Como reação aos absurdos cortes nos orçamentos das universidades federais e também às levianas críticas ao mundo acadêmico que tem circulado pelas redes sociais, inúmeras reportagens, abaixo-assinados e manifestações se esforçaram em mostrar à população como as universidades são úteis para a sociedade. Sem dúvida alguma este é um esforço louvável, haja vista que, de fato, nas universidades brasileiras - especialmente nas públicas - são realizadas pesquisas que contribuem ou poderão contribuir, no futuro, para a solução de inúmeros problemas ambientais e sociais. Por outro lado, algo que me incomoda muito nesta defesa da utilidade da universidade e da pesquisa acadêmica é que por vezes ela obscurece uma outra função absolutamente fundamental das universidades que é promover a busca pelo conhecimento como um fim em si mesmo. E esta busca não é necessariamente útil no sentido de servir para curar alguma doença, favorecer a produção de alguma patente ou gerar lucro para alguma empresa. A utilidade de uma parte significativa da pesquisa acadêmica é, "simplesmente", ampliar o entendimento que o ser humano tem de si mesmo e do mundo que o cerca. E isto não é pouco. E não é nada simples.
Desde sua origem, as universidades sempre foram espaços de livre pensamento, locais onde onde os mestres e aprendizes podiam fazer perguntas e buscar respostas sobre o que bem entendessem. A própria ideia de "universidade" se relaciona à essa busca por uma compreensão ampla, total, universal do próprio ser humano e do mundo. Isto está na origem, na evolução e na própria "alma" das universidades. O grande problema, no atual contexto brasileiro, é que as pessoas que ocupam o poder e que decidem como serão aplicados os recursos educacionais, não vêem as coisas desta forma. Para eles, as universidades se resumem a espaços inúteis e amorais, onde pessoas que estudam coisas desnecessárias andam nuas, usam drogas e fazem "balbúrdia" - seja lá o que isso for. Como no fatídico episódio do "golden shower", no qual uma cena desagradável foi utilizada para representar todo o carnaval brasileiro, imagens de nudez, balbúrdia ou flagrantes inutilidades (leia-se: capas de dissertações e teses da área de humanas) tem sido utilizados para representar as universidades brasileiras. Generalizações e interpretações indevidas são invocadas e disseminadas a cada momento, colocando em xeque a utilidade e a pertinência das universidades e das pesquisas acadêmicas.
O que estas pessoas de mente estreita não conseguem ver é que as universidades não são e não devem ser apenas espaços de formação profissional mas também, e fundamentalmente, espaços de livre pensamento sobre o mundo - inclusive sobre os governos, o que certamente incomoda nossos atuais governantes, que demonstram pouquíssimo apreço tanto ao pensamento quanto à liberdade. Na visão dessas pessoas, a universidade deve se limitar à sua função "técnica", capacitando profissionais para o mercado de trabalho; no entanto, como bem aponta Nuccio Ordine no fantástico livro A utilidade do inútil - Um manifesto, "privilegiar exclusivamente a profissionalização dos estudantes significa perder de vista uma dimensão universal da função formativa da educação: nenhuma profissão poderia ser exercida de modo consciente se as competências técnicas que ela exige não estivessem subordinadas a uma formação cultural mais ampla, capaz de encorajar os alunos a cultivarem autonomamente seu espírito e a possibilitar que expressem livremente sua curiosidade. Equiparar o ser humano exclusivamente com sua profissão seria um erro gravíssimo: em todo ser humano há algo de essencial que vai muito além de seu próprio 'ofício'. Sem essa dimensão pedagógica, ou seja, totalmente afastada de qualquer forma de utilitarismo, seria muito difícil, no futuro, continuar a imaginar cidadãos responsáveis, capazes de abandonar o próprio egoísmo para abraçar o bem comum, expressar solidariedade, defender a tolerância, reivindicar a liberdade, proteger a natureza, defender a justiça...".
