quarta-feira, 20 de abril de 2022

Convite para colaboração em pesquisa de doutorado

Queridos e queridas colegas, meu nome é Felipe Stephan Lisboa, sou psicólogo e atualmente faço o doutorado em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde desenvolvo um trabalho sobre o campo do treinamento cerebral no Brasil. E como forma a dar continuidade à minha pesquisa de doutorado, já aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMS-UERJ, preciso contar com a colaboração de cada um e de cada uma de vocês. Mas de que forma? Bom, eu preciso entrevistar um conjunto de pessoas, maiores de 18 anos, que fazem atividades de treinamento ou ginástica cerebral nas seguintes empresas ou plataformas virtuais brasileiras do ramo: Supera, Super Cérebro, Ginástica do Cérebro, Supera Online, Neuroforma, Afinando o Cérebro e Mente Turbinada. Meu objetivo, nesta etapa da pesquisa, é compreender as experiências, os motivos e os sentidos do treinamento cerebral para as pessoas que recorrem a tais atividades. Assim, caso você seja cliente de alguma destas empresas ou conheça alguém que seja, por favor me envie uma mensagem para o email lisboa.felipe@posgraduacao.uerj.br (assim mesmo com c e não ç). No caso da indicação de pessoas eu próprio entrarei em contato com elas e as convidarei à participar da pesquisa - e cabe apontar que os dados obtidos por meio das entrevistas serão confidenciais e anônimos. Peço também que, se puderem, me ajudem a divulgar este convite dentre os seus conhecidos e familiares. Enfim, conto com a colaboração de todos(as) vocês...

terça-feira, 19 de abril de 2022

Carl Hart em busca da felicidade: uma resenha do livro "Drogas para adultos"

Alguns anos após narrar sua trajetória de vida e tecer excelentes (e críticas) reflexões sobre a política de guerra às drogas no livro "Um preço muito alto", de 2014, Carl Hart volta essa temática no controverso "Drogas para adultos", lançado em 2021 nos Estados Unidos e, ao final deste mesmo ano no Brasil, pela editora Zahar. Para quem não o conhece Carl Hart é um neurocientista norte-americano, professor dos departamentos de psicologia e psiquiatria na conceituada Universidade Columbia, em Nova Iorque, e autor de uma já considerável obra sobre o tema do uso de drogas, que inclui os dois livros mencionados. Mas para além de suas credenciais acadêmicas é preciso ressaltar a honestidade e a coragem do neurocientista em expor sua história e visão sobre este tema espinhoso, algo que fica bastante claro em seu novo livro. Em "Drogas para adultos" o neurocientista retoma algumas das questões já tratadas em "Um preço muito alto", mas vai além, especialmente ao expor e discutir com franqueza seu próprio uso recreativo de drogas assim como o uso por "adultos responsáveis" de uma forma geral. O livro, aliás, tem início com uma sentença bombástica: "Sou um usuário não apologista de drogas. Usar drogas faz parte da minha busca pela felicidade, e elas funcionam. Sou uma pessoa mais feliz e melhor por causa delas". Na visão de Hart o uso de drogas (de todas as drogas) é um direito individual inalienável que os governos deveriam proteger - e não combater. E isto porque as drogas, para o autor, compõem o rol de atividades que os seres humanos recorrem (e tem o direito de recorrer) para se sentirem bem e buscarem a felicidade. Além disso, segundo ele, as drogas não causariam tantos prejuízos quanto como comumente se advoga: para a grande maioria dos casos o uso de drogas causaria pouco ou nenhum dano, sendo o uso responsável até mesmo benéfico para a saúde e o funcionamento humanos. O autor defende, nesse sentido, a importância dos usuários recreativos saírem do armário e admitirem publicamente o uso, de forma que gradualmente vá se quebrando a visão comumente disseminada do usuário de drogas como alguém desleixado e irresponsável. E Hart dá o exemplo e admite ser, ele próprio, usuário recreativo de inúmeras drogas, em especial de heroína, sua droga favorita. Por este breve resumo dá pra se ter uma ideia do caráter controverso deste livro, que se coloca na contramão de grande parte do discurso "comum" sobre drogas.

