terça-feira, 18 de junho de 2024

As demências para além do olhar biomédico

Em função da minha pesquisa de doutorado, eu li muitos textos e livros sobre o tema da demência e, em especial, da doença de Alzheimer, que é o tipo mais comum de demência. E grande parte desses materiais trazia uma visão estritamente ou majoritariamente biomédica das demências, o que acabava por reduzir a complexidade deste fenômeno. Considero, muito bem vinda, nesse sentido, a tradução e publicação no Brasil, pela Editora Best-Seller, do livro "O que eu gostaria que as pessoas soubessem sobre demência", da escritora britânica Wendy Mitchell. O grande diferencial deste livro é que ele foi escrito por uma pessoa com demência e traz, portanto, uma narrativa em primeira pessoa sobre tal condição. Além disso, a autora reúne uma série de recomendações práticas para familiares e cuidadores que podem melhorar significativamente a vida das pessoas diagnosticadas com demência - recomendações essas que eu jamais encontrei em nenhuma outra obra, e que, no meu entender, só ampliam a pertinência e relevância desta publicação. E eu aproveito a postagem para indicar ainda o livro "Afetos colaterais: a busca pela poesia na despedida da minha mãe", lançado também em 2023 pela Editora Planeta. Nesta bela e poética obra, a escritora Bettina Bopp trata com muita sensibilidade de sua relação com a mãe, diagnosticada com uma doença degenerativa (Parkinson) e que acabou desenvolvendo, ao longo do tempo, um quadro demencial. Não apenas por conta da doença, mas também dos efeitos colaterais das medicações, fortíssimas, sua mãe falava e fazia coisas aparentemente sem sentido, que Bettina ressignifica sob a ótica da poesia e não da patologia. Como a autora afirma em determinado momento do livro, "minha mãe parecia ter uma lente de aumento para as sutilezas diárias da vida. Não parecia delírio, alucinação ou doença. Não era demência. Era poesia". As duas obras trazem, portanto, olhares diversos, necessários e potentes sobre os quadros demenciais, para muito além do hegemônico e quase onipresente olhar biomédico.

Leia também as resenhas dos livros "Para sempre Alice" e "O túnel".
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