sexta-feira, 9 de setembro de 2022

A mente entre o esquecimento e o apagamento: uma resenha do livro "Para sempre Alice"

No maravilhosamente triste romance "Para sempre Alice", lançado originalmente em 2007, a neurocientista Lisa Genova conta a história de Alice Howland, uma conceituada professora de linguística da Universidade de Harvard que é diagnosticada aos 50 anos com a Doença de Alzheimer de instalação precoce. No livro acompanhamos mês a mês, ao longo de dois anos, o relativamente rápido declínio cognitivo de Alice desde os primeiros esquecimentos, que ela atribui inicialmente ao estresse e à menopausa, até o apagamento quase total de sua mente num estágio avançado da doença. E é com tristeza que seguimos Alice e sua família (que inclui seu marido John e seus filhos, já adultos, Anna, Tom e Lydia) neste doloroso processo que se inicia com o diagnóstico clínico estabelecido por um neurologista e que se estende por uma série crescente de episódios de perda de memória - no início Alice se esquece de alguns nomes e compromissos mas, após alguns meses, passa a se esquecer também de memórias aparentemente consolidadas em sua mente, como o nome dos filhos e, mais adiante, o fato de que eles são seus filhos. Lisa Genova, que é Ph.D em neurociência justamente pela Universidade de Harvard, onde trabalham Alice e John no livro, criou essa comovente história ficcional a partir de uma série de casos reais, o que traz fidedignidade à narrativa desenvolvida por ela neste e também em outros livros como "Nunca mais Rachel", "A outra metade de Sarah", "A família O'Brien" e "Com amor, Anthony", todos baseados em casos reais de pacientes com variadas doenças e condições neuropsiquiátricas. Cabe apontar que Para sempre Alice inspirou um maravilhoso filme homônimo, lançado em 2014 e protagonizado pela atriz Juliane Moore (vencedora do Oscar por esse papel), que eu já indiquei e analisei anteriormente em alguns posts desse blog como O que os filmes e séries nos ensinam sobre a memória e o esquecimento? e 6 filmes sobre perda de memória. Recomendo imensamente tanto o filme quanto o belíssimo livro que o inspirou. Ambos são inesquecíveis!

Trecho do livro: "Apesar da erosão crescente da memória, seu cérebro ainda lhe prestava bons serviços, de inúmeras maneiras. Nesse exato momento, por exemplo, ela estava tomando seu sorvete sem derramar nada na casquinha nem na mão, usando uma técnica de lamber-e-girar que dominava desde menina e que, provavelmente, estava armazenada em algum lugar próximo das informações sobre “como andar de bicicleta” e “como amarrar o sapato (...) Em algum momento, porém, ela esqueceria como tomar sorvete de casquinha, como amarrar os sapatos e como andar. Em algum momento, seus neurônios do prazer seriam corrompidos por um ataque de amiloides aderentes e ela já não seria capaz de desfrutar das coisas que amava. Em algum momento, simplesmente não haveria sentido. Desejou estar com câncer. Trocaria o mal de Alzheimer pelo câncer sem pestanejar. Envergonhou-se de desejar isso, o que decerto era uma barganha inútil, mas, ainda assim, permitiu-se fantasiar. No câncer ela teria algo a combater. Havia a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia. Haveria uma possibilidade de que ela vencesse. Sua família e a comunidade de Harvard se uniriam a sua batalha e a considerariam nobre. E, ainda que no fim ela fosse derrotada, poderia olhá-los nos olhos, consciente, e se despedir antes de ir embora. A doença de Alzheimer era um monstro de um tipo completamente diferente. Não havia armas capazes de matá-lo. Tomar Aricept e Namenda era como apontar um par de pistolas de água contra um incêndio devastador. John continuava a investigar os medicamentos em processo de ensaio clínico, mas Alice duvidava que algum deles ficasse pronto e fosse capaz de fazer alguma diferença para ela; caso contrário, seu marido já teria telefonado para o dr. Davis, insistindo num modo de fazer com que ela o tomasse. Nesse exato momento, todos os portadores do mal de Alzheimer enfrentavam o mesmo desfecho, tivessem eles oitenta e dois ou cinquenta anos, fossem eles residentes do Centro Assistencial Solar Mount Auburn ou professores titulares de psicologia na Universidade Harvard. O incêndio devastador consumia a todos. Ninguém saía vivo" (Para sempre Alice, página 115)

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