No livro Psiconautas: viagens com a ciência psicodélica brasileira, lançado em 2021 pela editora Fósforo, o renomado jornalista científico Marcelo Leite apresenta o chamado "renascimento psicodélico" na ciência brasileira e internacional e ainda traz interessantes relatos em primeira pessoa da experiência do autor com tais substâncias. Como apontei anteriormente na resenha que fiz da minissérie documental Como mudar sua mente, baseada em um livro homônimo do também jornalista Michael Pollan, as pesquisas sobre o potencial terapêutico das substâncias psicodélicas começaram nos anos 1950/60, tiveram um longo período de recesso após a proibição de tais substâncias nas décadas de 1970/80, e, mais recentemente experimentaram uma retomada - não apenas nos Estados Unidos mas também em outros países, como é o caso do Brasil. Pois é justamente o foco na realidade brasileira que torna Psiconautas uma obra relevante, haja vista que o contexto internacional já foi ampla e brilhantemente retratado no livro de Pollan. O que Marcelo faz com muita competência é apresentar os psiconautas brasileiros - que incluem os pesquisadores Dráulio de Araújo, Luis Fernando Tófoli, Steven "Bitty" Rehen e Sidarta Ribeiro (que faz o prefácio do livro) - e as pesquisas desenvolvidas por eles, inclusive com substâncias tradicionalmente utilizadas no país, como a Ayahuasca. O livro é dividido em seis capítulos, cinco deles dedicados a substâncias específicas: Ayahuasca, MDMA (ou Michael Douglas para os íntimos), LSD, Ibogaína e Psilocibina. No último capítulo o autor sintetiza algumas discussões sobre as aplicações terapêuticas dos psicodélicos, discorrendo, por exemplo, sobre a questão das "bad trips" e sobre a importância do "set" e "setting" para a qualidade das "viagens". Minha visão sobre as tais terapias psicodélicas permanece após ler esse livro: eu acho que são válidas e podem ser úteis e benéficas para muitas pessoas com variadas formas de sofrimento e também por aquelas que querem "simplesmente" viajar? Com certeza. Mas são panaceias ou pílulas mágicas que resolverão todos os problemas humanos e sociais? De forma alguma! Ainda assim recomendo fortemente a leitura desta ótima e embasada obra de divulgação científica.
Trecho do livro: "Em termos muito gerais, as recomendações [terapêuticas] tendem a girar em torno de cuidados com os dois componentes básicos da viagem psicodélica, o set e o setting, termos consagrados para designar respectivamente a condição mental do psiconauta e o ambiente em que ela ou ele empreenderá sua jornada. São conceitos oriundos de décadas de práticas psicoterapêuticas com apoio de psicodélicos que antecederam a reação proibicionista dos anos 1970-80. No primeiro caso, set, se encaixam critérios de exclusão, como tendências psicóticas, até conselhos práticos como não consumir as substâncias em tempos de muita ansiedade, em tratamento com medicações psiquiátricas ou sem clareza quanto ao objetivo da viagem. No segundo, setting, se incluem a importância de viajar num ambiente tranquilo e seguro, de preferência junto à natureza, na companhia de pessoas de confiança que possam dar assistência ao viajante desorientado ou angustiado, e assim por diante".