quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Mundo invertido: um relato sobre a impactante peça de teatro "King Kong Fran"

(Alerta de spoiler! Eu não sei se spoiler vale para peças de teatro, mas fica aí o alerta). No final do mês passado eu assisti, no Rio de Janeiro, à elogiada peça "King Kong Fran", protagonizada pela personagem-título Fran, criação da atriz e palhaça Rafaela Azevedo. E eu compreendi completamente todos os elogios que a peça vem recebendo - e os endosso 100%. Mas contextualizando: no mesmo dia, mais cedo, eu assisti no cinema o filme de terror "Fale comigo", que eu estava muito afim de ver. No fim das contas até gostei da obra embora a considere mais dramática do que aterrorizante... Até porque aterrorizante mesmo foi o que eu vivi à noite, assistindo à peça King Kong Fran - assim como, imagino, todos os homens da platéia. Pois bem, na peça Rafaela interpreta uma mulher-gorila de um circo que conversa e interage com a plateia. E eu, tímido que sou, simplesmente tenho pavor de peças interativas. A ideia de ser chamado ao palco me apavora em um nível primitivo do meu ser.. E logo no início da peça Fran chama ao palco três homens da platéia, todos das primeiras fileiras (eu estava mais atrás, ufa). E no palco ela faz com eles uma série de "brincadeirinhas" beeeeeem constrangedoras, que me deixaram ao mesmo tempo com muita vergonha alheia e... completamente em pânico! Desde o momento em que ela chamou os homens ao palco, eu senti meu estômago revirar e o suor escorrer tamanho o medo de ser chamado (na verdade convocado, já que Fran não abre muita margem pra negociação) e passar aquela vergonha que os três caras passaram no palco. E meu primeiro instinto foi querer sair logo dali - mas eu pensava também que se eu me levantasse no meio da peça para ir embora eu me tornaria um alvo lógico da fúria de Fran. E por isso optei por permanecer... Mas o terror não havia terminado: logo adiante ela escolhe um desses caras e as humilhações e embaraços só aumentam e se tornam aterradores. Em certo momento eu me dei conta de que se esse cara fosse alguém da platéia ele poderia simplesmente processar a produção, tamanha a humilhação que ele passa. Daí eu saquei: ele é um ator (ou ao menos um convidado)! Isso me acalmou um pouco, mas o incômodo ainda assim permaneceu até o final da peça. E eu me dei conta também de que esta é a grande sacada da peça: colocar os homens numa situação de desconforto e medo similar à que as mulheres vivenciam grande parte do tempo. Durante a peça, Fran cria um mundo invertido no qual as mulheres estão em um lugar protegido e seguras e os homens estão vulneráveis e são constantemente assediados e humilhados. E está é a genialidade da peça e da personagem Fran: gerar nos homens da platéia uma sensação visceral de medo e não apenas um entendimento racional das opressões vividas pelas mulheres. A ideia é fazê-los sentir na pele como as mulheres muitas vezes se sentem em diversos espaços e momentos da vida. Pois bem, eu saí do teatro suado e cansado - sabe quando a adrenalina baixa e você fica meio inerte? - e ao mesmo tempo feliz por ter saído daquele espaço aterrorizante e opressor. Foi um aprendizado e uma vivência que espero levar pra vida. E adoraria que muitas pessoas, especialmente homens, pudessem viver essa experiência - pois King King Fran não é apenas uma peça como tantas outras, é uma experiência super impactante! Se puder, assista! 
Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário: