quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Um breve guia para a obra de Oliver Sacks

Oliver Sacks nasceu no dia 9 de Julho de 1933 em Londres, na Inglaterra, e faleceu, em decorrência de um câncer, no dia 30 de Agosto de 2015 - há exatos 3 anos - aos 82 anos de idade, em Nova York, nos Estados Unidos. Entre estas duas datas, o neurologista e escritor  britânico - que adotou os Estados Unidos como lar - produziu uma obra rica, variada e extremamente sensível que ajudou a desvendar o funcionamento e os mistérios da mente e do cérebro humanos. Chamado pelo jornal New York Times de "poeta da medicina moderna", Sacks escreveu muito, escreveu sempre muito bem e com uma  erudição invejável e escreveu até o fim, deixando um legado importante que ainda será fonte de leitura e pesquisa por muitos e muitos anos. Fortemente influenciado por pensadores como Darwin, Freud, William James, Kurt Goldstein, Gerald Ederman, Stephen Jay Gould e, especialmente, pelo grande neuropsicólogo russo Alexander Luria, Sacks dedicou grande parte de sua obra à descrição minuciosa de sujeitos com distúrbios neurológicos e transtornos mentais graves. Seguindo diretamente os passos iniciados por Luria com seus clássicos A mente de um mnemonista (lançado no Brasil como A mente e a memória) e O homem com o mundo estilhaçado - livros nos quais Luria relata com um incrível nível de detalhamento a trajetória de dois sujeitos excepcionais -, Sacks descreveu seus pacientes neurológicos com uma precisão, uma profundidade e uma delicadeza impressionantes. 

E foi justamente esta delicadeza que fez toda a diferença, pois Sacks não se limitou a descrever objetivamente as áreas afetadas do cérebro e os comportamentos disfuncionais de seus pacientes, como fazem e já fizeram inúmeros neurologistas. Sacks foi muito além e tentou descrever também a subjetividade (e, portanto, a mente) de seus pacientes. Além disso ele não se focou apenas em seus sintomas e déficits mas também em suas forças e potências para enfrentar condições por vezes extremamente debilitantes. Finalmente, apesar de ser um neurologista, Sacks nunca reduziu o ser humano a seu cérebro e sempre defendeu uma visão e uma atuação holísticas, que levassem em conta a pessoa de uma forma integral - ou, como diria Goldstein, o organismo em sua totalidade. No final das contas, Sacks não produziu nenhuma descoberta significativa para o campo da neurologia nem concebeu uma teoria coesa sobre o funcionamento cerebral e a relação mente-cérebro, mas o que ele fez foi extremamente significativo e impactante: ele contou histórias, muitas histórias, belas e trágicas como a vida e, com isso, trouxe "romantismo" à medicina e à neurologia. Seguindo a famosa distinção estabelecida por Luria entre ciência tradicional e ciência romântica, é possível dizer que Sacks foi um cientista romântico - ou, mais precisamente, um neurologista romântico. Como apontou Luria em sua autobiografia intelectual A construção da mente, "os cientistas românticos não querem fragmentar a realidade viva em seus componentes elementares e tampouco representar a riqueza dos eventos concretos através de modelos abstratos que perdem as propriedades dos fenômenos em si mesmos [como os cientistas clássicos]. É de maior importância, para os românticos, a preservação da riqueza da realidade viva, e eles aspiram a uma ciência que retenha esta riqueza". Oliver Sacks, com seu "projeto" de uma neurologia da identidade, aspirou transmitir esta riqueza e, sem dúvida alguma, foi muito bem-sucedido em sua empreitada.

Ao longo de sua vida, Sacks publicou um total de treze livros, todos traduzidos e lançados no Brasil pela editora Companhia das Letras - alguns, infelizmente, estão esgotados. Após sua morte, em 2015, outros dois livros já foram lançados e futuramente outros serão, pois Sacks publicou inúmeros artigos e ensaios em jornais e revistas, que muito provavelmente serão compilados e transformados em livros. Sacks publicou seu primeiro livro em 1970 (Enxaqueca), quando tinha 37 anos de idade, e seu último em Abril de 2015 (sua autobiografia Sempre em movimento), aos 81 anos, quatro meses antes de falecer. Entre estas duas obras, Sacks escreveu extensamente sobre neurologia e neurociências, mas também discorreu sobre química, sobre botânica, sobre filosofia, sobre viagens, sobre a vida e sobre a morte. Numa tentativa de sistematizar a obra de Sacks é possível dizer que ele escreveu: 1) livros autobiográficos (Com uma perna só, Tio Tungstênio e Sempre em movimento); 2) livros com relatos de casos variados (O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, Um antropólogo em marte e O olhar da mente) - os melhores livros do autor, na minha opinião; 3) livros temáticos (Enxaqueca, Tempo de despertar, Vendo vozes, Alucinações musicais e A mente assombrada); 4) livros com relatos de viagens (A ilha dos daltônicos e Diário de Oaxaca) e, finalmente, 5) livros com ensaios livres, publicados postumamente (Gratidão e O rio da consciência), totalizando quinze livros, que serão apresentados abaixo, seguindo a ordem de lançamento.

