxima da astrologia do que da medicina.




Tenho uma curiosidade: qual a penetração da psicanálise em Portugal? Ela é disseminada por aí como é aqui no Brasil e na França?

Em Portugal, a psicanálise ainda é a corrente dominante. A corrente cognitivo-comportamental cada vez tem mais relevância, sobretudo pelas vantagens que apresenta em contexto hospitalar e institucional. Infelizmente, a corrente fenomenológico-existencial só agora está a aparecer, havendo menos de vinte terapeutas no pais todo. Espero poder vir a contribuir para a sua disseminação.




Percebo também uma crítica à psiquiatria e ao excesso de medicação. Como enxerga esta questão?

Considero que não há medicação nem a mais nem a menos. Ela deve ser aquela que o próprio deseja tomar, como e quando assim entender. Não encontro fundamento para que umas drogas sejam legais e outras ilegais, para além da manutenção de um monopólio financeiro por parte de alguns grupos económicos, todos eles associados à medicina, o que considero, no mínimo, imoral. 



Tal como em relação à psicanálise, nada tenho contra a psiquiatria em si mesma, como nada tenho contra a astrologia ou contra o nutricionismo. Defendo o direito de qualquer adulto poder aceder livremente a qualquer prestação de serviço, desde que o contrato entre si e o prestador de serviços seja realizado numa base de escolha livre e honesta entre ambas as partes. A minha atitude é sobretudo antifraude e anti-coerção. A psicanálise, ao dizer que é ciência, comete um fraude; ao “tratar” crianças, é coerciva. De igual forma, a psiquiatria, ao dizer que é medicina legítima com fundamento científico, comete um fraude: doenças mentais não são doenças reais, são doenças metafóricas; ao internar e medicamentar pessoas contra a sua vontade, é coerciva.

Agradeço muito sua disponibilidade por ceder esta entrevista. Um grande abraço.

Obrigado, Felipe. Foi divertido



Veja mais cartuns do Miguel aqui.
Comentários
3 Comentários

3 comentários:

Daniel Grandinetti disse...

De todas as críticas que ele levantou contra a Psicanálise, a única relevante é a que se aplica também à psiquiatria: Essa tendência de diagnosticar e rotular as pessoas. Pelo menos aqui no Brasil já foi entendido há muito tempo que Psicanálise não é ciência. E as dúvidas quanto à existência do inconsciente e sobre a natureza da energia psíquica não constituem questões de interesse científico. A existência do inconsciente não pode ser provada, assim como não pode ser provada a existência do átomo. 'Inconsciente' é um conceito auxiliar, um conceito que visa ajudar na explicação dos fenômenos de inconsciência; e os fenômenos em que é possível constatar a inconsciência do sujeito são evidentes. O mesmo se aplica à visão energética da mente. Trata-se de um conceito que pretende tornar figurada e mais fácil de entender uma dinâmica psíquica que, em si mesma, é complexa e contra-intuitiva. Muitas críticas da Psicanálise se perdem nessas questões irrelevantes. As teorias psicanalíticas pretendem fornecer um modelo explicativo para os fatos em que se baseia a Psicanálise. O que deve ser discutido é se as explicações fornecidas pela Psicanálise realmente dão conta dos fatos descobertos por ela. Discussões sobre a existência do inconsciente ou sobre a natureza energética da mente são totalmente improdutivas e fora de propósito.

Fernanda Tolomei disse...

Adorei essa entrevista, com certeza o Miguel aborda temas polêmicos da psicologia com uma ilustração muito divertida!

Anônimo disse...

A religião é um conceito auxiliar, um conceito que visa ajudar na explicação dos fenômenos da inconsciência e os fenômenos em que é possível constatar a inconsciência do sujeito são evidentes. É o que se aplica, por exemplo, à Deus e ao Diabo... Trata-se de um conceito que pretende tornar figurada e mais fácil de entender uma dinâmica psíquica que, em si mesma, é complexa e contra-intuitiva. As teorias religiosas pretendem fornecer um modelo explicativo para os fatos em que se baseia a religião. O que deve ser discutido é se as explicações fornecidas por elas realmente dão conta dos fatos que ela diz ter descoberto.