E o prêmio Felipe Lisboa de melhor livro de não-ficção de 2020 vai para... "Talvez você deva conversar com alguém", da psicoterapeuta norte-americana Lori Gottlieb. Fiquei curioso para ler esse livro quando vi, na contracapa, uma recomendação do psiquiatra e psicoterapeuta Irvin Yalom, autor que admiro muito e que consegue, como poucos, descrever a complexidade do encontro terapêutico (algo que os livros técnicos raramente conseguem). Pois Lori também é muitíssimo bem-sucedida nesta empreitada. Ouso dizer que ela supera Yalom, pois além de descrever com enorme verossimilhança e sensibilidade alguns atendimentos que realizou ao longo dos anos, Lori ainda conta a sua própria história, com uma sinceridade admirável, por vezes rasgante. Nunca antes tinha lido um livro no qual o/a terapeuta expõe suas dores, seus medos, suas inseguranças - e também suas alegrias e forças - com tanta verdade e sensibilidade como neste livro, cuja narrativa mescla tocantes histórias de pacientes atendidos por Lori com histórias dela própria, muitas passadas ou relatadas no consultório de seu terapeuta. Vemos, assim, os dois lados da moeda: a Lori terapeuta e a Lori paciente. Mas curiosamente, ao expor estas duas facetas, ela consegue um feito admirável: ao mesmo tempo em que mostra a realidade e os bastidores de uma terapia ela consegue demonstrar também o sentido e o valor do processo terapêutico. Ao retirá-lo da torre de marfim, mostrando que terapeutas também são pessoas, ela acaba por mostrar que está justamente aí - no fato de todos serem pessoas - a força do processo, que continua fazendo sentido, apesar de todos os tratamentos farmacológicos disponíveis. Acho bastante difícil resumir esse livro, que traz tantos ensinamentos, tanta verdade e tanta esperança (sem ser piegas e sem flertar com a autoajuda) que eu não tenho como não recomendá-lo para todo mundo, especialmente para psicólogos. Sem dúvida o melhor livro que li esse ano e um dos melhores sobre psicoterapia que já li na vida - muito embora rotulá-lo como um "livro de psicoterapia" seja extremamente equivocado e reducionista: trata-se de um livro sobre a vida e seus enormes e eternos desafios.
Trecho do livro: "Obviamente, os terapeutas lidam com os desafios diários existenciais, como qualquer pessoa. Essa familiaridade, de fato, está na raiz da conexão forjada por nós com estranhos que nos confiam suas mais delicadas histórias e segredos. Nossa formação nos ensinou teorias, ferramentas e técnicas, mas pulsando sob nossa competência adquirida a duras penas está o fato de sabermos o quanto é difícil ser um indivíduo. O que equivale a dizer: continuamos indo trabalhar diariamente sendo nós mesmos, com nosso próprio conjunto de vulnerabilidades, nossos próprios anseios e inseguranças, bem como nossas próprias histórias. De todas as minhas credenciais como terapeuta, a mais significativa é eu ser membro de carteirinha da raça humana".
Texto escrito originalmente para meu perfil pessoal no Instagram - me segue lá: @felipestephan