terça-feira, 18 de junho de 2024

Você já ouviu falar em otimismo cruel?

Meu primeiro contato com o conceito de otimismo cruel ocorreu durante a leitura do livro "Foco roubado", do Johann Hari, cuja resenha eu publiquei neste post. É claro que a ideia de um otimismo cruel faz parte daquilo que eu discuto há tempos, mas eu nunca tinha ouvido falar especificamente dessa expressão, que condensa perfeitamente um problema amplamente disseminado na prática e no discurso psicológicos - e na área da saúde de uma forma geral. Mas o que é o otimismo cruel? Segundo Hari "é quando se pega um problema realmente grande, com causas profundas em nossa cultura - como a obesidade, ou a depressão, ou o vício - e oferece às pessoas, em linguagem positiva, uma solução individual simplista. Soa otimista, porque você está dizendo a elas que o problema pode ser resolvido, e rapidamente - mas na realidade é cruel, porque a solução que oferece é tão limitada, e é tão cega às suas causas mais profundas, que a maioria das pessoas falha". Um exemplo analisado pelo autor é o do estresse, que muitas vezes é atribuído a uma falha pessoal no controle das emoções - o que pode ser sintetizado por um trecho de um livro de autoajuda segundo o qual "o estresse não é algo que nos seja imposto. É algo que impomos a nós mesmos". Hari aponta, contudo, que um grande estudo norte-americano identificou as principais causas de estresse nos EUA, que incluem a falta de um plano de saúde, a constante ameaça por demissões, a falta de autonomia nas tomadas de decisões, longas jornadas de trabalho, etc. Dizer, nesse sentido, que a solução para o estresse é que as pessoas pratiquem meditação não passa, portanto, de mais uma forma de otimismo cruel. Um dos entrevistados de Hari deu um exemplo pungente de uma empresa que oferecia aulas de meditação para os funcionários ao mesmo tempo em que cortava seus planos de saúde. Afirma Hari: "é fácil ver o aspecto de crueldade disto. Você diz a alguém que há uma solução para o seu problema e então o mergulha em um pesadelo. Não vamos dar insulina aos funcionários, mas daremos aulas sobre como mudar sua forma de pensar. É a versão século 21 de Maria Antonieta, 'então que comam brioches'. Então que tenham atenção plena". Hari salienta ainda que embora o otimismo cruel pareça positivo e otimista ele costuma ter um efeito terrível: "quando aquela solução de pouco alcance falha, como acontece na maioria das vezes, o indivíduo não culpará o sistema - colocará a culpa em si mesmo. Achará que foi ele que estragou tudo e que simplesmente não é bom o suficiente para ter sucesso". Além disso, o otimismo cruel parte do pressuposto fatalista de que não somos capazes de mudar significativamente os sistemas que estão coletivamente nos prejudicando e que, portanto, só o que podemos fazer é alterar nossos "eus" isoladamente. O autor aponta, nesse sentido, que uma alternativa ao otimismo cruel não é o pessimismo, ou seja, a ideia de que não se é capaz de mudar nada, e sim o otimismo autêntico. Segundo Hari " é com ele que você honestamente reconhece as barreiras que lhe impedem de alcançar sua meta e estabelece um plano a ser levado adiante junto a outras pessoas a fim de desmantelar essas barreiras, uma a uma". Talvez seja possível dizer que uma alternativa ao otimismo cruel seja a esperança, não no sentido de esperar passiva e solitariamente por uma melhora, mas no sentido de construir ativa e coletivamente as condições para as mudanças que precisam ser feitas.

OBS: Uma curiosidade sobre a imagem que ilustra essa postagem é que ela foi produzida por uma inteligência artificial (o criador de imagens do Bing) a partir da expressão "cruel optimism".

Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário: