sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

É hora de chamar Trump de doente mental?

O artigo que eu traduzi e que disponibilizo abaixo foi publicado no último dia 17 de Fevereiro no jornal New York Times. Seu autor é o psiquiatra Richard A. Friedman. Para ler o artigo no original clique aqui.

Um grande número de pessoas tem questionado a saúde mental do presidente Donald Trump. Este mês, o senador Ted Lieu, um democrata californiano, chegou a dizer que estava considerando propor uma legislação para exigir um psiquiatra na Casa Branca.   

Mais controverso ainda é o número de especialistas que estão se juntando ao coro. Em dezembro, um artigo publicado no jornal Huffington Post incluiu uma carta escrita por três proeminentes professores de psiquiatria que citava "a grandiosidade, a impulsividade, a hipersensibilidade ao desprezo ou às criticas e uma aparente incapacidade de distinguir entre fantasia e realidade" do presidente Trump como evidências de sua instabilidade mental. Embora não tenham dado ao presidente um diagnóstico psiquiátrico formal, os especialistas o convidaram a se submeter a uma completa avaliação médica e neuropsiquiátrica  realizada por pesquisadores imparciais.

Um psicólogo clínico foi além no final de janeiro. Ele foi citado em um artigo do site U.S. News and World Report intitulado “Temperament Tantrum" [Temperamento birrento], dizendo que o Presidente Trump possui um narcisismo maligno, caracterizado pela grandiosidade, pelo sadismo e pelo comportamento antissocial. 

Eu não duvido que estes especialistas acreditem que estão protegendo o país de um presidente cujo comportamento eles - assim como muitos de nós - veem como perigoso. Uma recente carta ao editor publicada neste jornal, assinada por 35 psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, se expressou desta forma: "nós tememos que muito esteja em jogo para ficarmos em silêncio". E continuou: "Acreditamos que a grave instabilidade emocional demonstrada pelas falas e ações do Sr. Trump, o torna incapaz de atuar de forma segura como presidente". 

No entanto, a tentativa de buscar um diagnóstico para o Presidente Trump e declará-lo mentalmente inapto para o trabalho é equivocada por uma série de razões.

Em primeiro lugar todos os especialistas têm convicções políticas que provavelmente distorcem seu julgamento psiquiátrico. Considere o que minha profissão, em sua maioria liberal, disse sobre o senador Barry Goldwater, candidato republicano a presidente em 1964, logo antes da eleição. Membros da Associação Psiquiátrica Americana (APA) foram questionados pela extinta revista Fact sobre a avaliação que faziam de Goldwater. Muitos o atacaram rotulando-o de "paranóico", "psicótico" e "megalomaníaco". Alguns forneceram diagnósticos como esquizofrenia ou transtorno de personalidade narcísica. Eles usaram seus conhecimentos profissionais como armas políticas contra um homem que eles nunca examinaram e que certamente nunca teria consentido em discutir sua saúde mental em público.

Goldwater processou (com sucesso) e, como resultado, em 1973 a APA desenvolveu a "Regra Goldwater". Ela diz que os psiquiatras podem discutir problemas de saúde mental nos meios de comunicação, mas que é antiético diagnosticar doenças mentais em pessoas que eles não examinaram e cujo consentimento não receberam. 

Contrariamente ao que muitos acreditam, esta regra não significa que os profissionais devam permanecer em silêncio sobre figuras públicas. De fato, as diretrizes  afirmam especificamente que os profissionais de saúde mental devem compartilhar seus conhecimentos para educar o público. 

Assim, enquanto for antiético para um psiquiatra dizer que o Presidente Trump possui um transtorno de personalidade narcísica, ele ou ela poderiam discutir traços comuns à característica narcisista, como a grandiosidade e à intolerância à críticas e como isto pode explicar o comportamento do Sr. Trump. Em outras palavras, os psiquiatras podem falar sobre a psicologia e os sintomas do narcisismo em geral, e o público é livre para decidir se a informação pode se aplicar a um indivíduo específico. 
  
Isto pode parecer uma discussão insignificante, mas não é. A realização de um diagnóstico requer um exame minucioso do paciente, uma história detalhada e todos os dados clínicos relevantes - nenhum dos quais pode ser coletado à distância. O narcisismo, por exemplo, não é a única explicação para o comportamento impulsivo, desatento e grandioso. A pessoa pode estar sofrendo de outro problema clínico como transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, o abuso de drogas, álcool ou estimulantes ou de uma variante do transtorno bipolar, para citar apenas alguns. 

Isto tudo para dizer que quando os profissionais de saúde mental rotulam figuras públicas com doenças mentais, não é apenas antiético - é intelectualmente questionável. Nós não temos os dados clínicos necessários para saber o que estamos falando.
 
Além disso, mesmo se você postular que um presidente possui um transtorno mental, isto diz muito pouco sobre sua aptidão para a função. Afinal, Lincoln tinha depressão severa. Theodore Roosevelt provavelmente era bipolar. Ulysses S. Grant era alcoolista. De acordo com um estudo baseado em dados biográficos, 18 dos primeiros 37 presidentes norte-americanos reunem critérios sugerindo que sofreram de distúrbios psiquiátricos durante a sua vida: 24% de depressão, 8% de ansiedade, 8% de transtorno bipolar e 8% de abuso ou dependência de álcool. E 10 desses presidentes mostraram sinais de doença mental enquanto estavam no cargo
 
Você pode possuir um transtorno psiquiátrico e ser perfeitamente competente, assim como você pode ser mentalmente saudável e totalmente inapto (é claro que certos estados mentais, como a psicose e a demência, tornam o presidente inapto para o serviço).

Há uma última razão pela qual devemos evitar rotular psiquiatricamente nossos líderes: isto deixa de fora a questão moral. Nem todos os maus comportamentos refletem uma psicopatologia. O fato é que a mediocridade e a incompetência humanas são muito mais comuns do que a doença mental. Não devemos contribuir para a medicalização dos maus indivíduos. Isto significa que a nação não precisa de um psiquiatra para ajudá-la a decidir se o Presidente Trump está apto para executar sua função, mentalmente ou de outra forma. Presidentes devem ser julgados pelos méritos de suas ações, por suas declarações e, suponho, por seus tweets. Nenhum perito é necessário para isso - apenas senso comum.  
Comentários
2 Comentários

2 comentários:

Biologia Nilo Stephan disse...

Os norteamericanos tem a mania de chamar de loucos quem pensa diferente. No livro duelo de neurocirurgioes,os assassinos de presidentesaber são sempre malucos . Nunca tem motivação política

Elaine Godinho disse...

Neste caso específico, o mal que ele vem anunciando e provocando acaba justificando as avaliações, porque este mal pode abalar o mundo... então, alertar para um provável desequilíbrio do indivíduo parece menor do que desequilibrar perigosamente todo o resto. Pariram Mateus, agora que o embalem...