segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

"A assistente" e a saúde mental no trabalho

No sensacional filme "A assistente", recém-lançado pela Prime Video, acompanhamos, do início ao fim, um dia de trabalho na vida de Jane, uma jovem secretária de uma grande e renomada produtora de cinema. Sua rotina, extenuante, é composta por milhares de pequenas funções ligadas à burocracia, à organização e à limpeza do escritório  e, especialmente, ao gerenciamento da vida profissional (e também pessoal) do poderoso chefão da companhia. Pra piorar, Jane é invisibilizada e diminuída pela equipe e frequentemente humilhada por seu chefe e por outros colegas de trabalho - todos homens, claro. Aliás, o ambiente da empresa é totalmente impregnado de uma machismo indisfarçável, o que pode ser observado não apenas na forma humilhante como Jane é tratada mas também na maneira como o chefão assedia, inclusive sexualmente, as novas funcionárias e candidatas a atrizes. Igualmente sintomático deste ambiente machista é a conivência do setor de RH da empresa com relação ao comportamento sistematicamente assediador do chefe. E pra piorar ainda mais a situação de Jane e das demais funcionárias assediadas moral e/ou sexualmente pelos homens da empresa, há uma espécie de cobrança social para que elas sejam gratas ao emprego que conseguiram - afinal de contas, elas fazem parte da prestigiosa indústria cinematográfica norte-americana, ainda que no nível mais baixo da hierarquia. Mas para além das discussões sobre machismo e assédio no ambiente de trabalho, já amplamente analisadas em outras resenhas do filme, gostaria aqui de trazer um outra questão. Seria possível, em um ambiente tóxico como o da empresa retratada, uma funcionária como Jane ter algum nível de saúde mental? Porque se a saúde mental depende apenas ou fortemente  do indivíduo, então cabe somente a ele buscar maneiras de se "blindar emocionalmente" de tal toxicidade e se sentir bem apesar de todos os abusos e opressões. A grande questão é que a saúde mental não depende apenas do esforço e da força de vontade do indivíduo, estando fortemente relacionada ao ambiente em que este se encontra. Não é por outro motivo que o sofrimento psíquico (que eu jamais equivaleria à categoria de transtorno mental) provavelmente aumentou consideravelmente neste período de pandemia: porque somos seres relacionais e contextuais e o que acontece conosco e ao nosso redor (seja no ambiente de trabalho seja no mundo como um todo) influencia nossa subjetividade e, portanto, nossa saúde mental. Isto significa que é simplesmente inconcebível imaginar Jane mentalmente saudável em um ambiente tóxico como o que ela trabalha. 

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