Enxaqueca
Título original: Migrane
Ano de lançamento: 1970

Sinopse oficial da editora: "Para a maioria de nós, a enxaqueca é apenas uma forte dor de cabeça que acomete periodicamente certas pessoas. Para Oliver Sacks, ela é muito mais do que isso. É, antes de tudo, um conjunto extremamente complexo e diversificado de síndromes entre as quais a dor de cabeça nem sempre está presente. Além disso, a enxaqueca pode nos fornecer pistas sobre algumas das questões mais fundamentais do ser humano. As diversas teorias sobre a origem e a natureza da enxaqueca são expostas no livro com clareza e profundidade. Para Sacks, os sintomas e as circunstâncias da enxaqueca devem ser não apenas minuciosamente descritos como também interrogados: o fundamental é o tipo de pergunta que um médico faz aos fenômenos que tem diante de si. Segundo Sacks, a pergunta crucial não diz respeito à doença que tal pessoa tem, mas à pessoa que tem tal doença. Primeiro livro de Sacks, Enxaqueca já contém todos os elementos que fizeram o sucesso de suas obras posteriores: conhecimento científico posto a serviço de um estilo único de narração capaz de transformar relatos clínicos em episódios de uma maravilhosa narrativa de suspense". Em sua autobiografia Sempre em movimento Sacks afirma o seguinte sobre a publicação desta obra: "Eu nunca vivera um sentimento tão forte, um sentimento de ter feito algo real e de algum valor, como senti com aquele primeiro livro".

Trecho do livro"Nossa visão da natureza mudou nos últimos vinte anos — passamos a reconhecer processos dinâmicos não lineares, processos caóticos e autoorganizadores em um vasto conjunto de sistemas naturais, e a perceber que esses processos têm um papel essencial da evolução do universo. Mas não precisamos ir muito longe na busca de exemplos - da agregação dos fungos do mofo aos movimentos de Plutão -, pois temos um laboratório natural, um microcosmo em nossa cabeça. É nesse sentido, finalmente, que a enxaqueca é fascinante, pois ela nos mostra, na forma de uma vitrine alucinatória, não só uma atividade elementar do córtex cerebral, mas todo um sistem auto-organizador, um comportamento universal em funcionamento. Revela-nos não apenas os segredos da organização neuronial, mas o coração criativo da própria natureza".

Tempo de despertar
Título original: Awekenings
Ano de Lançamento: 1973

Sinopse oficial da editora: "Usando uma nova droga, o neurologista Oliver Sacks conseguiu, entre 1969 e 1972, despertar vários pacientes de encefalite letárgica do estado em que viviam desde o fim da Primeira Guerra Mundial, quando ocorreu um surto da chamada "doença do sono".Tempo de despertar traz um minucioso relato das vivências desses pós-encefálicos - os labirintos interiores em que viviam, o mundo onírico a que estavam presos, a aflição que sentiam nos raros momentos de vigília -, formando um conjunto único de pequenos dramas. A destreza narrativa do autor já foi comparada com a que transparece nos casos clínicos contados por Freud (celebrizados por sua qualidade literária)". Este livro inspirou um maravilhoso filme de mesmo nome protagonizado pelos atores Robin Williams (que intepreta Sacks) e Robert De Niro e foi eleito pela revista The Guardian um dos 50 melhores livros de não-ficção de todos os tempos.

Trecho do livro: "A força do hábito e a resistência à mudança - como são em todas as esferas de pensamento - chegam ao auge na medicina, no estudo de nossos mais complexos sofrimentos e distúrbios do ser; pois somos aqui compelidos a investigar minuciosamente as partes que todos se empenham por negar ou não ver. Os pensamentos mais difíceis de compreender ou expressar são aqueles que tocam nossa zona proibida e reacendem em nós as mais intensas negações e as mais profundas intuições".

