segunda-feira, 29 de junho de 2015

Está faltando ciência à Educação?

Na semana passada li uma entrevista com a Viviane Senna para a Folha de São Paulo cuja manchete reproduzia uma fala dela: "Educação é baseada em achismos, não em ciência". Gostaria de tecer alguns comentários sobre esta entrevista - que você pode conferir, na íntegra, aqui. Mas antes, uma propaganda. Meu livro, que ainda está em processo de edição, virá em uma boa hora - ele deverá ser lançado, espero, no próximo semestre. Para quem não sabe, ele se chamará "O cérebro vai à escola": aproximações entre Neurociências e Educação no Brasil e foi baseado em minha dissertação de mestrado, defendida em 2012 na UERJ. Pois ele trata justamente - e de uma forma crítica - da questão da aproximação da educação com o campo científico, ou da busca por uma educação baseada em evidências - busca esta que tem se tornado cada vez mais ativa. Só para se ter uma ideia, há pouco tempo foi criada a Rede Nacional de Ciência para a Educação e em julho ocorrerá no Rio de Janeiro um simpósio internacional sobre o assunto, o Internacional Symposium on Science for education. Tudo isto aponta para um grande interesse sobre esta questão. Pois meu livro, que trata da aproximação entre os campos educacional e neurocientífico, busca problematizar justamente esta visão, defendida pela Viviane Senna e por outros, de que está faltando ciência à educação, como se o principal motivo para os problemas na educação atual fosse a falta de embasamento científico. Certamente acredito que a ciência pode contribuir para o desenvolvimento das práticas e políticas educacionais, o que não significa que é a ciência que salvará a educação. Como aponto na conclusão do livro: "consideramos prudente permanecer entre os extremos do neuroceticismo e do neuroentusiasmo compreendendo que o campo neurocientífico, ainda que possa gerar conhecimentos relevantes para a Educação, não é capaz, sozinho, de explicar a aprendizagem e suas dificuldades e muito menos de resolver os inúmeros problemas e desafios do campo educacional". O mesmo vale, creio, para o campo científico de uma forma geral. Ele pode contribuir? Certamente. Mas o conhecimento científico não é o único que deve ser levado em consideração. Outros conhecimentos, chamados neste caso de "achismos" - mas que poderíamos chamar de conhecimentos tácitos -, também podem contribuir para o desenvolvimento de novas políticas e práticas. Endeusar a ciência, como se ela fosse uma panacéia para todos os problemas do mundo, não é o caminho. Pelo menos, não o caminho que eu acredito.

Certamente concordo que o ensino pode e deve ganhar muito com a ciência. Só acho que outros conhecimentos, como aqueles que o professor adquire com sua prática, não podem ser desprezados. O paralelo com a medicina é interessante. A medicina baseada em evidências apregoa que o médico deve basear sua conduta e suas prescrições nos dados científicos. O problema é que muitas vezes os dados são contraditórios e mesmo que se façam meta-análises, é impossível tais dados dizerem o que o médico deve fazer em um caso específico. Quem trabalha na clínica, assim como na escola ou na universidade, lida com pessoas e não com médias. Neste sentido, os dados podem até fornecer um norte, mas a prática do médico ou do professor precisa ser levada em consideração na construção de políticas e práticas. Com tudo isto quero dizer que a ciência, que se propõe universal, tem limites claros, especialmente quando falamos de casos e culturas particulares. Acho difícil, no caso da educação, falar em práticas universalmente efetivas. O que funciona em um lugar não necessariamente funcionará em outros, o que funciona para uma pessoa não necessariamente funcionará para outra. No que diz respeito às questões humanas qualquer universalidade é perigosa pois corre-se o risco de ignorar as singularidades. É isso que quero dizer quando critico a ideia de que a ciência pode salvar a educação - especialmente porque quando se fala isso refere-se normalmente às chamadas ciências naturais e não às ciências humanas. Pois as ciências humanas já estão na base da nossa educação. A proposta que vem se disseminando é substituir as teorias e práticas baseadas nas ciências humanas por teorias e práticas baseadas nas chamadas ciências "duras". E isto eu não concordo. Acho que as duas ciências devem dialogar.
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