quinta-feira, 22 de agosto de 2024

"A hipnose" e o falso culto à espontaneidade

No interessante e bizarro filme sueco "A hipnose" (Hypnosen, 2023), longa-metragem de estreia do diretor Ernst De Geer, acompanhamos o casal Vera e Andre, que acabaram de criar uma startup voltada para o desenvolvimento de aplicativos sobre saúde feminina e estão prestes a apresentar a empresa em uma espécie de concurso de startups. Acontece que pouco antes desse evento, Vera vai a uma hipnoterapeuta com o objetivo de tratar sua dependência de cigarro mas a terapeuta acaba "tratando" outras questões bem mais profundas em sua psiquê. E com esse brevíssimo tratamento, de uma mulher calada e submissa ao namorado, Vera se transforma radicalmente, passando a agir de uma forma espontânea e extrovertida - o que assusta tanto Andre quanto os demais participantes do evento. De início eu pensei que o objetivo central do filme fosse mostrar como os homens se incomodam quando uma mulher deixa de agir de forma passiva e passa a impor os seus desejos e vontades. Mas o comportamento de Vera vai se tornando, ao longo da narrativa, cada vez mais estranho e perturbador. E daí eu me dei conta de que o filme está criticando não apenas a lógica machista das nossas relações, mas também a hipocrisia do universo empresarial que no discurso valoriza a espontaneidade e a autenticidade mas que, na prática, não suporta quando alguém age de maneira verdadeiramente espontânea - como é o caso de Vera. E ao "ligar o foda-se" para as opiniões das outras pessoas e para as convenções sociais, Vera acaba gerando uma série de situações embaraçosas que causaram em mim uma constante sensação de vergonha-alheia. E o que dizer da cena final do filme? Absurdamente embaraçosa - e genial! Como já devo ter deixado claro, gostei demais da experiência, especialmente devido à intenção explícita do diretor de incomodar e provocar os expectadores - e de fato o filme me incomodou bastante. Caso tenha interesse em assistir, "A hipnose" acabou de ser incluído no catálogo da Mubi.

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