Com uma perna só
Título original: A leg stand on
Ano de lançamento: 1984
  
Sinopse oficial da editora: "Durante uma escalada solitária na Noruega, em 1974, o jovem neurologista Oliver Sacks depara-se com um enorme touro branco. Em pânico, dá meia volta, dispara pelo caminho inverso e um tombo faz com que sua perna esquerda fique seriamente avariada. Depois de uma cirurgia, a sensação é de que a perna se tornara "inexistente". O médico se transforma em paciente e é obrigado a aprender lições de passividade num leito de hospital. Sem poder andar, apartado da vida normal e isolado pela insensibilidade de colegas médicos, Sacks inicia um processo de autodiagnóstico. Decide então elaborar um relato provocativo sobre os padrões de atendimento do sistema de saúde, mas também um testemunho vivo e fluente sobre os mecanismos neuro-sensoriais responsáveis pela formação da "imagem corporal" - graças à qual sentimos que os membros fazem parte do corpo, formando um todo integrado. Para o leitor é a oportunidade de conviver com a intimidade de um homem de cultura, inteligência e sensibilidade únicas durante um dos momentos mais críticos - e férteis - de sua vida pessoal e profissional". 

Trecho do livro: "A neuropsicologia, como a neurologia clássica, visa ser totalmente objetiva, e sua grande força, seus avanços, provém justamente disso. Mas uma criatura viva, e especialmente um ser humano, é em seu todo ativa - um sujeito e não um objeto. É precisamente o sujeito, o 'eu' vivo, que está sendo excluído. A neuropsicologia é admirável, mas exclui a psiquê - exclui o 'eu'".

O homem que confundiu sua mulher com um chapéu 
Título original: The man who mistooke his wife for a hat
Ano de lançamento: 1985

Sinopse oficial da editora: "O cientista e neurologista Oliver Sacks é também um excelente narrador, dono do raro poder de compartilhar com o leitor leigo certos mundos que de outro modo permaneceriam desconhecidos ou restritos aos especialistas. Em O homem que confundiu sua mulher com um chapéu estamos diante de pacientes que, imersos num mundo de sonhos e deficiências cerebrais, preservam sua imaginação e constroem uma identidade moral própria. Aqui, relatos clínicos são intencionalmente transformados em artefatos literários, mostrando que somente a forma narrativa restitui à abstração da doença uma feição humana, desvelando novas realidades para a investigação científica e problematizando os limites entre o físico e o psíquico". Em sua autobiografia Sempre em movimento, Sacks afirma o seguinte sobre a publicação desta obra: "com a súbita popularidade do Chapéu eu ingressara na esfera pública, quisesse ou não. Sem dúvida houve vantagens. De repente eu estava em contato com uma infinidade de gente. Tinha condições de ajudar, mas também de prejudicar. Não podia escrever mais como anônimo". 

Trecho do livro: "Uma doença nunca é uma simples perda ou excesso; existe sempre uma reação, por parte do organismo ou indivíduo afetado, para restaurar, substituir, compensar e preservar sua identidade, por mais estranhos que possam ser os meios; e estudar ou influenciar esses meios, tanto quanto o dano primário ao sistema nervoso, é uma parte essencial de nosso papel como médicos"; "A neurologia tradicional, por seu caráter mecânico, sua ênfase nos déficits, oculta a nós a verdadeira vida que impregna todas as funções cerebrais - pelo menos as funções superiores como imaginação, memória e percepção. Ela oculta de nós a própria vida da mente".

Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos
Título original: Seeing voices
Ano de lançamento: 1989

Sinopse oficial da editora: "'O que é necessário para nos tornarmos seres humanos completos? O que denominamos nossa humanidade dependerá parcialmente da linguagem? O que acontece conosco se não aprendermos língua alguma? A linguagem desenvolve-se de um modo espontâneo e natural ou requer contato com outros seres humanos?' Numa fascinante incursão pelo universo dos surdos, Oliver Sacks procura responder a questões como essas. Sua preocupação não é simplesmente apresentar ao leitor a condição daqueles que não conseguem ouvir. Acompanhando a história, os dramas e as lutas dessas pessoas, o leitor será levado a olhar para o seu próprio cotidiano de um modo inteiramente novo. Será capaz de ouvir, nos sons da linguagem, um pequeno milagre que se repete cada vez que uma nova sentença é proferida".

