segunda-feira, 27 de junho de 2022

3 livros críticos à "cultura da felicidade"

Na esteira da resenha que fiz do romance "Ser feliz", do Will Fergunson, gostaria de indicar hoje três excelentes livros de não-ficção críticos à "cultura" (alguns diria ditadura) da felicidade e do pensamento positivo: 1) Happycracia: fabricando cidadãos felizes (ed. Ubu, 2022): escrito pelo psicólogo espanhol Edgar Cabanas em parceria com a socióloga franco-marroquina Eva Illouz e publicado originalmente em 2018, este livro traz uma análise crítica brilhante da ascensão e dos discursos (supostamente neutros mas, de fato, altamente afinados com a racionalidade neoliberal) da psicologia positiva. É, sem dúvida, o melhor livro que li nos últimos anos e um dos melhores que eu já li em minha vida - eu colocaria ele, fácil, no meu Top10 de livros de não-ficção, tamanha sua amplitude e relevância para esta discussão fundamental dos nossos tempos. 2) Positividade tóxica: como resistir à sociedade do otimismo compulsivo (ed. BestSeller, 2022): escrito pelo professor de psicologia dinamarquês Svend Brinkmann e publicado originalmente em 2014, este livro é uma espécie de anti-livro de auto-ajuda ou, mais precisamente, um livro de auto-ajuda invertido, na medida em que se utiliza de parte da linguagem básica do gênero para disseminar uma mensagem oposta - veja, por exemplo, os títulos de alguns capítulos: Pare de olhar para o próprio umbigo, Concentre-se nos aspectos negativos da vida, Demita seu coach, etc. Trata-se de um livro fascinante, que eu recomendo especialmente para psicólogos clínicos. 3) Sorria: como a promoção incansável do pensamento positivo enfraqueceu a América (ed. Record, 2013): escrito pela brilhante pensadora norte-americana Barbara Ehrenreich (autora de obras clássicas como Miséria à Americana e Desemprego de colarinho-branco) e publicado originalmente em 2009, este livro volta seu foco para a ascensão da cultura do pensamento positivo nos Estados Unidos. Trata-se de uma obra extremamente potente e impactante que influenciou toda a discussão posterior sobre o assunto - os autores de Happycracia, por exemplo, veem na obra de Ehrenreich uma base fundamental para a análise que fizeram. Se você se interessa por essa discussão não deixe de ler cada um destes livros incríveis!

domingo, 26 de junho de 2022

O clube dos iguais: uma resenha do livro "O pacto da branquitude", de Cida Bento

Se você é psicólogo ou psicóloga (e especialmente se você é branco ou branca) recomendo muito fortemente a leitura deste livro fundamental da colega de profissão Cida Bento. É um livro curto, barato e muito, mas muito importante. No centro da discussão está o conceito, desenvolvido pela própria autora, de "pacto narcísico da branquitude", que diz respeito à uma série de alianças e acordos não verbalizados que acabam por atender aos interesses e manter os privilégios das pessoas brancas, inviabilizando e excluindo pessoas não-brancas, especialmente, no Brasil, pessoas negras (mas também indígenas). Como afirma a autora, "é evidente que os brancos não promovem reuniões secretas às cinco da manhã para definir como vão manter seus privilégios e excluir os negros. Mas é como se assim fosse: as formas de exclusão e de manutenção de privilégios nos mais diferentes tipos de instituições são similares e sistematicamente negadas ou silenciadas. Esse pacto da branquitude possui um componente narcísico, de autopreservação, como se o 'diferente' ameaçasse o 'normal', o 'universal'. Esse sentimento de ameaça e medo está na essência do preconceito, da representação que é feita do outro e da forma como reagimos a ele". Não sei se a comparação é válida mas é como se a branquitude fosse um clube que só permitisse a entrada de pessoas brancas e excluísse o acesso a pessoas "diferentes", isto é, pessoas não-brancas. A grande questão é que este comportamento clubista, que está no cerne do tal pacto da branquitude, está de fato espalhado por organizações públicas e privadas, constituindo um importante aspecto do racismo institucional prevalente em nosso país. Com sua longa experiência na área de psicologia organizacional, Cida Bento mostra como este pacto está fortemente presente nos processos de recrutamento e seleção de pessoal (que tendem a desfavorecer candidatos negros) e em muitos outros processos organizacionais e sociais, perpetuando-se justamente pelas vantagens obtidas pelos "signatários" voluntários ou involuntários deste pacto. Enfim, trata-se de um pequeno grande livro que eu espero que no futuro seja amplamente lido e estudado nas faculdades de psicologia brasileiras.

