Em meu esforço de ler mais ficção acabei de finalizar mais um livro: "Meu ano de descanso e relaxamento", da escritora norte-americana Ottessa Moshfegh. A obra, que gostei muito, tem como protagonista e narradora uma mulher de quase 30 anos que, após a morte dos pais e o fim de um relacionamento, decide tirar um ano de "descanso e relaxamento", ou melhor, um ano de luto, depressão e intoxicação medicamentosa. Neste ano "sabático" ela planeja basicamente se isolar de tudo e de todos, se entupir de remédios psiquiátricos - receitados por uma psiquiatra terrivelmente antiética e picareta - e simplesmente dormir, isolando-se em si e também de si mesma. Seu plano original era dormir o tempo todo durante um ano, o que, em sua visão distorcida, a faria acordar deste processo renovada e pronta para encarar os desafios da vida. A questão é que seu plano não sai exatamente como planejado, ao menos inicialmente. A narrativa não é, em grande parte, focada na ação da personagem, já que ela se encontra constantemente num estado de quase completa inação e letargia. O foco está nas lembranças, pensamentos e devaneios desta jovem que não consegue ver nada muito claramente - especialmente devido aos efeitos dos inúmeros remédios que ela toma dia e noite, muitas vezes misturados com álcool. O que acho mais interessante no livro é como ele retrata a forma como muitas pessoas lidam com o sofrimento em nossa sociedade - e, em especial, na sociedade norte-americana. Como a personagem, muitas e muitas pessoas têm recorrido a medicações psiquiátricas e outras drogas com o intuito (ilusório) de eliminar sofrimentos que não conseguem ou não querem lidar - e comumente ignoram ou não prestam a devida atenção nos significativos efeitos colaterais, que muitas vezes acrescentam sofrimentos e problemas às suas já complicadas vidas. Enfim, a obra capta muitíssimo bem esse zeitgeist da relação dos sujeitos contemporâneos com o sofrimento e as medicações psiquiátricas. Recomendo fortemente!
Trecho do livro: "E foi durante essa calmaria no drama do sono que entrei numa realidade desconhecida e menos certa. Os dias se arrastavam, havia pouco a ser lembrado, a não ser o entalhe familiar das almofadas do sofá e uma espuma na pia do banheiro que parecia uma paisagem lunar, suas crateras borbulhando sobre a porcelana quando eu lavava o rosto ou escovava os dentes. Mas era apenas isso que acontecia. E talvez eu tivesse sonhado com espuma. Nada parecia real de verdade. Dormindo, acordada, tudo colidia numa viagem cinzenta e monótona de avião por entre as nuvens. Eu não conversava mentalmente comigo mesma. Não tinha muito o que dizer. Foi assim que soube que o sono estava fazendo efeito: estava ficando cada vez menos apegada à vida. Se continuasse, pensei, desapareceria por completo, depois reapareceria sob alguma outra forma. Essa era a minha esperança. Esse era o sonho".
Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan