terça-feira, 18 de junho de 2024

"20.000 espécies de abelhas" e a infância trans

No maravilhoso filme espanhol "20.000 espécies de abelhas", primeiro longa-metragem da cineasta Estibaliz Urresola Solaguren, acompanhamos o retorno de uma mãe com seus três filhos para sua cidade natal no País Basco. A história é centrada em uma das crianças, que chamarei aqui de Cocó, pois ela é assim denominada, inicialmente, pela irmã mais velha. Pois Cocó, que tem cerca de 9 anos, é entendida e vista como um menino por quase todas as pessoas, inclusive por sua família. No entanto, Cocó se identifica como uma menina e se interessa por brinquedos e roupas femininas. Cocó, entendemos logo, é uma menina trans. Mas a grande questão do filme é que esta personagem é apresentada e retratada em um momento de sua vida que poderíamos chamar, talvez equivocadamente, de pré-reflexivo: Cocó ainda não tem uma compreensão racional e profunda do que se passa consigo mesma. Ela ainda não sabe que é uma garota trans ou que existe alguma palavra que poderia definir o que se passa com ela; Cocó apenas sente uma terrível e constante sensação de desconexão e de incômodo com o mundo à sua volta, como se fosse um "peixe fora d'água". Quando é levada por sua mãe a um clube, por exemplo, Cocó, tal qual um animal encurralado, deseja fugir logo dali para não ter de ir à piscina e se mostrar para os outros (e para si mesma) de sunga, símbolo de uma masculinidade que ela sente não se encaixar- e diante da impossibilidade de vestir um biquíni ou um maiô, como gostaria, ela fica todo o tempo de roupão. Mas Cocó não expressa tal incômodo com palavras e sim com seu corpo e suas expressões faciais. É preciso exaltar, nesse sentido, a brilhante interpretação da atriz mirim Sofía Otero (que é cis e não trans), merecidamente premiada com o Urso de Prata de melhor atuação no Festival de Berlim em 2023. Mas o filme está repleto de ótimas performances - e eu destacaria ainda as atrizes que interpretam a mãe e a tia de Cocó, que imprimem grande intensidade e afeto em suas atuações. Eu teria muito mais a dizer sobre este filme, que discute com muita sensibilidade o tema das infâncias trans, mas por hora queria apenas recomendar fortemente esta linda obra, que acabou de ser incluída no catálogo da Reserva Imovision.
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