Trecho do livro: "O mundo surdo, como todas as subculturas, é formado em parte pela exclusão (do mundo ouvinte) e em parte pela constituição de uma comunidade e um mundo em torno de um centro diferente – seu próprio centro. No mesmo grau em que os surdos se sentem excluídos, podem sentir-se isolados, afastados, discriminados. Quando formam um mundo surdo, voluntariamente, espontaneamente, sentem-se a vontade nele, apreciam-no, veem-no com refúgio e um anteparo. Neste aspecto, o mundo surdo sente-se autossuficiente, não isolado – não anseia por assimilar ou ser assimilado; ao contrário, estima sua própria língua e imagens e deseja protegê-las".

Um antropólogo em marte
Título original: An Anthropologist on Mars
Ano de lançamento: 1995

Sinopse oficial da editora: "O que têm em comum o pintor que, em decorrência de um acidente, passa a enxergar o mundo em preto e branco, o rapaz cujas únicas lembranças se restringem ao final dos anos 60 e o exímio cirurgião tomado por todo tipo de tiques (verbais e físicos) na vida cotidiana? Para o neurologista Oliver Sacks, esses não são apenas casos clínicos extraordinários. Antes de mais nada, eles dizem respeito a indivíduos cujas vidas, pressionadas por situações-limites (por vezes trágicas, em geral dramáticas), podem nos ajudar a compreender melhor o que somos. Em Um antropólogo em Marte, Sacks confirma a originalidade de sua prosa, já consagrada em Tempo de despertar e O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. Uma prosa que dá ao relato clínico a dramaticidade de um verdadeiro gênero literário". Os casos descritos neste livro inspiraram dois filmes: À primeira vista (At first sight, 1999), baseado no capítulo Ver e não ver, e A música nunca parou (The music never stopped, 2011), baseado no capítulo O último hippie.  

Trecho do livro: "Esse sentido da notável maleabilidade do cérebro, sua capacidade para as mais impressionantes adaptações, para não falar nas circunstâncias especiais (e freqüentemente desesperadas) de acidentes neurológicos ou sensórios, acabou dominando minha percepção dos pacientes e de suas vidas. De tal forma, na realidade, que por vezes sou levado a pensar se não seria necessário redefinir os conceitos de "saúde" e "doença", para vê-los em termos da capacidade do organismo de criar uma nova organização e ordem, adequada a sua disposição especial e modificada e a suas necessidades, mais do que em termos de uma "norma" rigidamente definida. A enfermidade implica uma contração da vida, mas tais contrações não precisam ocorrer. Ao que me parece, quase todos os meus pacientes, quaisquer que sejam os seus problemas, buscam a vida - e não apenas a despeito de suas condições, mas por causa delas e até mesmo com sua ajuda".

A ilha dos daltônicos
Título original: The Island of the Colorblind
Ano de lançamento: 1997 

Sinopse ofocial da editora: "Em A ilha dos daltônicos, o cientista e neurologista Oliver Sacks comprova que é um homem que se apaixona, que possui uma inteligência intensamente refinada pelo trabalho e que é um excelente narrador. As narrativas deste livro nascem nos arquipélagos do Pacífico. De lá vêm reflexões sobre a natureza do tempo geológico profundo, a disseminação das espécies, a gênese das doenças. Vêm também histórias sobre as cicadáceas, teimosas plantas do período paleozóico, histórias de ilhéus que não conhecem o azul ou o verde do mar à sua volta, porque nascidos com uma incapacidade absoluta de ver as cores, histórias de uma paralisia neurodegenerativa que vitima apenas os membros de certo grupo social, os chamorros, nas ilhas Marianas". Em sua autobiografia, Sacks afirma o seguinte sobre esse livro: "A ilha dos daltônicos era diferente de qualquer livro anterior meu: mais lírico, mais pessoal. Em certos aspectos, continua a ser meu livro favorito". 

Trecho do livro: "Fui à Micronésia como neurologista ou neuroantropólogo com a intenção de ver de que maneira indivíduos e comunidades reagiam à condições endêmicas incomuns - uma cegueira total e hereditária para cores em Pingelap e Pohnpei, um distúrbio neurodegeneneativo progressivo e fatal em Guam e Rota. Mas também me prenderam a atenção a vida cultural e a história dessas ilhas, sua flora e fauna únicas, suas origens geológicas singulares. Se a princípio examinar pacientes, visitar sítios arqueológicos, perambular por florestas tropicais e mergulhar de snorkel nos recifes pareciam atividades sem relação umas com as outras, depois fundiram-se todas em uma experiência única e indivisível, uma imersão total na vida da ilha".

