terça-feira, 28 de julho de 2015

A crise da psiquiatria contemporânea e o poder das psicoterapias

Segundo o psiquiatra Richard Friedman, no excelente artigo "Psychiatry’s Identity Crisis", publicado pelo New York Times no último dia 17 de Julho, a psiquiatria contemporânea se encontra em uma crise - mais uma, dentre tantas pelas quais passou desde sua criação no século XIX. Segundo Friedman, ao mesmo tempo que as pesquisas em neurociência não trouxeram qualquer retorno significativo para a prática clínica em psiquiatria, como muitos esperavam, os medicamentos (base do tratamento psiquiátrico moderno) evoluíram muito pouco desde as décadas de 50 e 60, quando os primeiros remédios psiquiátricos foram lançados, e continuam tendo como alvo os mesmos receptores e neurotransmissores no cérebro que seus precursores (certamente os medicamentos modernos geram menos efeitos colaterais que os mais antigos, no entanto, seus efeitos "positivos" continuariam basicamente os mesmos). Ou seja, a esperança de que as pesquisas iniciadas na "década do cérebro" resultassem em consideráveis avanços para a clínica não se concretizou. Mesmo terapias biológicas modernas como a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) e a Estimulação Cerebral Profunda (ECP) tem mostrado pouca efetividade no tratamento de transtornos psiquiátricos - além disso, no caso específico do ECP, trata-se de um método invasivo sobre o qual pouco se sabe a respeito de sua eficácia e segurança a longo prazo.

Uma possível saída para este impasse passaria, surpreendentemente, por um retorno às psicoterapias. Segundo Friedman, inúmeros estudos tem apontado para o tratamento psicoterápico como sendo tão eficaz quanto as medicações psicotrópicas para os transtornos psiquiátricos comuns, como depressão e ansiedade. Além disso, segundo o autor, a maioria dos norte-americanos prefere, claramente, psicoterapia do que medicação - de acordo uma meta-análise realizada pelo pesquisador R. Kathryn McHugh e seus colaboradores, os pacientes pesquisados eram três vezes mais propensos a preferir psicoterapia do que drogas psicotrópicas. Friedman aponta, no entanto, que apesar de uma maior preferência geral, as pessoas tem se dedicado cada vez menos aos tratamentos psicoterápicos em função de seus elevados custos e da baixa disponibilidade de profissionais nos ambulatórios (pelo menos nos Estados Unidos). Ao mesmo tempo, o uso de medicações psiquiátricas tem aumentado consideravelmente ao longo dos anos, o que aponta para um abismo entre o tratamento que as pessoas desejam ter e aquele que, de fato, possuem condições de arcar. 

Finalmente, aponta Friedman, muitos dos pacientes que chegam os consultórios psiquiátricos possuem um histórico de trauma, abuso sexual, pobreza ou privação, problemas para os quais não há qualquer solução biológica possível. Da mesma forma, questiona o psiquiatra, seria equivocado conceber problemas como a depressão e a ansiedade meramente como problemas cerebrais passíveis de intervenção medicamentosa. Segundo ele. "o fato de todos os sentimentos, pensamentos e comportamentos necessitarem da atividade do cérebro para acontecer não significa que a única ou a melhor forma de mudá-los - ou entendê-los - é com a medicina". Isto significa que nem sempre os transtornos psiquiátricos podem ser adequadamente tratados com terapia biológica. Os transtornos de personalidade, por exemplo, seriam geralmente pouco responsivos a medicações psicotrópicas, mas muito tratáveis com vários tipos de psicoterapia. Segundo Friedman, "muitas vezes não existe nenhum substituto para a auto-compreensão que vem com a terapia". Um psiquiatra, certamente, pode melhorar consideravelmente o humor e diminuir a frequência e a intensidade de quadros psicóticos de seus pacientes prescrevendo determinadas medicações. No entanto, como aponta Friedman, "não existe uma pílula - e provavelmente nunca existirá - para quaisquer dos problemas emocionais dolorosos e perturbadores a que estamos sujeitos, como raiva narcisista e ambivalência paralisante, para citar apenas dois". E é neste sentido que o autor finaliza seu texto dizendo que ainda que ele próprio seja extremamente favorável à pesquisa neurocientífica e acredite que entender o cérebro possa contribuir para o entendimento dos transtornos mentais, "nós somos mais do que um cérebro em um frasco. Basta perguntar a qualquer um que tenha se beneficiado de uma psicoterapia". 
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