domingo, 10 de janeiro de 2021

Sem razões para viver e para morrer: uma resenha do livro "Serotonina"

"É um comprimido pequeno, branco, oval, divisível". Assim tem início "Serotonina", último romance do escritor francês Michel Houellebecq - e o primeiro dele que eu li. O que mais me chamou a atenção quando vi a capa do livro em uma livraria virtual foi o título, que remete a um neurotransmissor cujo déficit, segundo os psiquiatras biológicos, estaria relacionado com os sintomas depressivos - alguns chegam a dizer, equivocadamente, que tal déficit causaria a depressão - e cujo equilíbrio é (ou seria) o foco dos antidepressivos, justamente a categoria de remédios consumida pelo protagonista e narrador deste livro sensacional. Florent-Claude Labrouste é um agrônomo de 46 anos, solitário e melancólico, que decide em certo momento procurar um psiquiatra e recebe a prescrição de um antidepressivo chamado Captorix. A grande questão é que um dos efeitos colaterais mais comuns desta medicação - e dos antidepressivos em geral - é a baixa de libido, efeito que Flourent sente com muito pesar. Sexualmente ativo por grande parte de sua vida, Flourent se vê, repentinamente, sem qualquer desejo sexual - e também sem qualquer outro desejo. Com tal indiferença, Flourent decide vagar pela França, de hotel em hotel, à procura de um amigo da época da faculdade e de alguns antigos amores - como que se despedindo deles e do mundo. Neste percurso nostálgico e melancólico, que faz de Serotonina uma espécie de "road book" deprê, o protagonista se envolve em situações variadas - inclusive, numa cena fantástica, se vê em meio a um radical protesto de produtores de leite no interior da França - e, durante todo o tempo reflete sobre seu passado e seus "fracassos", especialmente os amorosos. Flourent também reflete sobre uma infinidade de questões políticas e econômicas europeias e ainda tece interessantes considerações sobre a psiquiatria e os antidepressivos. Em certo momento, ao refletir sobre as funções biológicas da serotonina, afirma: "a conclusão a que pouco a pouco se chega é que a ciência médica continua confusa e aproximativa nessas questões, e que os antidepressivos fazem parte do numeroso grupo de medicamentos que funcionam (ou não) sem que se saiba exatamente por quê". Mais à frente, ao refletir sobre os efeitos do Captorix, Flourent afirma que tal remédio "não oferece qualquer forma de felicidade, nem sequer um alívio real, sua ação é de outro tipo: ao transformar a vida numa sucessão de formalidades, permite ir tocando o barco. Portanto, ajuda os homens a viverem, ou pelo menos a não morrerem - por um tempo". Enfim, trata-se de um belíssimo e melancólico livro que discute com muita sensibilidade temas complexos como a felicidade, o amor e a solidão.

Trecho do livro: "Agora eu era um homem ocidental de meia-idade, a salvo de passar necessidades por alguns anos, sem parentes nem amigos, carente de projetos pessoais tanto quanto de interesses verdadeiros, profundamente decepcionado com sua vida profissional anterior, e que, no âmbito sentimental, tinha vivido experiências diversificadas cujo denominador comum era a interrupção; carente, no fundo, tanto de razões para viver como de razões para morrer. Podia aproveitar para começar de novo, para me “reinventar”, como dizem comicamente nos programas de televisão e nos artigos de psicologia humana que saem em revistas especializadas; e também podia me entregar a uma inércia letárgica".

Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan
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