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| Que família, cara pálida? |
- O que que está acontecendo aqui?
- Ah, tão votando uma lei.
- Sobre o que é essa lei, você sabe?
- Ah, é a lei da ideologia de gênero [também conhecida como... Plano Municipal de Educação]
- Ah é? Tava sabendo não [mentira]. Sobre o que é essa lei?
- É uma lei para instituir a educação sexual nas escolas para que a criança possa escolher se quer ser menininho ou menininha.
- É mesmo? Que coisa.
- A criança seria sem sexo, já pensou?
Essa ideia de que discutir determinados assuntos na escola vai contaminar as crianças tornando-as mais propensas à homossexualidade ou à transexualidade, não faz o menor sentido - este video do Porta dos fundos ironiza justamente essa ideia. Da mesma forma como não faz sentido a visão contrária, defendida por estas pessoas, de que retirando-se estas temáticas "perniciosas" da educação, os pais poderão educar os filhos como bem entenderem e, com isto, as crianças estarão, finalmente, estabelecidas em seu gênero "natural" e "protegidas" da possibilidade de se tornarem homossexuais ou transexuais. A visão de tais pessoas só reforça para mim a necessidade de se inserir discussões sobre gênero e sexualidade na educação básica - e também na educação superior! Se a educação pretende preparar a pessoa para o mundo e para a vida em comum nada mais sensato do que trazer para a escola discussões fundamentais como estas. Ademais, mesmo que tais questões não sejam inseridas no contexto escolar, ainda sim os sujeitos estarão expostos à elas, seja na vida "real" ou na vida "virtual", e inevitavelmente se envolverão em discussões e reflexões em algum momento, quer se queira ou não.
Finalmente eu não poderia deixar de mencionar a
O que eu acho mais curioso nesta história toda é que as mesmas pessoas que afirmam que o gênero é algo biológico e não uma construção social, afirmam ser a orientação sexual uma construção social e não algo biológico - e é exatamente esta visão que abre espaço para terapias e ações de "cura" das homossexualidades. Então quer dizer que o gênero é algo inato e, portanto, impossível de mudar e a orientação sexual, pelo contrário, é algo construído e passível de modificação? O que estas pessoas não conseguem ver, na minha opinião, é que nós não somos nem só biologia nem só cultura. Nós somos formados num caldo de biologia e cultura no qual não é nada simples diferenciar o que é "inato" do que é "construído". Perspectivas científicas contemporâneas, como a epigenética e a noção de neuroplasticidade, bagunçam e colocam no chão, ainda mais, as visões deterministas - sejam elas biológicas ou sociais. Se, como tem demonstrado o campo da epigenética, a expressão dos genes pode ser influenciada, em alguns casos, por nossos comportamentos e pelo ambiente e se nosso cérebro se modifica em nossa interação com o mundo (a noção de neuroplasticidade, tão em voga atualmente, aponta nesta direção), então não faz o menor sentido dizer nem que o gênero e a orientação são inatos nem que são construídos. Eles são, por assim dizer, inatos e construídos. Herdamos características de nosso DNA mas também somos profundamente influenciados, e efetivamente construídos, pelo mundo físico e cultural. Isto não significa que não existam homens ou mulheres, mas que esta polaridade não dá conta de todos os casos e também que é possível não se conformar ao gênero atribuído ao nascimento. Quer queiram os críticos da "ideologia de gênero" ou não, existem - e continuarão existindo - homens com vagina e mulheres com pênis. Feliz ou infelizmente não é o órgão sexual que definirá a identidade de gênero da pessoa. E também continuarão existindo gays, lésbicas, bissexuais, assexuais, pansexuais e tudo o mais. Estes defensores da moral e dos bons costumes podem espernear, podem conseguir retirar todas as menções à gênero e sexualidade dos Planos Municipais de Educação, podem até criar as leis mais retrógradas possíveis, mas a realidade é que eles nunca conseguirão impedir as pessoas de serem quem elas são - ou quem elas quiserem ser. Aceitem que dói menos, queridos.Indicação: uma ótima dica para se iniciar em discussões sérias e necessárias sobre gênero e sexualidade na educação para além desta visão catastrófica disseminada pelos críticos da tal "ideologia de gênero" é o livro "Diferentes, não desiguais: a questão de gênero na escola", escrito conjuntamente pelos cientistas sociais Beatriz Accioly Lins, Bernardo Machado e Michele Escoura e publicado este ano pela editora Reviravolta. Neste livro você encontrará as principais discussões e conceitos relativos às temáticas do gênero e da sexualidade apresentadas de uma forma bastante didádica e acessível. Ao final da obra constam ainda um glossário e uma série de indicações de ações práticas para se debater tais questões em sala de aula.





