domingo, 26 de fevereiro de 2012

Fragmentos de "O médico e o charlatão" (1957)


Interessantíssimo o filme "O médico e o charlatão" (Il medico e lo strogone, de 1957) do diretor italiano Mario Monicelli. O filme conta a história do médico Francesco Marchetti (interpretado pelo ator Marcello Mastroianni), que se muda para uma pequena cidade no interior da Itália, onde pretende atender pessoas em seu consultório e implementanr ações de saúde coletiva, iniciando pela aplicação massiva de vacinação antitifo. Tudo isto imbuído dos mais nobres princípios científicos. O problema é que a população idolatra o curandeiro local  Dom Antônio (interpretado pelo ator e diretor Vittorio de Sica, hilário), a quem recorre-se para lidar tanto com questões de saúde quanto para resolver problemas pessoais e espirituais. Inicia-se, então, um embate entre a ciência do Dr. Marchetti e a eficácia simbólica de Dom Antônio, pela atenção e credibilidade da população. O que está em jogo é a visão de mundo materialista, do médico, em oposição à visão espiritualista e holística do curandeiro, considerado charlatão pelo primeiro. Em um diálogo interessante, uma senhora afirma estar com dificuldade para dormir, ao que o Dr. Marchelli afirma:

- A insônia é um mal muito comum, mas também é verdade que há ótimos medicamentos. 

Ela nega a oferta medicamentosa e afirma:

- Sem ofendê-lo, mas vocês médicos são muito materialistas. Veja, em certos casos, é o espírito que é curado. À noite, depois de ouvir uma boa música, durmo muito bem.

Em outra cena, Dom Antônio é chamado à delegacia para explicar algumas de suas práticas pouco ortodoxas. O médico está presente no local. O chefe de polícia afirma, em certo momento do interrogatório, que Dom Antônio possui diversas propriedades, compradas a partir do dinheiro ganho com tais práticas. O curandeiro então se manifesta:

- Há anos eu atendo essa gente. [falando para o médico} O senhor trabalha de graça?

Dr. Marchelli responde:

- Eu não vendo escapulário, chá de ervas, sapos secos.

Dom Antônio afirma então:

- A superstição. Sempre houve superstição. Há mais supersticiosos do que quem apoie a eficiência da medicina. Como não? O senhor, por exemplo, senhor chefe de polícia. Não prendeu um pedaço de coral a seu relógio de pulso? E aposto que no bolso não tem pílulas contra dores reumáticas, embora sofra disso. O fato é, meus caros senhores, que nem todos conhecem a miséria e ignorância de alguns. Tudo bem, a culpa não é de ninguém. É coisa de séculos. Mas porque nos admirarmos se preferem sistemas de cura com séculos de idade? Acreditam em certas coisas? Bem, eu os satisfaço. E assim eles se sentem compreendidos e talvez acreditem que estão melhor. Às vezes vocês sabem, estão realmente melhor porque a vontade de sarar faz mais do que qualquer remédio.

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