A situação dos refugiados é uma das principais, senão a principal, crise humanitária do mundo atualmente. Todos os dias milhares de pessoas são forçadas a sair às pressas de seu país devido à conflitos armados e/ou perseguições e buscarem abrigo em outras nações. Inúmeros países, muitos à contragosto, tem recebido estas pessoas. O Brasil, por exemplo, acolheu até o final de 2016 cerca de 9552 refugiados de diversos países - em especial da Síria, do Congo, do Paquistão, da Palestina, da Angola e, de forma crescente, da Venezuela. No entanto, ao mesmo tempo em que diversas nações, grupos e indivíduos tem se esforçado para receber, acolher e integrar estas pessoas, tem se multiplicado pelo mundo discursos xenofóbicos de ódio que tem como principal mote a ideia de que estas pessoas são invasoras que trazem a desordem e roubam os empregos. No início deste mês, por exemplo, o refugiado sírio Mohamed Ali, que vive e trabalha no Rio de Janeiro há 3 anos, foi hostilizado na rua por um homem que gritou repetidas vezes "Sai do meu país!", afirmando ainda: "O nosso país está sendo invadido por esses homens bombas, que matam crianças". Não gosto de pensar que se trata simplesmente de uma atitude irracional, haja vista que existe alguma racionalidade (diferente da minha, por exemplo) por trás de um ato preconceituoso como esse - ademais, a ideia de irracionalidade é há tanto tempo utilizada como categoria acusatória por pessoas de todos os lados de todos os conflitos e controvérsias, que acabou por perder a sua força ("Você é irracional!" acusa a pessoal supostamente racional. "Não, você é que é irracional", rebate outra pessoa supostamente racional em uma troca infinita de acusações). Enfim, ao invés de considerar atitudes xenofóbicas e ofensivas como a descrita acima simplesmente como comportamentos irracionais prefiro encará-las como comportamentos preconceituosos baseados em estereótipos, isto é, em visões preconcebidas e generalizantes sobre determinadas pessoas e grupos. De forma mais profunda é possível enxergar em tais atitudes um enorme medo daquilo e daqueles que vem de fora e daquilo que é estranho ou diferente - a ideia de xenofobia aponta justamente nesta direção.



Update 16/08/2017: um outro exemplo bastante interessante de solidariedade foi a reação de muitos cariocas à agressão sofrida pelo refugiado sírio Mohamed Ali narrada no início deste post. Após o video da agressão ser amplamente divulgado nas redes sociais, um empresário carioca organizou pelo Facebook um "Esfirraço" com o objetivo de reunir pessoas para comprar as esfirras vendidas pelo sírio em sua barraquinha em Copacabana. No dia marcado, mais de 3 mil esfirras foram vendidas e muitas pessoas passaram pelo local para dar um abraço e demonstrar solidariedade com ele. Mohamed ficou extremamente contente com toda esta repercussão e afirmou ser "a pessoa mais feliz do mundo". Sobre este episódio, a professora Vanessa Souza afirmou para o jornal O Globo: "estamos vivendo um movimento mundial de muita intolerância. E essa iniciativa mostra que a força das pessoas que não concordam com isso é muito grande". Impossível discordar dela! Aliás, quer uma prova bastante concreta deste "movimento de intolerância" citado por ela? A poucos quilômetros da barraquinha do Mohamed, no Arpoador, um pequeno protesto contra os muçulmanos foi organizado por um grupo de cerca de 20 evangélicos ligados à Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo, que seguravam cartazes com dizeres como "Alcorão: guia de estupros e assassinatos" e "Muçulmanos: assassinos, sequestradores, estupradores". Felizmente, o apoio a este protesto foi muito menor que aquele demonstrado à Mohamed. A tolerância e o respeito, pelo menos neste caso, venceram!
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A tolerância - Mohamed e apoiadores durante o Esfirraço |
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A intolerância - Protesto contra muçulmanos |