Tio Tungstênio: memórias de uma infância química
Título original:Uncle Tungstein
Ano de lançamento: 2001 

Sinopse oficial da editora: "A vida de Oliver Sacks é marcada por uma curiosidade fora do comum. Em Tio Tungstênio, ele relembra sua infância, impregnada de recordações sobre o comportamento misterioso dos materiais. Desconfiando de que existiam leis e fenômenos escondidos por trás do mundo visível, o jovem Oliver se perguntava: "Como o carvão podia ser feito da mesma matéria que o diamante? Do que eram feitos o Sol e as estrelas?".Cada etapa de suas descobertas sobre a luz, o calor, a eletricidade, a fotografia, o átomo, os raios X e a radioatividade é relembrada para conduzir o leitor pela história da química, apresentando as pesquisas e inovações de nomes como Lavoisier, Mendeleiev, Marie Curie, Robert Boyle e Niels Bohr, entre outros. A escrita envolvente de Sacks aproxima poesia e ciência por meio de recordações que são, a um só tempo, investigações intelectuais e episódios de amadurecimento afetivo.As invenções da infância - por exemplo, um experimento com rabanetes para tentar provar a existência de Deus - e os anos traumáticos de colégio interno contribuíram para que ele buscasse refúgio na prática científica. Nascido numa família de cientistas, Sacks encontrou incentivo para sua vocação. Tio Dave fabricava lâmpadas de tungstênio e, na cabeça fantasiosa do menino Oliver, tinha as mãos, os pulmões e os ossos encharcados do metal escuro e pesado. Para as crianças da família, tio Dave era dotado de força e resistência sobre-humanas - era o tio Tungstênio".

Trecho do livro: "A exploração química, a descoberta química era ainda mais emocionante por seus perigos. Eu sentia certo prazer pueril em brincar com aquelas substâncias perigosas, e me espantei, em minhas leituras, com a série de acidentes que haviam sofrido os pioneiros. Poucos naturalistas tinham sido devorados por animais selvagens ou morrido envenenados por plantas ou animais peçonhentos; poucos físicos haviam ficado cegos por olharem para o céu ou quebrado a perna num plano inclinado; mas muitos químicos haviam perdido olhos, membros e até mesmo a vida, geralmente ao produzirem inadvertidamente explosões ou toxinas".

Diário de Oaxaca
Título original: Oaxaca journal
Ano de lançamento: 2002

Sinopse oficial da editora: "Conhecido por seus relatos clínicos que desvendam grandes mistérios do cérebro humano, Oliver Sacks revela uma nova faceta em seu diário de viagem para o estado de Oaxaca, no México. Durante dez dias, acompanhou um grupo de botânicos e cientistas amadores interessados em conhecer o hábitat das samambaias mais raras do mundo.Entre descrições minuciosas da morfologia das plantas e uma ou outra digressão acerca de pássaros e tipos de solo, o texto concentra toda a sua força em desvendar um grande mistério da mente humana: a curiosidade científica. Ao observar de perto o comportamento de seus colegas de excursão, Oliver Sacks revela que a ciência, longe de ser uma seara de cálculos e experimentos, nasce do interesse genuíno e apaixonado de amadores, cuja erudição nem sempre supera a vontade de aprender e descobrir fatos novos.Os personagens que compõem a expedição são sui generis. O grupo é composto de tipos humanos diversos: homens e mulheres, americanos e ingleses, cientistas e curiosos circulam com desenvoltura por selvas e grutas, mas protagonizam cenas de verdadeira comédia ao tentar, sem sucesso, se imiscuir no cotidiano das cidades mexicanas por onde passam. É o caso da visita coletiva feita a um alambique onde se processa o mescal, bebida alcoólica extraída do agave, uma planta nativa que também dá origem à tequila. Levemente alterados pela degustação a que se submetem no maior “interesse científico”, os expedicionários terminam sentados em uma pequena planície das redondezas, uivando para a lua e se “perguntando como será que os lobos e os outros animais se sentiram quando a lua, a sua lua, lhes foi roubada”.Composto de uma gama variada de assuntos, Diário de Oaxaca versa ainda sobre a intimidade de Oliver Sacks, cujo mal-estar em relação aos meios oficiais e ultracompetitivos da ciência contemporânea fica evidente nas diversas passagens em que o autor externaliza sua admiração pelos amadores - classe de cientistas à qual, aliás, o livro é dedicado".

