No último dia 30 de Março faleceu Contardo Calligaris, psicanalista e autor de um pequeno-grande livro intitulado Cartas a um jovem terapeuta - e de muitos outros. Eu não sou psicanalista nem, de fato, muito afeito à abordagem psicanalítica (embora goste dos escritos mais sociológicos de Freud), mas este livro foi extremamente marcante na minha formação e me ajudou muito em meus primeiros momentos como terapeuta. Gosto desse livro especialmente porque ele não é voltado apenas para psicanalistas, mas para terapeutas em geral e para estudantes de graduação que almejam um dia se tornarem terapeutas. Sua abordagem não ortodoxa e não voltada apenas para convertidos à psicanálise me encantou desde a primeira vez que li. E desde então já o reli algumas vezes e sempre me surpreendo com suas reflexões, resultado de anos de prática clínica. Aliás, esta experiência clínica do autor transborda em seus escritos, inclusive neste livro. Fica totalmente claro ao leitor que a obra foi escrita por alguém que não apenas domina uma série de teorias (o que é importante mas insuficiente para a prática clínica) mas que também atende dia após dia, ano após ano, inúmeras pessoas com suas dores, suas alegrias e suas contradições. Sua abordagem pé-no-chão é o que mais gosto neste livro, e é justamente o que sinto falta em grande parte dos livros de/sobre psicoterapia, nos quais as discussões teóricas, às vezes terrivelmente abstratas, ganham sempre mais destaque do que o arroz-com-feijão da psicoterapia, que é a escuta, o acolhimento e a empatia - elementos fundamentais que compõem ou deveriam compor qualquer prática psicoterapêutica, independente da abordagem do terapeuta. A postura não ortodoxa de Calligaris, que o permite circular por áreas e saberes, atingindo assim pessoas de fora da comunidade psicanalítica, é algo que trago comigo. Penso, como ele, na abordagem terapêutica como um norte possível, não como uma camisa de força ou como algo que traga todas as respostas - pois nenhuma teoria ou abordagem jamais trará. Enfim, Contardo Calligaris fará falta... foi um grande sujeito e um fantástico escritor, que trouxe imensas contribuições para a área psi no Brasil e no exterior. Lamento profundamente sua morte!