Em um artigo anterior afirmei que, para o psicólogo recém-formado, há basicamente duas possibilidades de obtenção de emprego: no sistema privado ou no público. Por descuido esqueci do atualmente relevante terceiro setor (ONGs) que, cada vez mais, tem recrutado profissionais (inclusive psicólogos) para a composição de seu quadro funcional. De acordo com o excelente encarte especial “O poder das ONGs” da revista Época (disponível aqui) existem atualmente no Brasil 338 mil ONGs que empregam mais de 1,8 milhão de pessoas - o que corresponde a mais de três vezes o número de funcionários públicos federais.
Por outro lado, segundo a reportagem, “a quantidade de dinheiro disponível no Terceiro Setor atrai não apenas gente bem-intencionada. Os esquemas de corrupção e desvio de dinheiro público que surgiram ao redor das ONGs devem ser combatidos e investigados. A legislação que as regula também deve ser aperfeiçoada para evitar as brecas que permitem estes desvios. Mas, surpreendentemente, a maior parte do dinheiro das ONGs não vem do governo. De acordo com pesquisa da John Hopkins, apenas 14% dos recursos das ONGs brasileiras se originam de convênios e subvenções governamentais. A maior fatia - 69% - vem da venda de produtos e serviços. E 17% se originam de doações do setor privado”. Você sabia disso? Eu não. Daí minha surpresa ao constatar a diminuta contribuição governamental às ONGs.
Diminuta, mas não irrelevante, pois, somente em 2006 o governo repassou ao setor cerca de R$161,7 milhões. Tanto dinheiro, levantou, posteriormente, suspeitas de irregularidades, que “hoje são investigadas, simultaneamente, pela Polícia Federal, pela Controladoria-Geral da União (CGU), pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pelo Ministério Público”. Além, é claro, da CPI das ONGs, criada em 2007 pelo Senado Federal, e que, atualmente, investiga cerca de 200 ONGs.
Felizmente, porém, a maioria das ONGs parece fazer um trabalho honesto e socialmente relevante. Na reportagem, dois psicólogos são apontados como importantes empreendedores sociais brasileiros. A primeira, Raquel Barros, fundadora da ONG Lua Nova de Sorocaba (SP), chegou inclusive a ser agraciada com um prêmio da fundação Ashoka por seu trabalho de “abrigo e apoio médico, psicológico e educacional a jovens mães solteiras e seus filhos, além de programas de geração de renda para as residentes”. A ONG beneficia diretamente 500 pessoas, além dos 25 funcionários contratados. Como diretora da ONG Raquel ganha um pró-labore de R$4500,00. Mas de uma forma geral o salário médio de um funcionário do terceiro setor é de R$1577,00 ou 3,8 salários mínimos. Razoável, não?
O outro companheiro citado pela matéria é Marcus Góes, psicólogo e coordenador do Instituto Sou da Paz. De acordo com a revista: “Foi na faculdade de Psicologia que Marcus Góes teve contato com o universo que definiria os rumos de sua vida profissional. Envolveu-se tanto com o sistema carcerário na época do estágio que acabou fundando uma ONG, a União de Vila Nova, em São Miguel Paulista, na periferia de São Paulo, com um ex-presidiário. A associação oferecia cursos de artesanato, capoeira e teatro à comunidade local. Em 2002, Marcus deixou a Vila Nova nas mãos do amigo e migrou para o instituto Sou da Paz, como contratado. Lá coordenou um projeto de revitalização de praças, envolvendo as comunidades locais. Após quatro anos foi promovido a coordenador da área para supervisionar os projetos ligados à juventude. Além da ONG, Marcus é psicólogo clínico. Os planos para o futuro? Dar consultoria a ONGs na área de planejamento e avaliação. ‘Quero conhecer e ajudar a fortalecer as instituições sociais que estão aí’, diz ele”. Fico muito feliz de ver um psicólogo retratado em outra função, além da clínica. Esta imagem tradicional vai sendo quebrada aos poucos, à medida que os psicólogos vão deixando de lado o conforto do consultório particular e indo até quem realmente precisa de nós: a população excluída do país.
É bom ficarmos atentos: cada vez mais as ONGs tem buscado profissionalizar sua gestão. Perceberam que somente com boas intenções o trabalho não avançaria. Segundo a revista “pessoas capacitadas passaram a gerenciar as ONGs com ferramentas da iniciativa privada: tabela salarial, modelo de recrutamento, planos de benefícios e avaliação de desempenho”. Em tudo isso temos muito a contribuir. Mas um alerta: não espere ficar rico com seu trabalho na ONG (a menos que você faça parte de um “esquema” de desvio de dinheiro público). De acordo com Mario Aquino, da FGV, “a remuneração nas ONGs é menor, mas é compensada pelos valores”. Pois é...