De minha parte, considero a obra importante e mesmo necessária, especialmente por descortinar os equívocos e hipocrisias envolvidos nas discussões e políticas sobre drogas. No entanto, embora eu não seja um especialista no assunto, entendo que o autor não dá a devida atenção a alguns tópicos - por exemplo, à questão da dependência. Embora os dados indicados por Hart apontem que a maioria dos usuários de drogas não se torna dependente, um percentual significativo destes (entre 10 e 30%) se tornará. Neste sentido, a diferenciação implícita estabelecida por ele entre usuários responsáveis e usuários "irresponsáveis" (que seriam os dependentes), se torna estranha para mim. Como diferenciar um do outro e, especialmente, como evitar que o usuário responsável se torne dependente? Não me parece que Hart tenha conseguido responder ou lidar com tais questões à contento. Mas é claro que concordo fortemente com ele que a saída para lidar seja com o uso recreativo seja com a dependência não é, definitivamente, a criminalização - que além de não diminuir o uso, o abuso e a dependência de drogas ainda contribui para a expansão da violência e da população carcerária, majoritariamente pobre e negra. Da mesma forma concordo 100% com a defesa da legalização de todas as drogas, na medida em que tal política provavelmente resolveria o gravíssimo problema do uso de drogas de má qualidade (isto é, drogas misturadas com outras substâncias), que geram uma série de problemas de saúde e mortes. E eu concordo ainda que as drogas podem gerar tanto efeitos negativos quanto positivos, a depender, é claro, de uma série de fatores como a dosagem, a via de administração e o "set e setting", conceitos que dizem respeito às características individuais e ao ambiente físico e social onde o uso ocorre - fatores esses que são muito mais determinantes para os efeitos subsequentes do que as substâncias em si. As drogas, no meu entendimento, não devem ser vistas nem como anjos e nem como demônios, mas apenas como algo que as pessoas usam e continuarão usando para variados fins. Como Carl Hart não vejo muito sentido em lutar contra esse impulso humano demasiado humano - como a "guerra às drogas" tem feito tragicamente há muitas décadas. Uma abordagem realista e pragmática, como a defendida pelo autor, me parece muito mais sensata e necessária...

Trecho do livro: "Minha jornada me mudou profundamente. Redescobri a Declaração de Independência e os nobres ideais que ela expressa. Ela garante a cada um de nós "certos direitos inalienáveis", entre eles os da "vida, liberdade e busca da felicidade", contanto que não violemos os direitos dos outros. Dito de maneira simples, tenho o direito de usar substâncias em minha busca pela felicidade. Usar ou não uma droga é uma decisão minha, não do governo. Além disso, meu consumo responsável de drogas não deveria ser submetido a punições por parte das autoridades. Essas ideias estão no centro de nossas noções de autonomia e liberdade pessoal. A abordagem punitivista atual para lidar com usuários de drogas recreativas é totalmente antiamericana".

Como complemento a esta resenha recomendo a leitura deste breve ensaio do Carl Hart: Conceber a dependência química como uma doença cerebral promove injustiça social

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Separada/mente: uma resenha da série "Ruptura"

