quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

O preço da "inteligência": uma resenha do livro Flores para Algernon

Há tempos não me empolgava tanto com um livro de ficção como ocorreu com Flores para Algernon, clássico de ficção científica do escritor norte-americano Daniel Keyes, lançado originalmente em 1966. O livro conta a história de Charlie Gordon um jovem com deficiência intelectual severa que é submetido a uma cirurgia cerebral experimental que faz com que sua inteligência cresça exponencialmente - aliás, acho mais correto afirmar que ocorre um aumento de sua compreensão do mundo e de si mesmo, já que "inteligência" é um termo bastante impreciso e controverso. O mais interessante do livro é que acompanhamos este crescimento intelectual através de um diário escrito pelo próprio Charlie. Inicialmente redigido de uma forma simples e com inúmeros erros linguísticos, tal relato se torna, aos poucos, super bem-escrito e até mesmo sofisticado, à medida em que Charlie vai adquirindo compreensão sobre o mundo e sobre si mesmo. Ao mesmo tempo, à medida em que se torna mais e mais esclarecido, Charlie se torna mais e mais confuso, inseguro e solitário. O livro aponta, nesse sentido, para os efeitos colaterais da "inteligência" - que inclui, no caso específico de Charlie, o questionamento de sua função como cobaia de um experimento científico. Após se identificar com Algernon - um ratinho de laboratório superinteligente utilizado no experimento que serviu de base para a cirurgia que ele foi submetido - Charlie busca se libertar da condição de objeto experimental, tornando-se sujeito de sua vida e de seu destino. "Flores para Algernon" trata de todos estes temas e questões - e muitos outros - com brilhantismo e delicadeza. Recomendo demais!

Trecho do livro: "Sou um gênio? Acho que não.  Ainda não, de qualquer forma. Como Burt diria, rindo dos eufemismos do jargão educacional, sou excepcional – um  termo democrático usado para  evitar os malditos rótulos de  talentoso e incapaz (que  costumavam  dizer  brilhante  e  retardado), e, assim que excepcional começar a significar algo para alguém, vão mudá-lo.  A ideia parece ser: use uma expressão enquanto ela não significar nada  para ninguém. Excepcional se refere aos dois finais do espectro, então eu fui excepcional a vida inteira. (...) Estranho sobre aprender; quanto mais longe eu vou, mais vejo o que nunca soube que sequer existia. Algum tempo atrás, tolamente imaginei que poderia aprender tudo, todo o conhecimento existente. Agora espero apenas ser capaz de saber de sua existência e entender um mínimo disso”.

Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan
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