quarta-feira, 13 de julho de 2022

Viagens terapêuticas: uma resenha da minissérie documental "Como mudar sua mente"

Estreou essa semana na Netflix a minissérie documental "Como mudar sua mente", baseada em um livro homônimo do jornalista norte-americano Michael Pollan. Para quem não o conhece, Pollan é autor de inúmeros (e excelentes) livros sobre alimentação como "O dilema do onívoro", "Regras da comida" e também "Cozinhar", obra que deu origem à belíssima minissérie documental "Cooked", também produzida pela Netflix e apresentada por Pollan. Mais recentemente, contudo, o autor decidiu deixar momentaneamente o tema da alimentação - mas sem se distanciar do tópico mais geral do uso de plantas - para investigar a história das pesquisas com substâncias psicodélicas. E o resultado foi o livro "Como mudar sua mente", publicado em 2018 pela editora Intrínseca e que serviu de base para a minissérie recém-lançada. Composta por 4 episódios com cerca de 50 minutos, cada um dedicado a uma substância (LSD, Psilocibina, MDMA e Mescalina), esta minissérie retrata com brilhantismo o início das pesquisas com psicodélicos nas décadas de 1950 e 1960, a quase completa paralisia de tais pesquisas após a deflagração da "guerra às drogas" pelo governo Nixon (que tornou tais substâncias ilegais, inclusive no contexto científico) e, finalmente, a retomada recente destes estudos por um conjunto de pesquisadores atualmente chamados de "psiconautas" - expressão que não por acaso foi escolhida como título de um livro sobre esse tema lançado em 2021 pelo jornalista brasileiro Marcelo Leite. Mas a minissérie não se limita a recontar tal história e tenta também retratar, através de belíssimas animações, as transformadoras "viagens" de algumas pessoas com o uso de psicodélicos - inclusive aquelas vivenciadas pelo próprio Pollan. Mas eu não posso me furtar de fazer algumas críticas à série. Em primeiro lugar, as substâncias psicodélicas são frequentemente retratadas como "pílulas mágicas" e panaceias para todos os problemas humanos, especialmente para os chamados transtornos mentais. E isto, por sua vez, reforça uma racionalidade medicalizante, hegemônica na psiquiatria contemporânea, que reduz o sujeito a um "eu neuroquímico" que pode ser curado de suas aflições e tormentos através do uso de determinadas substâncias. E eu também não tenho como discordar da crítica feita pelo neurocientista Carl Hart no livro "Drogas para adultos" de que os psiconautas, em geral homens e brancos, comumente ignoram as terríveis consequências da tal "guerra às drogas" para as pessoas negras, suas principais vítimas. É como se eles se colocassem vigorosamente a favor da legalização das substâncias psicodélicas mas não das outras drogas - vistas, assim como seus usuários, como inferiores. Carl Hart aponta, nesse sentido, para a irritação que sente com a ginástica mental feita por alguns usuários de psicodélicos para se distanciarem de usuários de outras drogas - como crack ou heroína, por exemplo. De toda forma, apesar desses problemas, considero o tipo de pesquisa retratado na série muito importante, na medida em que pode ampliar o cuidado em saúde mental, no presente e no futuro. Se as drogas psicodélicas não são uma panaceia para os problemas humanos ainda assim elas podem ser benéficas e transformadoras para muitas pessoas.