Aplicação de ECT no Hospital de Virginia, nos EUA, em 1949 |
Em uma polêmica Nota Técnica publicada em fevereiro de 2019, o Ministério da Saúde estabeleceu novas diretrizes para a política de saúde mental no Brasil. Dentre outras medidas questionáveis, o Ministério estabeleceu a ampliação da rede de hospitais psiquiátricos, a possibilidade de internação de crianças e adolescentes e também a aquisição e disponibilização pelo SUS de equipamentos de Eletroconvulsoterapia (ECT) para o "tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários a outras abordagens terapêuticas". Popularmente conhecido como "eletrochoque" este tratamento tornou-se, juntamente com a lobotomia, um símbolo dos equívocos e crueldades cometidos - em nome da razão - pela psiquiatria e pela medicina de uma forma geral. No entanto, também como a lobotomia, a ECT foi vista na época de sua criação como um tratamento inovador, seguro, eficaz e - acredite se quiser - muito menos agressivo e desumano que as outras opções terapêuticas disponíveis naquele momento, como a Terapia por Choque de Insulina (que induzia os pacientes ao coma), a Malarioterapia ou Piroterapia por infecção de malária (que causava terríveis febres) e a Terapia convulsiva (que induzia a violentas convulsões). Posteriormente a ECT passou a ser mal vista e foi deixada de lado; no entanto, ela nunca deixou de ser aplicada. Até os dias atuais ela é utilizada, de uma maneira bastante diferente de quando foi criada, em pessoas com graves transtornos mentais refratárias a outros tratamentos. Especificamente com relação à referida Nota Técnica a preocupação de muitos profissionais e pesquisadores da área da saúde mental é que a aquisição e disponibilização de equipamentos de ECT pelo SUS possa favorecer um uso equivocado e banalizado da técnica, como ocorreu logo após sua criação, na década de 1930. Esta é, sem dúvida alguma, uma preocupação legítima, haja vista a falta de fiscalização adequada em inúmeros serviços públicos; além disso há o questionamento, igualmente pertinente, sobre se realmente vale a pena investir os escassos recursos da área da saúde em dispendiosos aparelhos de ECT - e também no provisionamento das clínicas e na capacitação dos aplicadores e equipe de apoio - ao invés de empregar tais recursos na melhoria dos serviços e dispositivos de saúde mental já incorporados ao SUS. Por fim, há que se questionar também se esta politica não estaria atendendo e beneficiando prioritariamente o lobby da indústria dos dispositivos médicos, mais do que os próprios pacientes. Por outro lado, se as diretrizes para o uso da técnica forem rigorosamente seguidas e sua utilização ocorrer apenas como último recurso terapêutico, e jamais como método punitivo e disciplinar, creio que as resistências à sua utilização diminuiriam consideravelmente - a questão é que eu duvido muito que a fiscalização desta atividade consiga ser realizada a contento, de forma a evitar excessos e usos equivocados. De toda forma, para além de toda esta polêmica, gostaria no presente texto de apresentar brevemente a história da ECT desde seu desenvolvimento até a atualidade.
Violenta convusão induzida por Metrazol |
Protótipo do primeiro aparelho de "eletrochoque" |
Cena do filme Um estranho no ninho (1975) |