No livro A infância de Jesus, escrito pelo sul-africano JM Coetzee (ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 2003), um homem chega com um menino, que não é seu filho, em uma terra de exilados situada em um país desconhecido. Neste lugar, para estranheza do protagonista, todos estão plenamente satisfeitos com suas vidas. Ninguém reclama de comer a mesma comida todos os dias, de trabalhar de sol a sol e receber pouco ou de se sentir sozinho. Em certo momento, indignado com esta satisfação permanente das pessoas, o protagonista questiona: "Sabe o que surpreende nesse país? Que seja tão manso. Todo mundo que eu encontro é tão bom, tão gentil, tão bem-intencionado. Ninguém xinga, ninguém fica bravo. Ninguém fica bêbado. Ninguém levanta a voz. Vivem num regime de pão, água e pasta de feijão e dizem que estão satisfeitos. Como pode ser, humanamente falando? Vocês estão mentindo até para si mesmos?". O tempo vai passando mas sua indignação não cessa. Ele passa a se envolver com uma mulher, mas esta não demonstra qualquer paixão por ele. Mesmo quando fazem sexo, ela não se afeta. Um dia, então, buscando alguma reação calorosa dela, ele pergunta o que ela faria se ele começasse a sair com outra mulher. A resposta dela é simplesmente genial: "Você quer sair com essa outra mulher porque eu não ofereço o que você sente que precisa, especificamente paixão tormentosa. A amizade em si não basta para você. Sem o acompanhamento de paixão tormentosa é um tanto deficiente. Aos meus ouvidos, essa é uma maneira velha de pensar. Na maneira de pensar velha, por mais que você tenha, sempre está faltando alguma coisa. O nome que você escolhe dar a esse algo mais que está faltando é paixão. Mas eu aposto que se amanhã te oferecerem toda a paixão que você quer, carradas de paixão, você logo vai achar que está faltando alguma coisa nova. Essa insatisfação sem fim, esse anseio pelo algo mais que está faltando, é o jeito de pensar que fazemos bem em nos livrar, na minha opinião. Não está faltando nada". Fiquei pensando: o desejo permanente e incessante é realmente causa de grande sofrimento no ser humano. Mas teremos como evitá-lo? Não creio. Talvez estejamos fadados a desejar sempre mais e mais e, consequentemente, ao sofrimento decorrente do desejo nunca saciado. Se um dia inventarem um remédio que faz cessar todo desejo, provavelmente sofreríamos menos. Mas a vida e o mundo seriam um tédio só, como Coetzee sugere com grande maestria!