Não podemos permitir que estas pessoas de mente estreita - que não entendem o que são e para que "servem" as universidades e a educação de uma forma geral - determinem aquilo que é relevante ou útil e aquilo que não é. As universidades não podem - e não irão - perder aquilo que mais fortemente as constitui, que é o livre pensamento, que é a possibilidade de refletir e estudar sobre o que se quiser, independente de qualquer utilidade. Aliás, o que é utilidade? Para nossos governantes atuais, a utilidade parece estar relacionada a um retorno econômico-mercadológico de determinada pesquisa ou atividade - "se gerar dinheiro, é útil", pensam -, mas eu acho a definição do professor Ordine muito mais interessante: útil é tudo que nos ajuda a nos tornar melhores. Deste ponto de vista todas as pesquisas, de todas as áreas, são úteis porque nos fazem (ou tem o potencial de nos fazer) pensar - e pensar nos torna melhores. Isto significa, por sua vez, que tudo aquilo que parece inútil aos olhos dos nossos atuais governantes (o que inclui desde a pesquisa nas áreas de ciências humanas e sociais até a literatura e a arte) tem sim uma importante utilidade: expandir a nossa mente e o conhecimento humano. Como aponta o professor Ordine, "nesse contexto brutal [ele se refere à Europa, mas podemos facilmente estender sua análise para o Brasil atual], a utilidade dos saberes inúteis contrapõe-se radicalmente à utilidade dominante que, em nome de um interesse exclusivamente econômico, está progressivamente matando a memória do passado, as disciplinas humanísticas, as línguas clássicas, a educação, a livre pesquisa, a fantasia, a arte, o pensamento crítico e o horizonte civil que deveria inspirar toda a humanidade. No universo do utilitarismo, um martelo vale mais do que uma sinfonia, uma faca mais do que um poema, uma chave de fenda mais do que um quadro; porque é fácil compreender a eficácia de um utensílio, enquanto é sempre mais difícil compreender para que podem servir a música, a literatura ou a arte" - e também a universidade, eu acrescentaria.
Não podemos permitir que estas pessoas de mente estreita - que não entendem o que são e para que "servem" as universidades e a educação de uma forma geral - determinem aquilo que é relevante ou útil e aquilo que não é. As universidades não podem - e não irão - perder aquilo que mais fortemente as constitui, que é o livre pensamento, que é a possibilidade de refletir e estudar sobre o que se quiser, independente de qualquer utilidade. Aliás, o que é utilidade? Para nossos governantes atuais, a utilidade parece estar relacionada a um retorno econômico-mercadológico de determinada pesquisa ou atividade - "se gerar dinheiro, é útil", pensam -, mas eu acho a definição do professor Ordine muito mais interessante: útil é tudo que nos ajuda a nos tornar melhores. Deste ponto de vista todas as pesquisas, de todas as áreas, são úteis porque nos fazem (ou tem o potencial de nos fazer) pensar - e pensar nos torna melhores. Isto significa, por sua vez, que tudo aquilo que parece inútil aos olhos dos nossos atuais governantes (o que inclui desde a pesquisa nas áreas de ciências humanas e sociais até a literatura e a arte) tem sim uma importante utilidade: expandir a nossa mente e o conhecimento humano. Como aponta o professor Ordine, "nesse contexto brutal [ele se refere à Europa, mas podemos facilmente estender sua análise para o Brasil atual], a utilidade dos saberes inúteis contrapõe-se radicalmente à utilidade dominante que, em nome de um interesse exclusivamente econômico, está progressivamente matando a memória do passado, as disciplinas humanísticas, as línguas clássicas, a educação, a livre pesquisa, a fantasia, a arte, o pensamento crítico e o horizonte civil que deveria inspirar toda a humanidade. No universo do utilitarismo, um martelo vale mais do que uma sinfonia, uma faca mais do que um poema, uma chave de fenda mais do que um quadro; porque é fácil compreender a eficácia de um utensílio, enquanto é sempre mais difícil compreender para que podem servir a música, a literatura ou a arte" - e também a universidade, eu acrescentaria.