Trecho do livro: "Afastei-me um pouco do grupo e estou sentado a alguns metros de distcia deles, escrevendo em meu caderno. Quase sempre há essa duplicidade participante-observador, como se eu fosse uma espécie de antropólogo da vida, da vida terrestre, da espécie Homo sapiens (Talvez por isso eu tenha usado a expressão de Temple Grandin no título de Um antropólogo em Marte, pois tanto quanto ela sou uma espécie de antropólogo, um 'forasteiro'.) Mas, afinal, não é assim com todo escritor?"

Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro
Título original: Musicophilia
Ano de lançamento: 2007 

Sinopse oficial da editora: "A música é uma das experiências humanas mais assombrosas e inesquecíveis, e este livro do neurologista e escritor Oliver Sacks nos faz entender por quê. A exemplo de seus livros anteriores, entre os quais se destacam Tempo de despertar e O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, Sacks nos oferece aqui histórias musicais cheias de drama e compaixão humana envolvendo pessoas comuns ou portadoras de distúrbios neuroperceptivos.O que se passa com o cérebro humano ao fazer ou ouvir música? Onde exatamente reside o enorme poder, muitas vezes indomável, que a música exerce sobre nós? Essas são algumas das questões que Oliver Sacks explora, em seu estilo cativante, nesta admirável coletânea de casos, mostrando, por exemplo, como a música pode nos induzir a estados emocionais que de outra maneira seriam ignorados por nossa mente ou ainda evocar memórias supostamente perdidas nos meandros do cérebro.É impossível não se impressionar com a história do médico que experimenta, depois de atingido por um raio, uma irresistível compulsão por música de piano, a ponto de se tornar ele mesmo um pianista. Ou com os casos de "amusia", uma condição clínica que faz Mozart soar como uma trombada automobilística aos ouvidos da pessoa afetada. Sem contar as histórias de gente afetada dia e noite por alucinações musicais incessantes. O estudo de casos surpreendentes de pessoas com distúrbios neurológicos ou perceptivos ligados à música reitera a crença de Sacks em uma medicina que humaniza o paciente e tenta, junto com a abordagem clínica, integrar as dimensões psicológica, moral e espiritual tanto das afecções quanto de seu tratamento".

Trecho do livro: "A percepção da música e as emoções que ela pode despertar não dependem exclusivamente da memória, e a música não tem de ser conhecida para exercer poder emocional. Já vi pacientes com demência profunda chorar ou estremecer ao ouvir música que nunca tinham ouvido. Acho que eles podem vivenciar toda a gama de sentimentos ao alcance do resto de nós e que a demência, pelo menos nessas ocasiões, não é obstáculo para a profundidade das  emoções. Quem presencia tais respostas percebe que ainda  existe  um self que pode ser convocado, mesmo que só a música possa ser capaz de fazê-lo"

O olhar da mente
Título original: The mind's eye
Ano de lançamento: 2010

Sinopse oficial da editora: "Um escritor que perde a capacidade de ler. Uma pianista que confunde um guarda-chuva com uma cobra. Indivíduos que só enxergam imagens bidimensionais ou não reconhecem rostos. Nos casos relatados em O olhar da mente, do neurologista inglês Oliver Sacks, a ciência é sempre vista a partir da experiência humana. Nesse percurso se mesclam, de forma ao mesmo tempo rigorosa e afetiva, informações técnicas sobre distúrbios da memória, da fala e de outras funções cerebrais e a narrativa de suas consequências no dia a dia de pacientes e familiares.O que torna essas histórias tão saborosas, a despeito de sua inevitável dramaticidade - ou comicidade, em alguns momentos -, é o talento do autor para tratar de assuntos complexos em prosa lógica e cristalina. Também a erudição discreta de seus argumentos, capazes de incorporar em discussões sobre fisiologia cerebral um poema de John Milton, um quarteto de Haydn, considerações sobre a fotografia estereoscópica, a teoria da linguagem de Noam Chomsky. “Aprendi a olhar para o sofrimento em termos humanos mais amplos”, disse Sacks numa entrevista, referindo-se ao resultado de seu convívio, ainda estudante de medicina, com poetas como W. H. Auden. “A olhar para dilemas, situações - não apenas para doenças.”Aos poucos, os casos de O olhar da mente - quase todos concentrados em problemas de visão - ganham certa familiaridade e convergem para aquele que parece ser o seu grande mote: o câncer que o próprio Sacks teve num dos olhos, e que o faz sair da condição de médico para enfrentar a angústia, a insegurança e os medos comuns de um paciente. “Este é o Natal mais desolador que já passei”, escreve. “O New York Times de hoje traz fotos e histórias de várias personalidades que morreram em 2005. Estarei nessa lista em 2006?”Nesse mergulho pessoal corajoso, que não abre mão da crueza e da autoironia, análise e experiência se fundem para traçar contornos originais do antigo - e ainda hoje complexo - dilema entre mente e cérebro. “Até que ponto somos os autores, os criadores das nossas sensações? Quanto elas são predeterminadas pelo cérebro ou pelos sentidos com que nascemos, e em que medida moldamos nosso cérebro através do que vivenciamos?”