Trecho do livro: "Em um ambiente em que todas as pessoas são brancas, elas se identificam umas com as outras e se veem como iguais, membros de um mesmo grupo. Essa presença exclusiva de brancos, aliás, faz parte da maioria das organizações públicas, privadas e da sociedade civil. Quando isto é rompido pela presença de uma pessoa negra, o grupo se sente ameaçado pelo 'diferente', que por ser na instituição ou no departamento a única pessoa negra, num país majoritariamente negro, expõe os pés de barro do 'sistema meritocrático'".

O livro de auto-ajuda definitivo: uma resenha do romance "Ser feliz", de Will Fergunson

 

No incrível romance "Ser feliz", publicado originalmente em 2002 pelo escritor canadense Will Fergunson, acompanhamos o estressado editor Edwin a partir do momento em que este encontra, em meio à pilha de manuscritos que recebe todos os dias, um livro de auto-ajuda intitulado O que aprendi na montanha, redigido por um escritor desconhecido chamado Tupak Soiree (será uma referência ao Deepak Chopra?). Edwin não dá muita fé mas devido à falta de opções, a editora acaba publicando o livro sem alterações, com uma pequena tiragem. Mas acontece que este não era um livro de auto-ajuda qualquer mas "o" livro de auto-ajuda, isto é, o único livro de auto-ajuda que realmente funcionou ao longo da história. Afinal, como afirma Edwin em certo momento, "a razão de termos tantos livros de auto-ajuda é que eles não funcionam! Se alguém escrevesse um que realmente funcionasse eu perderia meu emprego, droga!". Pois Edwin jamais poderia imaginar que o livro de Soiree seria justamente este livro. E o que acontece a partir de sua publicação é uma crescente (e preocupante) epidemia de felicidade. Cada pessoa que lê o livro - e ele se torna rapidamente um sucesso editorial - desenvolve uma plena satisfação com a vida que acaba por transformar radicalmente o mundo. As primeiras indústrias a falir são a de cigarro e de bebidas mas logo vão à bancarrota também as indústrias de fast food, de moda, de exercícios físicos, de cosméticos e assim por diante. Como afirma Edwin, "toda a nossa economia foi construída sobre as fraquezas humanas, sobre maus hábitos e inseguranças". Com cada vez mais pessoas ficando satisfeitas, não apenas a economia mas toda a sociedade se altera drasticamente. E com o objetivo de reverter essa situação, Edwin - que editou o livro mas não foi enfeitiçado por ele - sai à caça do autor da obra maldita, responsável por essa insuportável onda planetária de felicidade. Não revelarei mais nada do livro mas gostaria de recomendá-lo com entusiasmo. "Happiness" (seu título original) é uma hilária sátira do mundo editorial e também uma crítica sagaz às falsas promessas vendidas por livros e autores de auto-ajuda. 

Trecho do livro: "A falha central em toda a filosofia de Tupak Soiree é esta: ele não entende a verdadeira natureza da alegria. Alegria não é um estado de ser, May. É uma atividade. Alegria é verbo, não é substantivo. Não existe independentemente de nossas ações. A alegria é para ser fugaz e transitória, porque nunca se destinou a ser permanente. Mono-no-awaré, May. “A tristeza de todas as coisas.” A tristeza que permeia tudo, até a própria alegria. Sem ela, a alegria não pode existir. Alegria é o que nós fazemos. Alegria é dançar sem roupa embaixo da chuva. A  alegria  é  pagã,  absurda,  matizada  de  sensualidade  e  tristeza.  Não  é  serenidade. Serenidade é o lugar para onde vamos quando morremos. Estou de partida. Estou indo para o sul, rumo ao deserto, para um confronto final. Vou salvar a todos nós da felicidade. Vou recolocar no devido lugar a alegria, a dor e os prazeres culposos da vida".

sábado, 25 de junho de 2022

Palestra: "Ansiedade: entender para controlar"

Eu já tratei do tema da ansiedade algumas vezes neste blog, como por exemplo, no post O livro definitivo da ansiedade e, mais amplamente, no post Precisamos falar sobre... ansiedade. Pois no dia 06 de Maio de 2022 eu voltei a tratar deste tema em uma palestra que eu dei para os calouros da Universidade Federal de Viçosa, instituição onde eu trabalho como psicólogo desde 2008 - que, coincidentemente foi o mesmo ano em que eu criei este blog. Caso tenha interesse em assistir essa palestra, segue o video, disponível no canal da UFV no Youtube.