Reproduzo abaixo um excelente artigo, publicado hoje na Gazeta Esportiva, que evidencia o quanto a atuação psicológica séria é distante da auto-ajuda. Felizmente existem profissionais inteligentes e críticos como João Ricardo, psicólogo esportivo e autor do artigo. Uma injeção de ânimo para aqueles que, como eu, vivem uma relação de amor e ódio com a Psicologia!
Uma palestra e nada mais
São Paulo (SP) - 'Considerem-se vitoriosos! Por que? Pelo simples fato de, um dia, já terem sido espermatozóides que venceram a árdua batalha contra outros milhões e se tornaram seres vivos brilhantes e cheios de luz!'.
Que tal? Alguém ficou motivado?
Amigos, os motivadores de plantão estão novamente à solta. As equipes que estão caindo pela tabela têm apelado para estes senhores (e senhoritas), na maioria, sem a formação psicológica adequada (administradores, economistas, engenheiros), para ministrar palestras de auto-ajuda que, quase sempre, 'auto-atrapalham' ou matam os atletas de dar risada. Não há a preocupação e o cuidado no levantamento das demandas motivacionais dos jogadores para se preparar um encontro produtivo e coerente.O que importa, mesmo, é o jogo de cena.
Hoje em dia, basta ter uma boa retórica, vídeos do Ayrton Senna, frases de efeito (defeituosas) e um discurso convincente para se tornar um 'psicólogo esportivo'.
Trabalhar a mente e as emoções dos jogadores de futebol se transformou na mais pura banalização e falta de reconhecimento da ação, quase sempre corrosiva, destes fatores no desempenho individual e coletivo dos atletas.
Creio que existam algumas explicações para que o mercado do futebol abra espaço para estes aproveitadores. Em primeiro lugar, há a falta de cursos acadêmicos de Psicologia do Esporte neste país. Aqueles que desejam ingressar na área, recomendo que procurem alternativas no exterior (Espanha e Cuba contam com ótimos cursos de especialização).
Além desta lacuna universitária, há uma luta travada contra a ignorância da maioria dos dirigentes que concebem a presença de um psicólogo como um perigo ou algo que irá depor contra a boa (?) condição de saúde mental, social e pública dos clubes.
Cada vez que fico sabendo que uma determinada equipe contratou um destes senhores (quase sempre em momentos críticos, já que falar em prevenção e promoção de saúde no esporte é quase um crime), confesso que desanimo em minha luta de mais de quinze anos pela divulgação, dignidade, ética e ensino da Psicologia Esportiva.
Conto nos dedos da metade de uma mão, os dirigentes que tive a sorte de conhecer e que valorizam, de forma correta e séria, o papel de um trabalho psicológico científico no futebol.
Os técnicos que aí estão, na maioria, ex-boleiros, são os primeiros a empunhar a bandeira contra a o trabalho de psicólogos do esporte nas equipes. Em geral, a soberba, vaidade, ignorância, frutos da insegurança e total falta de humildade são as armas (letais) recorrentes destes treinadores. Já outros ex-boleiros do passado – atuais aspirantes à jornalista - ratificam este mesmo discurso na televisão, rádios e jornais. Uma lástima total.
O trabalho do psicólogo esportivo, em geral só é lembrado quando vários treinadores foram demitidos, boa parte do elenco foi modificada, pais e mães de santo convocados para benzer e, pasmem, até padres fanáticos pelos clubes convidados para palestrar com o uniforme do time do coração embaixo da batina.
A cultura da preparação esportiva no Brasil está anos luz atrasada diante de outros países. O brasileiro ainda sofre pelos tabus e preconceitos quando as necessidades emocionais e mentais dos atletas pedem passagem. Os dirigentes buscam soluções vazias e superficiais, na tentativa desesperada de encobrir as feridas geradas pela desinformação e idéias equivocadas a respeito da alma.
Deixem o Ayrton Senna em paz. Esqueçam os espermatozóides e todos os demais discursos e palestras enlatadas que só causam indigestão num curto espaço de tempo. É só uma questão de postura e, claro, bom senso.
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