quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Seremos substituídos por robôs?

Gari-Robô limpando as ruas da cidade
A série britânica Humans, que já apresentei e discuti em outro post, retrata uma sociedade na qual robôs humanizados, denominados sintéticos ou synths, substituíram os seres humanos em inúmeras tarefas e trabalhos. Ao longo da série, que está atualmente na segunda temporada, vemos synths trabalhando como garis, empregados domésticos, jardineiros, operários, atendentes de loja, cuidadores de idosos, dentre muitas outras funções de menor prestigio na sociedade. Os sintéticos exercem, assim, grande parte dos trabalhos mais precarizados realizados anteriormente pelos seres humanos. Logo no primeiro episódio, um dos desenvolvedores dos sintéticos é questionado se as máquinas, ao substituírem humanos, não estariam desvalorizando a humanidade, e ele responde: "A melhor razão para fazer máquinas parecidas com pessoas é tornar as pessoas menos mecanizadas. A mulher na China, que trabalha 11 horas por dia costurando bolas; o menino em Bangladesh inalando veneno enquanto invade um navio por sucata; o mineiro na Bolívia, que encara a morte a cada dia de trabalho. Eles podem ser passado. Dispositivos sintéticos libertam as pessoas. Tratamos pessoas como máquinas por tempo demais. É hora de libertar suas mentes, seus corpos, para pensar, para sentir, para serem mais humanos. Mas muita gente pode argumentar que trabalho é direito humano, que o trabalho duro traz autovalorização. Deveriam passar uma semana em uma fábrica de microchip". Ainda que se trate de uma reflexão bastante pertinente e atual, ela deixa de fora uma questão extremamente problemática. À medida que mais e mais funções forem executadas por máquinas, menos o ser humano será necessário e maior poderá ser o desemprego.

Joe Hawkins: gerente substituído por sintético
Certamente é possível contra-argumentar que na medida em que que certos empregos forem extintos, outros serão criados - como ocorreu até hoje -, mas isto depende da extensão deste processo de substituição. Se a maioria dos trabalhos atualmente executados por humanos passar a ser executado por máquinas, provavelmente não será possível deslocar todos os sujeitos recém-desempregados para novas funções - especialmente os mais velhos e sem qualificação. Segundo o historiador Yuval Noah Harari, no livro Homo deus - cuja resenha pode ser lida aqui -, "no século XXI, poderíamos assistir à criação de uma maciça classe não trabalhadora: pessoas destituídas de qualquer valor econômico, político ou artístico, que em nada contribuem para a prosperidade, o poder e a glória da sociedade. Eles não estão simplesmente desempregados - eles serão inempregáveis". Harari os chama de "a classe inútil". Na série, o personagem Joe Hawkings passa a fazer parte desta classe. Demitido do cargo de gerente de uma empresa e substituído por um sintético, Joe encontra grande dificuldade em encontrar um novo emprego, haja vista que grande parte das funções, desde as mais simples até as mais complexas (como a de gerente), passam a ser executadas por sintéticos. Esta situação ficcional não se encontra, todavia, tão distante assim da realidade. No livro The future of employment (O futuro do emprego), os pesquisadores Carl Benedikt Frey e Michael Osborne estimam que 47% dos empregos nos Estados Unidos correm alto risco de serem extintos e substituídos por algoritmos nos próximos 20 anos. Segundo os autores, há 99% de probabilidade de que em 2033 operadores de telemarketing e corretores de seguro sejam substituídos por máquinas inteligentes; 97% de que o mesmo ocorra com operadores de caixa; 94% com garçons e assistentes jurídicos; 91% com guias de turismo; 89% com padeiros; 89% com motoristas de ônibus e assim por diante. A situação dos motoristas, especialmente, é bastante delicada. Com o aperfeiçoamento e popularização dos carros autônomos, como aqueles desenvolvidos pelo Google e pela Tesla, é bem possível que em breve toda a categoria dos motoristas e taxistas deixe de existir - como ocorreu, no passado com os telefonistas e os entregadores de leite.

