No último fim de semana, zapeando pelos canais a cabo, acabei caindo no filme "Amor por contrato", que estava passando no Telecine Touch. Dificilmente pararia para assistir a um filme com este título e neste canal, mas a intuição prevaleceu e resolvi arriscar. E foi uma grata surpresa! Não que o filme seja uma obra-prima. Pelo contrário, é bobo em vários momentos e raso de uma forma geral, mas a ideia central é interessantíssima. "The joneses", nome original do filme, conta a história da família Jones, uma família típica dos comerciais de margarina: Steve e Kate e os filhos adolescentes Mick e Jenn moram em uma casa luxuosíssima repleta de aparelhos ultramodernos, possuem - e exibem sem pudor - automóveis caros e potentes e, além de vomitarem dinheiro e poder, esbanjam felicidade. Steve e Jenn demonstram grande paixão um pelo outro e parecem ter uma vida sexual incrível. Os filhos adolescentes são rebeldes e comportados na medida certa. Todos são ricos, bonitos e carismáticos. Enfim, a família Jones seria perfeita se não fosse tudo uma grande mentira. Outros filmes, como o Beleza Americana, já exploraram a falsidade generalizada do chamado "american dream", mas no caso de Amor por contrato - e como o próprio título em português já denuncia - a falsidade está em um outro nível [a partir daqui haverá vários spoilers!].
Os Jones nem mesmo são uma família. Na verdade, eles são funcionários da empresa Lifeimage, que utiliza uma inesperada estratégia de marketing: ela contrata sujeitos de "boa aparência" (leia-se: brancos e magros) para atuarem como membros de uma família perfeita - a idéia é: se fosse uma família "real" nunca poderia ser perfeita. O objetivo desta empresa - e, portanto, de seus funcionários - não é vender diretamente produtos, mas gerar insatisfação e estimular o desejo de consumo de produtos de luxo nos vizinhos. A estratégia é simples e genial: criar uma família com a grama mais verde do que toda a vizinhança. Os Jones não vendem coisas, vendem ilusões. E de fato eles atingem este objetivo: um vizinho em especial, o Larry, com medo de "ficar para trás", começa a comprar vários produtos utilizados por Steve, endividando-se tremendamente. Quando Larry vê Steve com um carro maior e mais potente que o dele (e a comparação com o pênis não seria inadequada neste caso) ele se sente diminuído e, para aliviar este sentimento de frustração, decide comprar um carro novo. Na verdade, Larry não quer ter o que Steve tem, ele quer ser como Steve. Constatando a falência de seu próprio casamento, Larry passa a comprar mais e mais coisas, talvez na esperança de tornar sua vida e seu relacionamento tão perfeitos e completos como, supostamente, os de Steve. O problema é que Steve sempre o supera, gerando uma frustração constante em Larry. Frustração semelhante talvez à que sentem vários indivíduos aficionados por tecnologia ao comprarem o tablet mais moderno e verem, em pouco tempo, novos equipamentos ainda mais modernos e "completos" surgirem no mercado. O que o filme expõe muito bem, ainda que de forma esquemática, é que frustração e consumo andam juntos. Talvez seja por isso que quanto mais frustrados estivermos com nossas vidas mais susceptíveis estamos a consumir coisas ou idéias - o enorme consumo de livros de autoajuda está aí para provar. Os marketeiros e publicitários sacaram isto faz tempo. Quanto mais eles conseguirem nos convencer de que nós e nossas vidas são muito menores do que poderiam ser, mais estamos abertos ao que eles tem para nos vender.
Esta estratégia vale para muitas coisas, inclusive para doenças. É tática conhecida da indústria farmacêutica, em função da restritiva regulamentação no marketing de medicamentos em quase todo o mundo, divulgar não os remédios mas as doenças. Não é coincidência que grande parte das associações de defesa dos portadores de diversos "transtornos mentais" é patrocinada por algum laboratório farmacêutico (dê só uma olhada nos apoiadores desta entidade na parte de baixo do site). A idéia é que quanto mais pessoas se identificarem com o diagnóstico, melhor para eles. E nada melhor para fazer as pessoas acreditarem que estão doentes do que exibir sistematicamente pessoas felizes - ou pelo menos mais felizes que você. Grande parte das propagandas funciona como os Jones: estabelecem padrões inatingíveis de saúde e felicidade que geram frustração e, logo, consumo - porque a indústria vende tanto o problema quanto a solução! No caso de Larry, não houve solução possível. Completamente endividado e desesperado, decide dar fim à própria vida, afogando-se na luxuosa piscina de sua casa. Diante da impossibilidade de ter a grama tão verde como a de Steve, Larry opta por eliminar toda sua frustração de uma só vez. E esta situação felizmente desperta Steve para a mentira e a crueldade de seu trabalho. Como não poderia deixar de ocorrer num filme hollywoodiano, tudo acaba bem: Steve se arrepende de seus atos, abandona o emprego e se apaixona de verdade por sua esposa de mentira - e ela por ele. Como seria bom se tudo ocorresse assim na vida real. Melhor ainda seria se conseguíssemos seguir o conselho do filósofo Gilles Lipovetsky (veja aqui):
Os objetos de consumo vão proporcionar algum sentimento de evasão, mas não trarão paz, harmonia. Consumir não basta. A felicidade exige outra coisa, principalmente na relação com os outros e consigo. Quem entendeu isso faz política, se engaja em associações. É possível ter satisfação ajudando os outros, as crianças, sentindo-se útil, lutando pela ecologia. Isso não é consumo. O homem não pode se reduzir a um consumidor.