quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Considerações sobre a campanha Setembro Amarelo

Setembro é o mês da campanha Setembro Amarelo, criada em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) juntamente com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Desde então, neste mês são organizados eventos e discussões por todo o país sobre saúde mental com foco na prevenção do suicídio. A ideia que embasa a campanha é que falar sobre suicídio - e, mais amplamente sobre saúde mental - de alguma forma contribuiria, direta ou indiretamente, para a redução dos casos. A grande questão é que esta ideia não está comprovada de forma alguma - existe a possibilidade, inclusive, de que a ampla discussão sobre o tema possa contribuir para o aumento nos casos de suicídio. Um estudo publicado este ano avaliou os índices de suicídio no Brasil antes e após o início da campanha, em 2015. E a conclusão dos autores é que houve um aumento - mesmo resultado obtido por um outro estudo, publicado em 2018, que analisou os índices de suicídio antes e após a implementação da campanha Setembro Amarelo no Estado de Santa Catarina. Não se pode inferir destes resultados, contudo, que foi ou teria sido a campanha a responsável por tais aumentos, mas é possível sugerir que a campanha não foi tão útil na prevenção do suicídio como se imaginava e se pretendia. Certamente o suicídio tem relação com muito mais questões do que a campanha, logo não dá para apontar qualquer relação de causalidade, apenas correlações. Mas para além de sua eficácia ou ineficácia, meu principal incômodo com a campanha Setembro Amarelo está na visão, amplamente disseminada, de que a "prevenção do suicídio" diz respeito basicamente à contribuir para que as pessoas procurem apoio psicológico e (especialmente) psiquiátrico. O problema do suicídio é bem mais profundo e complexo do que o problema de como incentivar as pessoas em sofrimento a buscar ajuda ou tratamento, pois ele diz respeito à indagação fundamental de se a vida vale ou não a pena ser vivida. E esta indagação é sempre atravessada por inúmeras questões, tanto individuais como sociais. "Mas então" - alguém pode estar se perguntando - "você propõe que não se faça nada e que apenas observemos passivamente o aumento nas taxas de suicídio?". De forma alguma. Apoio totalmente ações e eventos voltados para a discussão da saúde mental - sem o foco no suicídio e também sem aquele viés patologizante e medicalizante típico de grande parte das iniciativas - assim como o incentivo à procura por apoio profissional, que mesmo não sendo uma panaceia pode contribuir para minimizar o problema. E penso que estas ações deveriam ocorrer ao longo de todo o ano, e não concentradas em um único mês. Mas também acredito que outras iniciativas deveriam vir junto, como o apoio à políticas de emprego e renda, à políticas ampliadas e não-excludentes de saúde mental, à políticas de proteção dos direitos humanos e de combate às opressões, dentre muitas outras políticas voltadas para a melhoria das condições de vida e saúde da população. Da mesma é fundamental se opor com veemência à políticas de facilitação do acesso a armas de fogo - que comprovadamente contribuem para o aumento nas taxas de suicídio - e à tantas outras necropolíticas que tem se multiplicado pelo Brasil nos últimos anos. Na minha visão, fazer cartazes com frases motivacionais e organizar palestras sobre saúde mental terá sempre um efeito muito pequeno, talvez nulo, se tais iniciativas não vierem acompanhadas de políticas e ações concretas que contribuam para que a vida realmente valha a pena ser vivida.

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