O livro "Solução de dois Estados", do escritor brasileiro Michel Laub, é descrito na contracapa como "um romance sobre ódio, perdão e os modos como nossa intimidade é definida pela política e pela barbárie do nosso tempo". No entanto, penso que esta descrição não dá totalmente conta da complexidade desta obra. Pra começo de conversa, "Solução de dois Estados" não possui a estrutura convencional de um romance, com uma história sendo contada por um narrador. O que temos são depoimentos contraditórios de dois irmãos (Raquel e Alexandre Tommazzi) concedidos a uma documentarista alemã (Brenda) sobre um episódio de violência envolvendo Raquel. Cabe esclarecer que Raquel é uma artista performática obesa que usa de sua arte para questionar padrões estéticos e violências sofridas por pessoas pessoas como ela própria e Alexandre é um empresário sócio-fundador de uma grande rede de academias de ginástica chamada Império - que possui associações com pastores pentecostais e é acusada por Raquel de ser uma forma de milícia. O livro é estruturado como uma combinação de transcrições (de materiais pré-editados, materiais brutos e materiais extras) que seriam utilizados na realização de um documentário sobre ódio e violência intitulado "Solução de dois Estados?". Grande parte do que lemos são, portanto, trechos de entrevistas com Raquel e Alexandre feitas por Brenda sobre o passado da família Tommazzi, sobre o Império, e sobre a performance de Raquel que culminou em um ato de violência contra ela própria. O que achei mais interessante no livro é que ele traz pontos de vistas radicalmente diferentes sobre os mesmos acontecimentos, apontando, com isso, para a impossibilidade de chegarmos a um entendimento único sobre o presente e o passado. Raquel e Alexandre possuem visões de mundo tão diferentes - como bolsonaristas e antibolsonaristas - que é como se habitassem mundos diferentes. O título do livro dialoga, no meu entender, com a ideia de que a única solução para a coexistência destes dois mundos seria a constituição de dois Estados diferentes. Mas para além desses temas, vejo o livro como uma importante e pertinente análise sobre o valor e o sentido da arte. Recomendo demais!
Trecho do livro: "Sabe qual o problema da ironia? É que ela serve pra ganhar dinheiro, prestígio, o que você quiser, mas nunca vai servir para falar de ódio. O ódio é sempre literal".