Taí um ótimo livro para quem quer se aproximar das ideias de Michel Foucault. Nesta obra autobiográfica, o renomado filósofo Roberto Machado conta saborosas histórias sobre sua convivência com Foucault na década de 1970, no Brasil e na França - e entrelaça tais histórias com preciosos apontamentos sobre a obra foucaultiana, da qual é um dos maiores especialistas brasileiros. Gostei especialmente das reflexões de Machado sobre sua relação ambígua com Foucault, ao mesmo tempo próxima e distante, baseada tanto na admiração como no medo. Como aperitivo trago um belíssimo trecho do capítulo Proximidade e distância: "Uma extrema doçura transbordava de seus olhos, de sua voz, de seus gestos, de seu sorriso. Sua delicadeza sempre foi grande comigo. Talvez eu até não lhe tenha correspondido direito, por timidez, medo, respeito. Nos momentos de maior intimidade, quando estava a alguns centímetros dele, não deixava de me sentir a quilômetros. Também pudera. Ele era a pessoa que mais havia contribuído para o meu pensamento, transformado minha vida. Alguém de quem eu havia lido quase tudo. Sobre quem estava escrevendo. Que havia traduzido. Como não ficar intimidado? Mas, mesmo tendo sido sempre delicado comigo, ele tinha um lado terrível. Talvez, além de generoso, fosse cruel. Alguém que metia medo. Seus olhos argutos, que, sem arrogância, pareciam perscrutar uma verdade secreta, sua boca, crispada, prestes a expressar uma visão singular desconcertante numa voz forte, metálica, suas posturas improváveis, incomuns, atípicas, seus gestos vivos, que orquestravam com exatidão pensamentos exigentes, podiam destruir alguém sem esforço. Sentia-se que era perigoso".