Você pode duvidar que isto venha a acontecer, como eu próprio duvido de muitas destas previsões alarmistas sobre o futuro, mas o fato é que o mundo do trabalho muda a cada momento. Muitas profissões que já estiveram em alta, hoje estão em baixa e outras, inclusive, deixaram de existir. Não dá para saber com exatidão, mas é bem provável que, de fato, máquinas venham a substituir pessoas em algumas funções, como tem ocorrido desde a Revolução Industrial. Certamente, é preferível acreditar que existem funções que jamais poderiam ser executadas por máquinas, funções que somente nós, humanos, poderíamos realizar. O trabalho de psicoterapeuta é um deles. Você consegue imaginar atividade mais "humana" que a de um psicoterapeuta, que dia após dia acolhe, escuta e orienta pessoas em sofrimento? Será que no futuro algum sistema de inteligência artificial conseguirá reproduzir ou pelo menos simular o trabalho de um psicólogo clínico? Na década de 1960 o cientista da computação norte-americano Joseph Weizenbaum desenvolveu o Eliza, um programa de inteligência artificial - ou, segundo este autor, de estupidez artificial - que simulava a atuação de uma terapeuta rogeriana - caso você tenha interesse, é possível "conversar" com Eliza, ou melhor, com uma versão atualizada dela, através deste link. O programa, incrivelmente simples para os padrões atuais, basicamente fazia algumas perguntas, criadas em função das últimas frases escritas pelo "paciente" e buscava algumas palavras-chave como "mãe" ou "família"; quando não encontrava, simplesmente respondia com frases vagas como "Fale mais sobre você" ou "Conte-me mais". Algumas pessoas na época ficaram encantadas com tal tecnologia mas, sinceramente, acho difícil imaginar algo mais distante de um terapeuta real do que um programa como esse. Ele pode até simular vagamente alguns diálogos básicos de um terapeuta, mas falta-lhe muito para ser e agir de fato como um terapeuta. Na realidade, Weizenbaum criou Eliza como uma paródia da interação entre psicoterapeuta e paciente e também como uma forma de demonstrar a superficialidade das relações entre humanos e máquinas. Weizenbaum sabia muito bem que entre a simulação e a realidade há uma longa distância.

Psicóloga Robô atende o casal Hawkins
A série Humans também explora esta possibilidade de uma terapeuta-robô, dando um passo adiante. Na série, o casal Hawkins passa por uma crise conjugal - desencadeada pelo fato de o marido ter feito sexo com uma sintética - e eles decidem procurar uma terapeuta de casal. No entanto, no dia agendado, a terapeuta passa mal e a secretaria oferece para eles a possibilidade de serem atendidos por uma terapeuta-sintética chamada Bárbara. Segundo a secretária, "alguns casais preferem falar com alguém que não os julguem". Eles decidem experimentar e acabam em parte decepcionados e em parte satisfeitos. Eles ficam decepcionados porque a terapeuta-robô age de forma mecânica e automatizada como todos os sintéticos não-conscientes. Em certo momento, Joe questiona Bárbara a respeito de como ela poderia indagar sobre as emoções dele sendo que ela não possui emoções. Bárbara responde, de forma mecanizada: "Eu avalio os registros anônimos e, os relaciono, com análises estatísticas de mais de 38.000 consultas de aconselhamento. Nos casos de infidelidade envolvendo um sintético, cerca de 66% dos entrevistados, relataram que o principal obstáculo para uma reconciliação tratava-se de um desequilíbrio no impacto captado e, do significado do ato, ou, dos atos, de infidelidade". Enfim, Bárbara baseia suas consultas não em teorias e técnicas psicoterapêuticas ou na relação de afeto entre terapeuta e paciente, mas em estatísticas. No entanto, a consulta acaba sendo em parte satisfatória pois, na ausência de uma pessoa real, o casal acaba dialogando como há tempos não fazia. Eles de certa forma aproveitam da artificialidade daquela situação para trazerem à tona a realidade do problema que enfrentam. De toda forma, ainda que esta situação pareça uma terapia e possa até mesmo ser terapêutica em alguma medida, eu tenho lá minhas dúvidas se um robô como esse poderia ser realmente chamado de psicoterapeuta. E eu digo "poderia" porque ainda não temos nada nem vagamente parecido com isso. As inteligências artificiais desenvolvidas até o momento, ainda que úteis para atividades específicas, em nada se assemelham àquilo que vemos nos filmes de ficção científica. Pode ser que no futuro psicólogos, médicos, advogados e todas as outras profissões que exigem uma grande dose de certas aptidões cognitivas, mais do que de aptidões físicas, sejam substituídas por robôs ou programas de inteligência artificial, mas certamente ainda há um longo percurso até que cheguemos a isso - se é que um dia chegaremos. A única certeza, como bem aponta Harari, é que o mundo muda e continuará mudando o tempo todo. Pode ser que no futuro nos tornemos "inúteis" e "inempregáveis", mas até lá, continuaremos, insubstituíveis.
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