domingo, 26 de junho de 2022

O clube dos iguais: uma resenha do livro "O pacto da branquitude", de Cida Bento

Se você é psicólogo ou psicóloga (e especialmente se você é branco ou branca) recomendo muito fortemente a leitura deste livro fundamental da colega de profissão Cida Bento. É um livro curto, barato e muito, mas muito importante. No centro da discussão está o conceito, desenvolvido pela própria autora, de "pacto narcísico da branquitude", que diz respeito à uma série de alianças e acordos não verbalizados que acabam por atender aos interesses e manter os privilégios das pessoas brancas, inviabilizando e excluindo pessoas não-brancas, especialmente, no Brasil, pessoas negras (mas também indígenas). Como afirma a autora, "é evidente que os brancos não promovem reuniões secretas às cinco da manhã para definir como vão manter seus privilégios e excluir os negros. Mas é como se assim fosse: as formas de exclusão e de manutenção de privilégios nos mais diferentes tipos de instituições são similares e sistematicamente negadas ou silenciadas. Esse pacto da branquitude possui um componente narcísico, de autopreservação, como se o 'diferente' ameaçasse o 'normal', o 'universal'. Esse sentimento de ameaça e medo está na essência do preconceito, da representação que é feita do outro e da forma como reagimos a ele". Não sei se a comparação é válida mas é como se a branquitude fosse um clube que só permitisse a entrada de pessoas brancas e excluísse o acesso a pessoas "diferentes", isto é, pessoas não-brancas. A grande questão é que este comportamento clubista, que está no cerne do tal pacto da branquitude, está de fato espalhado por organizações públicas e privadas, constituindo um importante aspecto do racismo institucional prevalente em nosso país. Com sua longa experiência na área de psicologia organizacional, Cida Bento mostra como este pacto está fortemente presente nos processos de recrutamento e seleção de pessoal (que tendem a desfavorecer candidatos negros) e em muitos outros processos organizacionais e sociais, perpetuando-se justamente pelas vantagens obtidas pelos "signatários" voluntários ou involuntários deste pacto. Enfim, trata-se de um pequeno grande livro que eu espero que no futuro seja amplamente lido e estudado nas faculdades de psicologia brasileiras.

Trecho do livro: "Em um ambiente em que todas as pessoas são brancas, elas se identificam umas com as outras e se veem como iguais, membros de um mesmo grupo. Essa presença exclusiva de brancos, aliás, faz parte da maioria das organizações públicas, privadas e da sociedade civil. Quando isto é rompido pela presença de uma pessoa negra, o grupo se sente ameaçado pelo 'diferente', que por ser na instituição ou no departamento a única pessoa negra, num país majoritariamente negro, expõe os pés de barro do 'sistema meritocrático'".
Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário: