terça-feira, 18 de junho de 2024

Psicose em primeira pessoa: uma resenha do livro "Esquizofrenias reunidas"

No livro "Esquizofrenias reunidas", recém-lançado pela editora Carambaia, a escritora Esmé Weijun Wang apresenta treze ensaios sobre questões diversas mas que tem como ponto de conexão os diagnósticos psiquiátricos que ela recebeu ao longo dos anos - em especial o de transtorno esquizoafetivo, que a colocou no espectro das "esquizofrenias", como ela se refere, quase sempre no plural. Filha de imigrantes taiwandeses e nascida nos Estados Unidos, Ermé foi inicialmente diagnosticada com o transtorno bipolar devido a alguns episódios maníacos e depressivos que manifestou ainda no ensino médio mas, após ingressar na faculdade ela passou a vivenciar também alguns delírios e alucinações, que acabaram levando uma de suas psiquiatras a "fechar" o diagnóstico de transtorno esquizoafetivo, que seria uma espécie de ponte ou de meio-termo entre os diagnósticos de bipolaridade e de esquizofrenia. Ao longo dos ensaios a autora discute tanto esse complexo e incerto processo de diagnóstico - que no seu caso levou anos para ser "fechado" - quanto os próprios sentidos das classificações psiquiátricas e do DSM, comumente chamado de "bíblia" da psiquiatria (sobre isso, aliás, ela afirma: "essa bíblia, assim como a judaico-cristã, é uma que se deforma e se transforma tão rápido quanto nossa cultura"). Mas Ermé discute ainda inúmeras outras questões como a relação entre esquizofrenia e criatividade, a decisão entre ter ou não filhos haja vista a compreensão vigente de que existiriam componentes hereditários nas psicoses, a relação entre experiências psicóticas e religiosas, etc. Mas para além disso a autora ainda narra e descreve em dolorosos detalhes as diversas internações em hospitais psiquiátricos que vivenciou ao longo dos anos - vivências estas que lhe geraram uma visão extremamente negativa especialmente das internações involuntárias, às quais ela foi submetida duas vezes. Enfim, nesta breve resenha não tenho como explorar todos os temas e questões discutidos por Ermé neste livro riquíssimo; eu queria apenas indicá-lo para todos aqueles e aquelas que, como, eu se interessam por narrativas em primeira pessoa de indivíduos diagnosticados com determinados transtornos mentais.

Trecho do livro: "É difícil descrever o horror de estar internada involuntariamente. Em primeiro lugar, há a experiência aterrorizante de ser colocada à força num lugar pequeno do qual não lhe permitem sair. Também não lhe permitem saber quanto tempo ficará ali, porque ninguém sabe quanto tempo você ficará ali. Você está sem as coisas que ama: seu diário, a pulseira que sua avó lhe deu, suas meias favoritas. Seu ursinho de pelúcia. Não há computadores. Nos hospitais em que estive, os únicos telefones permitidos eram os fixos, que podiam ser utilizados em determinados momentos do dia por um determinado período, fazendo com que os pacientes disputassem uma posição ao lado dos telefones e infernizassem os que estavam demorando demais. Vez ou outra permitem que alguém traga algo importante para você durante as horas de visita, embora isso só ocorra depois de uma enfermeira inspecionar os artigos; na maior parte das vezes as suas posses não são admitidas na enfermaria porque incluem uma ponta afiada ou uma espiral de metal ou um pedaço de tecido perigoso. Não lhe permitem escolher o que come e, dentre as escolhas limitadas que existem, você é forçado escolher apenas entre coisas nojentas. Eles lhe dizem quando dormir e quando acordar. Se passa tempo demais no quarto, isso indica que está sendo antissocial; se fica sentada nas áreas de convívio mas não interage com os outros pacientes, provavelmente é ou está depressiva ou excessivamente introvertida ou quem sabe até mesmo catatônica. As pessoas podem ser um mistério umas para as outras, mas pessoas com uma doença mental são particularmente opacas por causa do cérebro defeituoso. Não se pode confiar em nós para nada, incluindo nossa própria experiência".
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