Trecho do livro: "Em décadas recentes a neurociência confimou que o cérebro possui mais capacidades de restauração e regeneração do que antes se acreditava. Há também muito mais 'plasticidade', uma maior capacidade de áreas intactas para assumir algumas das funções das áreas lesadas se o dano não for demasiado extenso. E cada indivíduo possui suas capacidades de adaptação, de encontrar modos novos ou diferentes de fazer coisas quando o modo original deixa de estar disponível" (do ensaio Chamada de volta à vida)

A mente assombrada
Título original: Hallucinations
Ano de lançamento: 2012

Sinopse oficial da editora:  Você já viu algo que não estava realmente lá? Ouviu alguém chamar seu nome em uma casa vazia? Sentiu que havia alguém atrás de você e se virou para encontrar nada?As alucinações não pertencem inteiramente ao campo da loucura. Frequentemente, estão ligadas a privações sensoriais, intoxicações, doenças ou lesões. Pessoas que sofrem de enxaqueca podem ver arcos brilhantes ou pequenas figuras humanas e de animais. Ao mesmo tempo, deficientes visuais podem viver imersos em um mundo visual alucinatório. As alucinações podem ser provocadas por uma simples febre ou até mesmo pelos prosaicos atos de despertar e adormecer, em imagens que vão de manchas coloridas a belos rostos ou monstros terríveis. Pessoas de luto podem receber reconfortantes “visitas” de entes queridos. Em alguns casos, as alucinações levam a epifanias religiosas ou até mesmo à sensação de se deixar o próprio corpo.Por milhares de anos essas visões intrigaram e seduziram a humanidade, e não foram poucos os que usaram compostos alucinógenos para alcançá-las. Como um jovem médico na Califórnia da década de 1960, o interesse de Oliver Sacks por psicodélicos era tão profissional quanto pessoal. Foi essa inquietação, ao lado de suas experiências iniciais com a enxaqueca, que o lançou em uma investigação de vida inteira sobre as variações e os desdobramentos da experiência com as drogas.Em A mente assombrada, Sacks - com a elegância, curiosidade e compaixão que marcam sua obra - entrelaça histórias de seus pacientes com as próprias experiências para mostrar o que as alucinações nos dizem sobre a organização e a estrutura de nosso cérebro, como elas influenciaram a cultura, o folclore e a arte. Em suma, como o potencial para a alucinação que reside em todos nós é parte vitalda condição humana.

Trecho do livro: "muitas alucinações parecem ter a criatividade da imaginação, dos sonhos ou da fantasia – ou os vívidos detalhes e a externalidade da percepção. Mas uma alucinação não é nenhuma dessas coisas, embora possa ter alguns mecanismos neurofisiológicos em comum com cada uma delas. Alucinação é uma categoria única e especial da consciência e da vida mental".

Sempre em movimento - Uma vida
Título original: On the move
Ano de lançamento: 2015

