quinta-feira, 7 de maio de 2015

“Relatos selvagens” e a animalidade humana

O filme argentino Relatos selvagens – que concorreu ao Oscar 2015 de melhor filme estrangeiro - é composto por seis histórias independentes que tem em comum a temática do descontrole (e pare de ler aqui caso não queira saber pormenores da trama). Na primeira história, que abre o filme, um piloto e músico frustrado reúne em uma avião todas as pessoas que em algum momento o magoaram ou o rejeitaram com o objetivo de derrubá-lo com todos dentro - e em cima da casa de seus pais!. Assim tem início o filme, que durante os créditos iniciais exibe uma série de fotos de animais, sinalizando – o que será confirmado no restante do filme – que nós também somos animais. E é sobre esta animalidade, que por vezes faz com que nos comportemos de forma exagerada ou descontrolada, de que tratam as histórias que se seguem.


A segunda história expõe o caso de uma garçonete que atende no meio da noite o homem responsável pelo declínio de sua família e pelo suicídio de seu pai. Já a terceira história, hilária, narra uma série de incidentes que acontece quando o pneu do carro de um homem fura em uma estrada deserta. A quarta, que é protagonizada pelo ator-ícone do cinema argentino Ricardo Dárin, conta a triste história de um perito em demolições que tem sua vida “demolida” após seu carro ser guinchado injustamente enquanto buscava o bolo de aniversário da filha - o que leva o personagem a uma série de situações que fogem totalmente ao seu controle. Há ainda a história de uma família cujo filho atropela e mata uma mulher grávida. Finalmente, a última história – a melhor e mais bizarra – retrata uma festa de casamento que dá absurdamente errado após a noiva descobrir que seu futuro marido a traiu com uma das convidadas. O que acontece a partir desta descoberta é surreal – e hilário.

Em todas estas histórias, as pessoas se comportam em algum momento de forma irracional, impulsiva, fazendo escolhas que não fariam racionalmente. Isto só evidencia algo óbvio para mim: nós seres humanos não somos seres racionais, ou melhor, não somos seres puramente racionais. Nossas escolhas são feitas sempre – ou quase sempre – num caldo de razão e emoção no qual não é possível distinguir onde começa uma e termina a outra. Somos seres emocionais que fazemos escolhas baseando-nos não somente em um cálculo frio de prós e contras, mas também em paixões, afetos, desejos e impulsos. Como bem apontou o economista Eduardo Giannetti da Fonseca no excelente livro “O valor do amanhã” vivemos num permanente oscilar entre aproveitarmos o momento e fazermos o que desejamos agora e planejarmos o futuro, abrindo mão, no presente, de algumas atitudes. 

Às vezes cedemos às tentações do presente e fazemos aquilo que desejamos mesmo que isto traga ou possa trazer conseqüências no futuro; e em outras vezes conseguimos nos controlar, reprimindo aquele lado animal que insiste em se manifestar. Sem este lado repressor, que Freud chamou de Supereu, a vida em sociedade não seria possível. Se déssemos vazão todo o tempo os nossos desejos sexuais e impulsos agressivos – com o fazem muitos personagens de Relatos selvagens – a vida em comum seria impossível. Por outro lado, se nunca manifestarmos ou “colocarmos para fora” – ou ainda sublimarmos, como diz Freud – a vida em comum também se torna difícil. Um “barraco”, de vez em quando, não faz mal a ninguém. O descontrole, se moderado, pode até fazer bem. 

Outra questão é se de fato controlamos a nossa vida e os nossos comportamentos. Psicanalistas provavelmente diriam que não, ou pelo menos não totalmente. Afinal, se grande parte da vida psíquica se dá abaixo do limiar da consciência, não faz sentido falar propriamente em controle. Da mesma forma, mas por motivos diferentes, behavioristas provavelmente diriam que o controle que temos de nossos comportamentos e de nossas vidas é limitado. Alguns neurocientistas contemporâneos, inclinados ao reducionismo, iriam além e negariam completamente nosso livre-arbítrio, argumentando que quem está no controle, efetivamente, é o nosso cérebro – e não nós (mas se, como alguns argumentam, “nós somos o nosso cérebro” então isso quer dizer que nós estamos no comando?). De toda forma, acho bastante pertinente a idéia de que não temos total controle de nossas ações - veja bem, eu disse total, porque algum grau de controle nós certamente temos, especialmente quando dizemos não à algo que desejamos. De toda forma, tenho certeza que todos já tomaram atitudes que se arrependeram depois. Só espero que o nível de descontrole não tenha chegado – e não chegue no futuro – ao nível de alguns dos casos expostos no filme Relatos Selvagens. 
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