sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Wundt finalmente traduzido para o português!

Embora seja considerado o pai da psicologia científica e experimental, Wilhelm Wundt (1832-1920) é praticamente desconhecido pelos estudantes e professores de psicologia no Brasil. Algumas de suas ideias são conhecidas aqui apenas indiretamente - e com uma série de distorções - através dos livros de introdução e de história da psicologia. Mas até bem recentemente nenhum texto ou obra do autor tinha sido traduzido para o português, quase 100 anos após sua morte. Pois esta situação começou a mudar com o lançamento, em 2018, do livro A fundamentação da psicologia científica, uma pequena compilação de textos de Wundt organizada e traduzida diretamente do alemão pelo professor Saulo de Freitas Araújo, uma das maiores autoridades mundiais na obra de Wundt. Saulo atua como professor na Universidade Federal de Juiz de Fora (onde eu tive a honra de ser seu aluno) e também como diretor do Núcleo de Pesquisa em História e Filosofia da Psicologia Wilhelm Wundt (NUHFIP/UFJF). Em 2013 ele foi contemplado com o prêmio Early Career Award, concedido pela divisão de História da Psicologia da Associação Americana de Psicologia (APA). O pesquisador foi o primeiro sul-americano a receber esse importante prêmio e isto ocorreu especialmente devido aos seus estudos sobre a obra de Wundt. Sua Tese de Doutorado, transformada no livro O projeto de uma psicologia científica em Wilhelm Wundt - uma nova interpretação (publicado em 2016 nos Estados Unidos com o título de Wundt and the Philosophical Foundations of Psychology: A Reappraisal) era, até o ano passado, a principal fonte confiável de informações sobre o pensamento de Wundt em português - além, é claro, de inúmeros artigos e capítulos de livro escritos pelo pesquisador. Pois agora temos em nossa língua pátria não apenas publicações sobre Wundt mas também um livro com escritos deste importante e pioneiro psicólogo, um pensador muito conhecido embora pouquíssimo lido e estudado - basta compará-lo, por exemplo, a Freud e Skinner.

Esta obra de Wundt dá início à série Clássicos da Psicologia da editora Hogrefe, que pretende publicar obras de importantes autores da tradição psicológica que ainda não possuem tradução direta para a língua portuguesa. A obra é composta por dois textos produzidos na fase de maturidade do pensamento de Wundt e que ilustram muito bem as duas faces de sua psicologia: de um lado a psicologia experimental, baseada nos processos psicológicos individuais e do outro a psicologia dos povos, baseada nos processos psicológicos coletivos. O primeiro texto, denominado "Sobre a definição da Psicologia" foi inicialmente escrito em 1895 e publicado como um artigo no ano seguinte; no entanto, a versão final deste texto, reescrito inúmeras vezes ao longo da década seguinte, foi publicada somente em 1911 como o segundo capítulo do segundo volume de sua obra Kleine Schriften. Neste texto, Wundt tenta definir e delimitar a área da psicologia, diferenciando-a de outras áreas afins, como a filosofia e a fisiologia. Já o segundo texto, denominado "Introdução [à psicologia dos povos]" foi publicado no ano de 1900 como uma introdução geral ao primeiro volume de sua grande obra Völkerpsychologie que, em sua forma final, acabou contando com dez volumes. Neste texto Wundt resume os principais pontos de sua proposta de uma psicologia dos povos, oposta, embora complementar, à psicologia dos indivíduos. Como afirma Saulo na introdução do livro, "o projeto psicológico de Wundt previa a perfeita integração das duas psicologias em uma psicologia geral, de cunho mais abstrato que ele nunca chegou a concretizar. Assim, a relação entre a psicologia individual e a psicologia dos povos permanece até hoje mal compreendida e pouco estudada". A tradução da presente obra pode, quem sabe, estimular o estudo de Wundt no Brasil. Uma dificuldade, certamente, é que grande parte de sua obra permanece disponível apenas na língua alemã, o que afasta muitos potenciais pesquisadores. Uma outra dificuldade é que mesmo para aqueles que compreendem o alemão, a escrita de Wundt não é nada simples. Como afirma Saulo ao comentar sobre a dificuldade que teve ao traduzir Wundt, "seu estilo é típico da alta cultura alemã do século XIX: longos parágrafos, com períodos igualmente longos intercalados por muitas orações subordinadas, algo bem distante do alemão contemporâneo". No final de sua excelente introdução, que inclui desde dados biográficos até uma análise panorâmica da obra de Wundt, passando também por comentários relativos à tradução, Saulo comenta: "ao final, espero ter sido o mais fiel possível, se não à letra, pelo menos ao espírito de Wundt. E ainda que todo tradutor seja, em alguma medida, um traidor, espero que minha traição não tenha sido imperdoável. Seja como for, tendo em vista que o público lusófono poderá finalmente entrar em contato com as ideias centrais de um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da psicologia científica - ainda que com mais de 100 anos de atraso - ela está a meu ver, ao menos justificada". Com toda certeza, Saulo! E que venham outros livros...

Wundt em seu laboratório na Universidade de Leipzig. Criado em 1879, este foi o primeiro laboratório dedicado ao estudo dos fenômenos psicológicos.
Fonte da imagem: Institut für Allgemeine Psychologie - Universität Leipzig (1908)



Sugestões de leitura: 

Livro: O projeto de uma psicologia científica em Wilhelm Wundt: uma nova interpretação
Tese: A fundamentação filosófica do projeto de uma psicologia científica em Wilhelm Wundt
Artigo: Uma visão panorâmica da psicologia científica de Wilhelm Wundt
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