Sinopse oficial da editora: "Quando Oliver Sacks tinha doze anos, um professor bastante sagaz escreveu num relatório: “Sacks vai longe, se não for longe demais”. Hoje está absolutamente claro que Sacks jamais parou de ir. Desde as primeiras páginas deste comovente livro de memórias, em que relata sua paixão de juventude pelas motos e pela velocidade, Sempre em movimento parece estar carregado dessa energia. Conforme fala de sua experiência como jovem neurologista no início dos anos 1960 - primeiro na Califórnia, onde lutou contra o vício em drogas, e depois em Nova York, onde começa a despontar como pesquisador -, vemos como sua relação com os pacientes veio a definir sua vida.A ideia de estar sempre em movimento alimentou não apenas suas pesquisas, mas também sua vida. Quando revelou à família que era homossexual, ouviu de volta da mãe que ele era “uma abominação”. A mãe foi eventualmente perdoada, mas a sentença o fez abandonar a Inglaterra e o colocou na estrada. Nessas viagens, cruzando de ponta a ponta um país tão familiar quanto estrangeiro, surge o médico que viemos a conhecer: apaixonado, obstinado e perpetuamente curioso com o mundo.Com a honestidade e o humor que lhe são característicos, Sacks nos mostra como a mesma energia que motiva suas paixões “físicas” - levantamento de peso e natação - alimenta suas paixões cerebrais. Ele escreve a respeito de seus casos de amor, tanto os românticos quanto os intelectuais, sobre a culpa de abandonar a família para ir aos Estados Unidos, sua ligação com o irmão esquizofrênico e os escritores e cientistas que o influenciaram - Thom Gunn, A. R. Lúria, W. H. Auden, Gerald M. Edelman, Francis Crick. Sempre em movimento é a história de um pensador brilhante e nada convencional, o homem que iluminou as muitas formas com que o cérebro nos faz humanos". 

Trecho do livro: "Sou um narrador, um contador de histórias. Desconfio que o gosto pela narrativa é uma disposição humana universal, que acompanha as nossas capacidades de linguagem, de consciência de si e de memória autobiográfica.  O ato de escrever, quando dá certo, me dá um prazer, uma alegria como nada mais na vida. Leva-me para outro lugar - seja qual for o assunto -, onde fico totalmente absorvido, alheio a distrações, preocupações, inquietações ou mesmo passar do tempo. Nesses estados de espírito raros, celestiais, posso escrever ininterruptamente até não conseguir mais enxergar o papel. Só então percebo que anoiteceu e que escrevi o dia inteiro. Ao longo da vida, escrevi milhões de palavras, mas o ato de escrever continua tão fresco e tão divertido como na época em que comecei, há quase setenta anos".

Gratidão
Título original: Gratitude
Ano de lançamento: 2015

Este pequeno livro, publicado postumamente, consiste de quatro ensaios escritos nos dois últimos anos de vida de Sacks - denominados Mercúrio, My own life, Minha tabela periódica e Shabat - e que versam, dentre outros, sobre os temas do envelhecimento e da morte. O destaque fica para o comovente ensaio My own life, publicado originalmente pelo jornal New York Times no dia 19 de Fevereiro de 2015, no qual Sacks tornou pública a proximidade de sua morte e se despediu do mundo, com gratidão por tudo o que viveu. Uma bela despedida!

Trecho do livro: "Não consigo fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado, recebi muito e dei algo em troca, li, viajei, pensei, escrevi. Tive meu intercurso com o mundo, o intercurso especial dos escritores e leitores. Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal que pensa, neste belo planeta, e só isso já é um enorme privilégio e uma aventura" (do ensaio My own life)

O rio da consciência
Título original: The River of Consciousness
Ano de lançamento: 2017

Nesta coletânea de dez ensaios lançada dois anos após sua morte, Sacks discorre sobre temas variados que vão desde o interesse de Darwin pelas flores, a aproximação inicial de Freud com a neurologia e a teoria da consciência de William James (em uma ensaio que dá título ao livro) até temas inusitados como sua fascinação pela velocidade, a vida mental de plantas e minhocas, a falibilidade da memória, enganos auditivos,  criatividade, a sensação de desordem, etc. De acordo com o prefácio do livro, duas semanas antes de sua morte, "Sacks esboçou os conteúdos de O rio da consciência, o último livro sob sua supervisão". 

Trecho do livro: "Ao que parece, a mente ou o cérebro não possui um mecanismo para assegurar a verdade, ou pelo menos o caráter verídico das nossas recordações. Não temos acesso direto à verdade histórica, e o que sentimos ou afirmamos ser verdade depende tanto da nossa imaginação como dos nossos sentidos. Não existe nenhum modo pelo qual acontecimentos do mundo possam ser transmitidos ou registrados diretamente no cérebro: eles são experimentados e construídos de um modo acentuadamente subjetivo que, para começar, é diferente em cada indivíduo, e além disso são reinterpretados ou novamente experimentados de forma diferente toda vez que a pessoa as recorda. Nossa única verdade é a verdade narrativa, as histórias que contamos uns aos outros e a nós mesmos - as histórias que recategorizamos e refinamos continuamente. Essa subjetividade é embutida na própria natureza da memória e decorre de sua base e dos mecanismos que possuímos no cérebro" (do ensaio A falibilidade da memória).