E já que tem tanta gente falando da série Ruptura, falarei dela também, pois trata-se de uma das produções mais interessantes e criativas que vi nos últimos anos. Criada por Dan Erickson e com vários episódios dirigidos pelo Ben Stiller, Ruptura (originalmente intitulada Severance, que significa separação em português) imagina um bizarro cenário distopico no qual uma megaempresa chamada Lumon cria e implanta em alguns de seus funcionarios um dispositivo cerebral capaz de separar as memórias do período no trabalho das memórias do periodo fora do trabalho. Sabe aquela velha questão de como conciliar ou equilibrar trabalho e "vida pessoal"? Pois este dispositivo supostamente resolve este problema ao literalmente dividir o indivíduo em dois: o sujeito do trabalho (chamado na série de "interno") e o sujeito da "vida pessoal" (chamado de "externo"). Embora habitem o mesmo corpo tais sujeitos possuem consciências e memórias completamente separadas - daí a ideia de "ruptura". Quando o "externo" desce no elevador para se dirigir ao seu local de trabalho o dispositivo desliga as memórias de sua "vida pessoal" e ele passa a se lembrar apenas de experiências vivenciadas no escritório. E da mesma forma, quando o "interno" sobe no elevador ao final do experiente, as memórias de tudo o que viveu durante o dia simplesmente desaparecem e ele sai da empresa como se nunca tivesse estado lá - e, portanto, sem qualquer mal-estar relacionado ao trabalho. Trata-se, sem dúvida, de uma premissa interessantíssima que é desenvolvida e explorada de forma brilhante ao longo dos nove episódios desta primeira temporada. E ao contrário de grande parte das séries, que na minha visão não precisavam de mais do que uma temporada para desenvolver bem a narrativa sem precisar encher linguiça, Ruptura cria um universo tão repleto de possibilidades e mistérios que apenas uma temporada não teria como ser suficiente. Felizmente a segunda temporada já foi confirmada! A série está disponível oficialmente na plataforma AppleTV+ e também, é claro, em plataformas "alternativas" como a Superflix. Recomendo fortemente esta produção intrigante e assustadora que é muito Black Mirror!

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Por que estamos tão cansados? Uma resenha do livro "Não aguento mais não aguentar mais"

Para muito além das afirmações genéricas do filósofo Byung-Chul Han na obra Sociedade do cansaço, a jornalista Anne Helen Peterson explica e analisa em detalhes, neste livro sensacional, os motivos pelos quais estamos tão cansados - especialmente, mas não exclusivamente, os chamados Millenials ou geração Y, que nasceram entre 1981 e 1995 (meu caso) e que a autora toma como foco de sua análise. Na visão de Peterson, os motivos para tal cansaço são múltiplos e incluem desde a demolição do Estado de Bem-estar social e a precarização/terceirização/uberização do trabalho até a onipresença das mídias digitais. Em cada um dos capítulos a autora analisa um amplo processo social iniciado ou intensificado pelas gerações dos nossos pais que construiu as bases do mundo que herdamos e que temos contribuído para piorar. E embora ela enfoque a situação dos Estados Unidos, grande parte de sua análise acaba sendo válida também para a realidade brasileira. A grande sacada da autora, e que a diferencia dos infinitos livros de autoajuda lançados todos os dias, é que tanto as explicações que ela apresenta quanto as possíveis soluções não são individuais, mas coletivas. Não se trata, portanto, de pensar como eu, individualmente, posso lidar com o cansaço que me acomete dia após dia, mas como podemos lidar com isso coletivamente, de forma que os trabalhadores em geral não sejam tão explorados e não se sintam, por conta disso, tão cansados. Como Peterson afirma na conclusão do livro, "podemos reconhecer que não é suficiente tentar melhorar as coisas para nós mesmos. Temos que melhorar as coisas para todos. E é por isso que mudanças significativas e verdadeiras precisam vir do setor público" Interessante perceber, nessa direção, que a autora se utiliza da expressão burnout não como um diagnóstico médico - que como todo diagnóstico se foca no indivíduo - mas como um elemento da cultura. É a forma como estruturamos nossa sociedade, em seus variados aspectos, que gera todo esse cansaço, sentido de forma mais ou menos intensa por cada um de nós. Enfim, recomendo fortemente este livro maravilhoso e necessário!

Trecho do livro: "Não temos que valorizar a nós mesmos e os outros pela quantidade de trabalho que fazemos. Não temos que nos ressentir dos nossos pais ou avós por terem vidas mais fáceis que as nossas. Não temos que nos submeter à ideia de que o racismo e o machismo estarão presentes sempre. Podemos chegar à espetacular e radical conclusão de que temos valor, cada um de nós, simplesmente por existirmos. Podemos nos sentir muito menos solitários, muito menos exaustos, muito mais vivos. Mas é necessário bastante esforço pra compreender que a forma de alcançar isso tudo não é, na verdade, trabalhando mais".